Releitura da aplicação do direito nos contratos de trabalho com conexão internacional numa perspectiva jusprincipiológica

AutorGraciane Rafisa Saliba
Ocupação do AutorDoutoranda em Direito do Trabalho e Mestre em Direito Público pela PUC-MG. MBA em Direito do Trabalho pela Fundac¸a~o Getu´lio Vargas
Páginas127-136

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1. Consideraçõesiniciais

A busca por ascensão profissional e econômica, ou até mesmo a oportunidade de emprego, aliada à facilidade de deslocamento entre países tem sido um dos principais fatores que levam à formação dos contratos de trabalho com conexão internacional.

A partir daí advêm os conflitos de direito do trabalho aplicáveis no espaço, ou seja, debate-se qual ordenamento jurídico trabalhista deve ser aplicado ao contrato quando há trabalhador brasileiro que é contratado no Brasil para prestar serviço em outro país, ou é transferido após laborar em território nacional, e ainda quando estrangeiros laboram no Brasil após contratação em outros países.

É possível vislumbrar três critérios que vêm sendo adotados para resolução desses conflitos, sendo o primeiro deles o adotado pela Súmula n. 207 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que, apesar de cancelada em 2012, ainda é sustentada por doutrinadores e persiste em julgados trabalhistas, ao adotar a lex loci executionis, consagrando o princípio da territorialidade, com incidência da norma do local em que ocorre a prestação de serviços, para as situações em que o trabalhador brasileiro prestar serviços no exterior, mesmo tendo sido o contrato assinado no Brasil, ou a aplicação do direito brasileiro quando um estrangeiro contratado em outro país prestar serviços no Brasil ao longo do seu contrato.

Outro critério possível para esses contratos é o previsto no art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com utilização da lei do país no qual se constituíram as obrigações, através do qual vincula-se o direito do local onde foi assinado o contrato, independentemente do momento posterior de onde será executado o trabalho.

E, finalmente, a terceira opção vislumbrada na Lei n. 7.064/1982, alterada pela Lei n. 11.962/2009, e atualmente aplicável a todos os trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, excepcionados os designados para prestar serviços de natureza transitória de até noventa dias, e que traz a possibilidade de aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas em relação a cada matéria, o que, portanto, enseja a discussão sobre a viabilidade de utilização da teoria do conglobamento mitigado, além do conglobamento e da acumulação em relação às normas do direito brasileiro.

Constata-se, assim, que a legislação brasileira não delimita e elucida com clareza as hipóteses de aplicação do direito, sendo necessário, ainda, a análise criteriosa das convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, assim como os princípios aplicáveis ao direito do trabalho, além da aplicação

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desses institutos na jurisprudência que vem sendo adotada pelos tribunais superiores.

2. Previsões para aplicação do direito ao contrato de trabalho com conexão internacional

A aplicação das normas justrabalhistas "é de caráter imediato, considerando-se o predomínio de normas imperativas, devendo-se, entretanto, respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (BARROS, 2013. p. 132).

O art. 912 da CLT explicita a importância do tempo para entendimento do direito aplicável ao fato, especialmente na seara trabalhista, demarcando a diferenciação entre direito adquirido e direito consumado, nos seguintes termos: "os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação". Depreende-se que direito consumado é aquela relação que se encerrou, já finalizou antes do surgimento da nova norma, não sendo por ela atingido. E, no tocante ao direito adquirido, pode-se entender como aquele que a pessoa faz jus por ter preenchido determinados requisitos ou elementos, na vigência de norma contemporânea.

Além do fator temporal para escolha da norma, é importante a análise do fator espacial, ou seja, qual será a legislação aplicável, se a do local onde foi assumida a obrigação, do domicílio do trabalhador ou do local da prestação de serviços.

Quando trata-se de contratos de trabalho com conexão internacional, tal escolha comporta controvérsias acerca do direito aplicável, principalmente quando o trabalhador brasileiro procede à assinatura do contrato no Brasil, e é após um lapso temporal transferido para outro país com condições salariais e laborais melhores ou até piores. Nesses casos, o direito brasileiro ainda não apresenta normas explícitas que sanem a discussão, com alguns instrumentos que permeiam a solução: o princípio da territorialidade, a disposição da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, a Lei n. 7.064/82 e a Lei n. 11.962/2009, e ainda convenções ratificadas pelo Brasil.

