Remessa necessária

AutorJúlio César Bebber
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho. Doutor em Direito do Trabalho
Páginas448-455

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28.1. Noções gerais

A remessa necessária (também chamada de remessa obrigatória, ou duplo grau de jurisdição obrigatório) surgiu no direito português em 1355, sendo integrada, posteriormente, às Ordenações do Reino. Tinha por escopo controlar a atividade do magistrado (e de suas decisões), que era detentor de amplos poderes no processo inquisitório.

No direito brasileiro, foi instituída por meio de lei em 4.10.1831. Passou, a seguir, a fazer parte dos códigos estaduais do Distrito Federal, de Minas Gerais, de Pernambuco e de Santa Catarina e, também, do CPC de 1939, que a denominou de apelação ex officio (art. 822), do Decreto-Lei n. 779/1969, que a denominou de recurso ordinário ex officio (art. 1º, V), e do CPC de 1973, que se vale de tratamento mais apurado (art. 475).

Embora haja semelhança, a remessa necessária989 não é recurso.990

28.2. Previsão legal

A remessa necessária está legalmente prevista no art. 1º, inc. V, do DecretoLei n. 779/1969 e é regida, também, salvo no que for incompatível com o sistema processual trabalhista, (CLT, 769), pelo art. 475 do CPC (Súmula TST n. 303):

Art. 1º Nos processos perante a Justiça do Trabalho constituem privilégio da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das autarquias ou fundações de direito público federais, estaduais ou municipais que não explorem atividades econômicas:

V - o recurso ordinário ex officio das decisões que lhe sejam total ou parcialmente contrárias;

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

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§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

Súmula TST n. 303. Fazenda pública. Duplo grau de jurisdição.

I - Em dissídio individual, está sujeita ao duplo grau de jurisdição, mesmo na vigência da CF/1988, decisão contrária à Fazenda Pública, salvo:

  1. quando a condenação não ultrapassar o valor correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos;

  2. quando a decisão estiver em consonância com decisão plenária do Supremo Tribunal Federal ou com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho.

II - Em ação rescisória, a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório quando desfavorável ao ente público, exceto nas hipóteses das alíneas a e b do inciso anterior.

III - Em mandado de segurança, somente cabe remessa ex officio se, na relação processual, figurar pessoa jurídica de direito público como parte prejudicada pela concessão da ordem. Tal situação não ocorre na hipótese de figurar no feito como impetrante e terceiro interessado pessoa de direito privado, ressalvada a hipótese de matéria administrativa.

28.3. Natureza jurídica

Sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório (ex lege), a sentença, "enquanto não submetida a esse reexame, permanece no mundo jurídico em estado de latência, não transitando em julgado e não produzindo quaisquer dos efeitos a que está destinada e em razão dos quais tenha sido proferida".991 Sua natureza jurídica, por isso, e também por faltar-lhe, entre outros, voluntariedade, tipicidade, dialeticidade, tempestividade, preparo, interesse e legitimidade recursal do órgão emissor da decisão, é de mera condição de eficácia da sentença,992 como expressamente declara a cabeça do art. 475 do CPC.

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28.4. Finalidade

A finalidade da remessa obrigatória é a de garantir uma correta sentença proferida contra os interesses da Fazenda Pública (sic), evidenciando, de modo indisfarçável, a proteção do patrimônio público no interesse da comunidade.993

Daí por que a omissão dessa providência:

  1. impede o trânsito em julgado da sentença (Súmula n. 423 do STF);994

  2. autoriza o presidente do tribunal a avocar os autos em que a sentença foi proferida (CPC, 475, § 1º).995

A necessidade de garantir uma correta sentença proferida contra os interesses da Fazenda Pública, como mecanismo de proteger o patrimônio público (da sociedade), repousa no argumento de que a estrutura administrativa do Estado brasileiro é ineficiente. Esse argumento já foi legítimo e teve sua importância histórica. Hoje, porém, parece mais um dogma (uma ideia de cátedra) que tem de ser abandonado. Fosse verdadeira a necessidade de se assegurar uma correta sentença contraria à Administração Pública por defender interesses coletivos, por que razão há sua dispensa em determinadas hipóteses (CPC, 475, § 2º).

Já passou da hora, portanto, de se eliminar do direito processual essa velha figura da remessa necessária, que longe está de se compatibilizar com um processo tempestivo e de resultados justos.

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28.5. Privilegiados

Possuem o privilégio da remessa necessária a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as autarquias e fundações de direito público federais, estaduais (distritais) e municipais que não explorem atividade econômica em sentido estrito (Decreto-lei n. 779/1969, 1º, caput).

Não possuem o privilégio da remessa necessária:

  1. as autarquias e fundações de direito público que explorem atividade econômica (diversamente do que se dá no processo civil - CPC, 475, I). Por atividade econômica, no caso, deve-se compreender atividade econômica de natureza privada (v. g., autarquia bancária), uma vez que toda atividade desenvolvida pela Administração Pública é econômica, diga ela respeito aos serviços públicos (CF, 21, XI e XII; 25, § 2º e 175) ou aos serviços originariamente destinados aos particulares (CF, 173);996

  2. a fundação de direito privado.997 Embora haja divergência doutrinária a esse respeito, inclina-se o pensamento majoritário no sentido de que as fundações instituídas pelo Poder Público podem ter natureza jurídica de direito público ou de direito privado.998 O que define a fundação como de direito público é a "afetação

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por uma pessoa pública dum patrimônio a um serviço público personalizado, criado por pessoa pública, com regime jurídico próprio, informado por princípios de direito público".999

28.6. Inconstitucionalidade

Já cheguei a sustentar que a remessa necessária não padecia do vício da inconstitucionalidade, uma vez que o aparelhamento ineficiente da Fazenda Pública (sic) e o regime jurídico-administrativo justificam "a presença de um desequilíbrio entre as relações jurídicas da administração e do particular, na medida em que se sabe que este tutela seu próprio interesse enquanto aquela tutela o interesse da coletividade".1000

Há muito, porém, revi esse posicionamento.

Novas tecnologias, sobretudo no campo da informação, não autorizam mais a ineficiência da Fazenda Pública (sic). Além disso, o Estado, em todos os níveis da federação, possui departamentos jurídicos (ainda que não do quadro efetivo) e prazo em dobro para recorrer, como forma de compensar a sua falta de agilidade (...

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