Regulação e Liberdade Econômica: Uma Contradição Necessária

AutorFloriano de Azevedo Marques Neto
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Administrativo da USP
Páginas23-38
Regulação e Liberdade Econômica: Uma Contradição Necessária 23
Regulação e Liberdade Econômica: Uma
Contradição Necessária
Floriano de Azevedo Marques Neto28
1. Introdução
As Leis n°s 13.874/2019 (Estatuto da Liberdade Econômica) e
13.848/2019 (Lei das Agências reguladoras Federais) trazem novos
quadrantes para o exercício da função reguladora. Pois, se, de um
lado, reforçam a necessidade de uma intervenção indireta estatal
no domínio, de outro, estabelecem um necessário racional decisório
às medidas que possam importar em qualquer ablação de direitos
dos agentes econômicos. Para além disso, tem-se que os noveis
diplomas terão o desiderato de estabelecer novas e interessantes
agendas de pesquisa a propósito da aparente contradição entre a
regulação e a liberdade de iniciativa.
Cuida-se de uma contradição, apenas, aparente. De fato, es-
pecialmente de acordo com as linhas de pesquisa estadunidenses
(pautada por um viés liberalizante), sempre se defendeu o enten-
dimento segundo o qual a regulação seria, per se, antípoda ao livre
exercício do mercado. Partia-se de dois pressupostos que não se
sustentam mais. O primeiro de que o mercado prescindira de qual-
quer intervenção reguladora para disciplinar o adequado atuar dos
agentes econômicos. A crise econômica de 1929 (materializada pela
quebra de bolsa de Nova Iorque) e crise dos subprimes de 2008
colocaram em xeque o dogma da “infalibilidade do mercado”. O
segundo dizia respeito à crença sobre a qual os agentes econô-
micos sempre atuariam no mercado, de forma racional, buscando
a maximizar seus interesses. O pilar da “racionalidade ilimitada”
também cedeu à regulação dos contratos incompletos (Incomple-
te Contracts Economics) e às evidências trazidas pelos estudos
caudatários da economia comportamental (Behavioral Economics).
Seguiu daí uma nova agenda de pesquisas a propósito do exer-
cício da função reguladora. Malgrado se trate de uma intervenção
28 Professor Titular de Direito Administrativo da USP. Professor do Mestrado em Direito da
Regulação da FGV Direito Rio.
Transformações do Direito Administrativo: Liberdades Econômicas e Regulação
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necessária, fato é que ela não pode ser intrusiva a ponto de ani-
quilar liberdades individuais. Mais que isso, por se tratar de medida
interventiva, há que se estabelecer parâmetros, a partir dos quais
essa função passará a ser abusiva (sob um viés e irracionalidade e
de produção de externalidades negativas) ou, até mesmo, despi-
cienda. Daí a necessidade de se estabelecer uma racionalidade à
função reguladora.
É, pois, nesse cenário que se insere esse breve ensaio, que refle-
te, com alguns acréscimos, a minha intervenção, no IV Seminário de
Integração FGV (Fundação Getulio Vargas) Direito Rio e Faculdade
de Direito da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro):
Transformações do Direito Administrativo: Liberdades Econômicas e
Regulação. Em resumo, ele tem por fim demostrar em que medida o
Estatuto da Liberdade Econômica e a Lei das Agências Reguladoras
Federais trazem um ferramental para o estabelecimento de limites
ao exercício da função reguladora. Para tanto, apontarei o aparente
antagonismo entre a regulação e a liberdade econômica, desmisti-
ficando dogmas de outrora. Em prosseguimento, trarei alguns pa-
râmetros doutrinários e jurisprudências, por intermédio dos quais
foram estabelecidos limites à tal modalidade de intervenção estatal
na economia. E, por fim, ressaltarei como alguns dos instrumentos
trazidos pelas Leis n°s 13.874/2019 (Estatuto da Liberdade Econômi
-
ca) e 13.848/2019 (Lei das Agências reguladoras Federais) caminham
na firme trilha de colaborar para uma boa regulação no Brasil.
2. A aparente Contradição entre a Regulação e a
Liberdade Econômica
Como dito, já se defendeu que existiria uma contradição apa-
rente entre regular e o exercício da liberdade de iniciativa. O tema,
porém, é um tanto mais sofisticado. E merece outras ordens de
reflexão. Pois, se, de um lado, a regulação poderá importar em
restrições ao livre atuar de agentes de mercado (seja pela sua intru
-
sividade, seja pela sua eventual captura), de outro, serve de móvel
para o estabelecimento de relações econômicas. Assim, cite-se, por
exemplo, a regulação endógena, contratual, que tem por caracterís-
tica tonar relações jurídicas exigíveis (o pacta sunt servanda). Mais

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