Repensando a impenhorabilidade da conta-poupança

AutorDanilo Silva Bittar
Páginas191-199

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1. Introdução

O presente trabalho tem como objetivo propor uma nova abordagem no que diz respeito à (im)penhorabilidade das denominadas contas poupança.

Atualmente tal questão tem sido pouco debatida tanto pela doutrina, como pela jurisprudência, fato que tem gerado o reconhecimento indiscriminado da impenhorabilidade de valores inferiores a quarenta salários-mí-nimos depositados nas denominadas contas poupança, com fulcro no art. 649, inciso X, do Código de Processo Civil.1

Conforme restará evidenciado aqui, embora sejam assim tratadas,2 a "caderneta de poupança" (indicada na redação do dispositivo legal mencionado) e a "conta-poupança" (nova modalidade de conta bancária) não são sinónimos, motivo pelo qual se justifica uma melhor análise da questão.3

Através da comparação dos conceitos de conta-corrente, caderneta de poupança e conta-poupança, bem como mediante a harmonização entre a função de preservação do património mínimo do devedor e o caráter excepcional das impenhorabilidades, buscar--se-á uma interpretação mais abalizada do artigo supracitado, a fim de se determinar a penhorabilidade ou não de valores inferiores a quarenta salários-minimos depositados em contas poupança.

2. Conceitos no âmbito do direito bancário

A princípio, a fim de se estabelecer a primeira premissa necessária à sistematização

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da ideia a ser proposta, necessária a compreensão de alguns conceitos, em especial os de conta-corrente e caderneta de poupança, para que seja possível uma comparação destes com a definição de conta-poupança.4

2. 1 Conta-corrente e caderneta de poupança

Pode-se dizer que a caderneta de poupança se trata de espécie de contrato de depósito, no qual o cliente entrega uma quantia pecuniária a uma instituição financeira, que adquire sua propriedade, obrigando-se a restituir os valores depositados na mesma quantidade, e na mesma espécie monetária, quando lhe for exigido.5

Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, as cadernetas de poupança são produtos oferecidos pelos bancos que, sob o ponto de vista contratual, representam depósito bancário a prazo fixo, ou seja, figuram como uma modalidade de depósito em que o depositante deve solicitar a restituição dos recursos somente após uma determinada data, sendo geralmente remunerado o período durante o qual a instituição financeira permanece com os valores.6

Já a conta-corrente, por sua vez, trata-se de contrato onde o banco além de se obrigar a receber os valores que são entregues pelo cliente ou por terceiros, também se compromete a cumprir as ordens de pagamento7 do cliente até o limite de crédito existente na conta.8 Entretanto, sem a remuneração dos valores depositados.

Pode-se dizer que ela guarda semelhança com a caderneta de poupança, uma vez que a instituição financeira deve restituir os recursos mantidos em conta-corrente ao correntista quando solicitado.9 Por outro lado, oferece muitas vantagens em relação àquela, de modo que através dela o correntista pode realizar pagamentos mediante a emissão de cheques10 ou utilizando-se dos cartões de débito, também chamados de "cheques eletrônicos".11

Corroborando o alegado, Arnaldo Riz-zardo assevera que realmente há semelhança entre a conta-corrente e o depósito bancário. Todavia, enquanto o depósito envolve a simples entrega de determinada quantia, onde o banco fica obrigado a restituí-la num prazo fixado, "a conta-corrente, além de envolver a entrega de importância pecuniária, visa outros objetivos, que se concretizam na realização de uma gama variada de serviços", ou seja, "não há somente uma entrega de dinheiro e a posterior devolução", de modo que a instituição financeira "se encarrega de proceder pagamentos, cobranças e outras operações inerentes ao serviço de caixa".12

Diante de tais definições, conclui-se que, embora possuam características comuns por estarem incluídas na categoria de operações passivas, implicando no dever da instituição financeira de devolver o dinheiro entregue

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assim que exigido, são distintas no que se refere essencialmente à admissibilidade ou não de emissão de ordens de pagamento e à existência ou não de remuneração mensal.

Portanto, é possível se afirmar que tanto a conta-corrente como a caderneta de poupança figuram como operações passivas bancárias, entretanto, a primeira admite emissão de ordens de pagamento por parte do correntista, enquanto a última não; e a última garante remuneração pelo período em que o recurso permanece depositado e a primeira não.