2.1. Princípio da territorialidade

A incidência da norma do local em que se efetivou a relação empregatícia é um dos critérios mais difundidos para aplicação do direito aos contratos de trabalho, efetivando a preponderância do princípio da lex loci executionis. A adoção dessa opção vem corroborada inclusive em diplomas nacionais e internacionais, como pode se depreender do art. 198 do Código de Bustamante, aprovado na Conferência de Havana em 1928 e ratificado pelo Brasil em 13 de agosto de 1929, através do Decreto 18.871, que expõe a aplicação da lei territorial para acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador.

E foi seguindo tal instrumento que formou-se o entendimento jurisprudencial exposto na Súmula n. 207 do TST, que consagrou o princípio da territorialidade ao expressar que "a relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação do serviço e não por aquelas do local da contratação".

Ressalta-se que, apesar do cancelamento dessa súmula em 16.4.2012, antes mesmo já se discutia os limites para sua aplicação, como pode ser vislumbrado em alguns trechos de julgados do Tribunal Superior do Trabalho, em que fica exposto que desde então já era aplicada a Súmula n. 207 apenas para casos com contratação de trabalhador brasileiro para prestar serviços exclusivamente no exterior. Caso a contratação ocorresse no Brasil, com prestação de serviços neste país e, posteriormente, no exterior, tendo retorno ao país de origem ou não, já não estava sendo aplicada a Súmula, sendo aplicada a legislação brasileira, integralmente. Nesse sentido a ementa, advinda de voto proferido pelo ministro Mauricio Godinho Delgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE RE-VISTA. CONTRATO E INÍCIO DE LABOR NO BRASIL. POSTERIOR TRANSFERÊNCIA PARA O EXTERIOR. RETORNO AO BRASIL. INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA EM RELAÇÃO A TODO O PERÍODO LABORAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 207/TST. DIFERENÇA DE RECOLHIMENTO DO FGTS - FÉRIAS. A jurisprudência do TST tem abrandado o rigor jurídico de sua Súmula n. 207, para entender que a lex loci executionis somente se aplica a trabalhadores contratados no País para prestarem serviços no exterior. Caso, entretanto, se trate de trabalhador contratado e exercente de funções no Brasil, com subsequente transferência para o estrangeiro, voltando ou não a este País, terá seu contrato regido pelas leis trabalhistas brasileiras, respeitada a norma mais favorável do Estado estrangeiro, se houver, durante o período de estadia naquele território externo. Agravo de instrumento desprovido. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Processo n. 136.040-45.2006.5.02.0471 AIRR. Rel. Ministro Mauricio Godinho Delgado, 2010)

As discussões até então travadas permeiam o campo do direito material, já que, na seara processual, no que tange à competência para julgamento

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da lide, há nítida opção pela territorialidade, ao se definir que "a competência das Varas do Trabalho é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro", conforme expresso no caput do art. 651, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Ainda no mesmo sentido, o mencionada artigo ratifica tal competência inclusive para os dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, quando o empregado for brasileiro e não existir convenção internacional dispondo em sentido contrário, o que é expresso no § 2º do art. 651, CLT.

É importante, entretanto, esclarecer que o direito material e o processual, apesar de caminharem juntos e serem dependentes, apresentam funções distintas para saneamento da lide. O direito processual, para as ações que tramitam no Brasil, ainda que tenham partes estrangeiras ou a relação de trabalho tenha ocorrido no exterior, será o direito brasileiro, com suas normas, previsões legais e os princípios de direito processual.

Os requisitos formais, os tipos de ações, os prazos, a competência, os tipos de prova, recursos e limites da decisão são aplicáveis em conformidade com o ordenamento brasileiro, ou seja, no caso, pela CLT ou pelo CPC, e também pelas normas e pelos princípios insculpidos na Constituição Federal (CF/88).

Já o direito material pode ser distinto, sendo possível que a ação tramite no Brasil com aplicação de normas de direito material estrangeiro, desde que haja conexão internacional que possibilite tal feito, e que as leis do outro país não ofendam a soberania brasileira, a...

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