2. 2 O contrato de conta-poupança

Desde logo, necessário se destacar que por se tratar de uma nova modalidade contratual, inexiste até o momento uma definição clara por parte da doutrina quanto ao conceito de conta-poupança. Assim, em que pese não seja a pretensão do presente preencher tal lacuna, busca-se apresentar ao menos algumas características deste tipo de conta bancária, a fim de diferenciá-la das demais tratadas no tópico acima.

Neste contexto, o que se sabe é que a conta-poupança, quando comparada às outras espécies de operações passivas, pode ser considerada um contrato bancário de natureza híbrida, uma vez que conta com elementos tanto de conta-corrente, como de caderneta de poupança (depósito), caracterizando-se pela remuneração mensal conjugada com a possibilidade de emissão de ordens de pagamento por parte do correntista.

Aplicam-se a ela, assim, além da remuneração das aplicações (próprias da caderneta de poupança), o gerenciamento de tais recursos (exclusivos da conta-corrente bancária). Este último geralmente realizado pelo correntista através dos terminais de autoatendimento (caixas eletrônicos) ou mediante a utilização de cartão de débito e até internet banking.

A título de exemplo, em um modelo de contrato de adesão de conta-poupança de determinada instituição financeira13 podem ser encontradas cláusulas referentes aos rendimentos mensais dos depósitos, bem como com relação à movimentação da conta--poupança por meio de cartão magnético com função débito.

Desse modo, conclui-se que conta--poupança não é sinônimo de caderneta de poupança, inclusive para os fins do art. 649, inciso X, do CPC, uma vez que pode assumir características tanto de conta-corrente como de caderneta de poupança, ou de ambas simultaneamente, a depender de sua utilização.

3. A conta-poupança e o regime das impenhorabilidades

Pois bem, fixados os conceitos de conta--corrente, caderneta de poupança e conta--poupança, pode-se partir para a análise do regime das impenhorabilidades no que tange à sua função, bem como no que se refere ao seu caráter excepcional, com o fim de se chegar a uma interpretação mais abalizada do art. 649, inciso X, do CPC, e, consequentemente, à proposta de critério para se determinar a penhorabilidade ou não de valores inferiores a quarenta salários-mínimos depositados em conta-poupança.

3. 1 As impenhorabilidades e sua precípua função

A princípio, necessário esclarecer que a previsão legal de bens do devedor que não se submetem a responsabilidade patrimonial está presente não só na legislação pátria, mas também em diversos outros países.

No Brasil, a doutrina é unânime ao apontar que a impenhorabilidade como aquela tratada no art. 649, inciso X, do CPC é "o

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bene ficium competentiae, de longa história, e que sempre representou, no curso de sua evolução, a impenhorabilidade dos bens necessários à sobrevivência do obrigado".14

Com efeito, a exclusão de determinados bens pertencentes ao devedor do âmbito da execução, sempre foi fundada em razões de ordem humanitária, calcadas no conceito de dignidade humana, que, por sua vez, é um dos princípios fundamentais garantidos pela nossa Constituição.15

De acordo com Daniel Amorim As-sumpção Neves, a instituição de impenhorabilidade de determinados bens possui estreita ligação com "a atual preocupação do legislador em criar freios na busca sem limites da satisfação do exequente no processo de execução, mantendo-se a mínima dignidade humana do executado".16

Já nos dizeres de Cândido Rangel Dina-marco, o principal objetivo que do legislador ao estabelecer casos de impenhorabilidade "é a preservação do mínimo patrimonial indispensável à existência condigna do obrigado, sem privá-lo de bens sem os quais sua vida se degradaria a níveis insuportáveis".17

No âmbito do direito comparado, as razões elencadas que justificam a existência das impenhorabilidades são fundadas em premissas semelhantes: impedir que a execução forçada destrua por completo a vida econômica do executado e se coloque em perigo sua subsistência pessoal e de sua família;18 a necessidade e a dignidade do devedor;19 a essencialidade de determinados bens para a sobrevivência do devedor;20 enfim, como já alegado, a proteção da dignidade humana.21 Desse modo, quando se fala na impenhorabilidade de quantias pertencentes ao executado (salário, benefícios previden-ciários, valores depositados em caderneta de poupança, por exemplo), deve-se ter em mente que se trata de bens essenciais, indispensáveis à sobrevivência mínima do devedor.

3. 2 O caráter...

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