A Reforma Trabalhista e os princípios de direito do trabalho

AutorLeticia Aidar/Rogério Renzetti/Guilherme de Luca
Páginas55-66

Page 55

Ver Nota1

A reforma trabalhista começou timidamente com um projeto de poucos artigos e se transformou numa grande mudança, não só da legislação trabalhista, mas também da estrutura do Direito do Trabalho, seus princípios e fundamentos.

O conteúdo da Lei n. 13.467/17, ao contrário do afirmado pela imprensa, desconstrói o Direito do Trabalho como conhecemos, contraria alguns de seus princípios basilares, suprime regras favoráveis ao trabalhador, prioriza a norma menos favorável ao empregado, a livre autonomia da vontade, o negociado individualmente e coletivamente sobre o legislado (para reduzir direitos trabalhistas), valoriza a imprevisibilidade do trabalho intermitente, a liberdade de ajuste, exclui regras protetoras de direito civil e de processo civil ao direito e processo do trabalho.

O presente artigo visa apontar e criticar as principais mudanças previstas pela “reforma trabalhista” que impactaram diretamente nos princípios de Direito do Trabalho, enfraquecendo-os.

Direito intertemporal - direito material

O direito se modifica com o tempo para se adaptar à realidade ou para se adequar a uma determinada situação. As relações jurídicas trabalhistas devem acompanhar as modificações da lei e se adaptar às novas regras.

Por outro lado, o contrato de trabalho é de trato sucessivo, isto é, de débito permanente e se repete no tempo. Logo, há fatos antigos, atuais e futuros e normas antigas, atuais e futuras.

Para solucionar eventuais conflitos na aplicação da lei às situações concretas deve-se buscar no direito intertemporal princípios próprios para aplicar a nova lei com as consequências da lei antiga, principalmente quando a nova norma prejudica e retira direitos antes concedidos pela antiga lei. O conflito se torna ainda mais acirrado quando analisado também sob a ótica do artigo 468 da CLT, que proíbe alterações contratuais prejudiciais ao empregado.

O primeiro princípio de direito intertemporal é a irretroatividade da lei. Logo, a Lei n. 13.467/17 não se aplica para os fatos e contratos anteriores à sua vigência. Extinto o contrato antes da Lei n. 13.467/17 ou vigente o contrato, a nova lei não se aplicará aos fatos anteriores ou para retirar direitos adquiridos antes da vigência da lei. Assim, não será aplicada a nova lei de forma retroativa.

Page 56

Para as relações trabalhistas em curso deve ser aplicado o segundo princípio de direito intertemporal: aplicação geral e imediata (art. 2.0352 do CC), regra compatível com o art. 912 da CLT.

Com base no segundo princípio conclui-se que a lei nova é aplicada imediatamente, dali para a frente, seja para novos contratos (para os empregados admitido depois da lei) seja para os contratos vigentes, em relação aos fatos ocorridos a partir daí.

A lei pode autorizar a alteração in pejus do contrato ou criar direitos que impactam na mudança que causa prejuízo ao empregado. Ora, se a norma cole-tiva pode fazê-lo (art. 611-A da CLT), quanto mais a lei. Se a convenção cole-tiva ou acordo coletivo podem permitir a supressão de benesses e de direitos legais durante a vigência do contrato, com muito mais razão também poderá a lei fazê-lo.

Apesar da nossa opinião há quem defenda que a Lei n. 13.467/17, na parte que prejudica o trabalhador, só será aplicada para os contratos firmados a partir da lei. Assim, para esta corrente, os contratos em curso continuam a ser regidos pela lei revogada.

Princípios de direito individual do trabalho

A diretriz básica do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, uma vez que o empregado não tem a mesma igualdade jurídica que o empregador, como acontece com os contratantes no Direito Civil. A finalidade do Direito do Trabalho é a de alcançar uma verdadeira igualdade substancial entre as partes e, para tanto, necessário é proteger a parte mais frágil desta relação: o empregado.

Em face deste desequilíbrio existente na relação travada entre empregado e empregador, por ser o trabalhador hipossuficiente (economicamente mais fraco) em relação ao empregador, consagrou-se o princípio da proteção ao trabalhador, para equilibrar esta relação desigual. Assim, o Direito do Trabalho tende a proteger os menos abastados, para evitar a sonegação dos direitos trabalhistas destes. Para compensar esta desproporcionalidade econômica desfavorável ao empregado, o Direito do Trabalho lhe destinou uma maior proteção jurídica. Assim, o procedimento lógico para corrigir as desigualdades é o de criar outras desigualdades.

O princípio da proteção ao trabalhador está caracterizado pela intensa intervenção estatal brasileira nas relações entre empregado e empregador, o que limita, em muito, a autonomia da vontade das partes. Desta forma, o Estado legisla e impõe regras mínimas que devem ser observadas pelos agentes sociais. Estas formarão a estrutura basilar de todo contrato de emprego.

O princípio da Proteção ao Trabalhador, que é o fundamento e a base do Direito do Trabalho, divide-se em:

– Princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador;

– Princípio da prevalência da condição mais benéfica ao trabalhador;

– Princípio da interpretação: in dubio, pro misero.

Page 57

O princípio da proteção do trabalhador, em todas as suas esferas, está atravessando grave crise, modificando o cenário do welfare state (sequer vivido pelo Brasil em sua plenitude) de excessiva proteção para uma realidade de desproteção ou de menos proteção destinada ao empregado.

É visível a crise econômica, ética e política enfrentada pelo Brasil, que direta e indiretamente enfraquece o princípio da proteção ao trabalhador, pois prioriza-se a empresa ao empregado.

Sua sobrevivência passa a preocupar o Estado e, como isso, os legisladores sofrem pressões para redução do intervencionismo estatal, para reduzir direitos trabalhistas e flexibilizar outros.

A Lei n. 13.467/17, conhecida como “Reforma Trabalhista” é a resposta à crise e aos interesses dos empresários, pois altera mais de cem pontos da legislação trabalhista que, em sua maioria, prejudicam o trabalhador.

Abaixo analisaremos apenas os princípios afetados pela Reforma Trabalhista.

Princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador

O princípio da norma mais favorável deriva do princípio da proteção e pressupõe a prévia existência de um conflito entre normas aplicáveis a um mesmo trabalhador. Neste caso, deve-se optar pela norma que for mais favorável ao obreiro, pouco importando sua hierarquia formal. Em outras palavras: o princípio determina que, caso haja mais de uma norma aplicável a um mesmo trabalhador, deve-se optar por aquela que lhe seja mais favorável, sem se levar em consideração a hierarquia das normas.

A Lei n. 13.467/17 inverte esta lógica princípiológica quando, por exemplo, determina no artigo 620 da CLT a prevalência do acordo coletivo sobre a convenção. Logicamente só importará em exceção ao princípio quando o acordo coletivo contiver direitos menos favoráveis ao trabalhador que a convenção coletiva, pois sobre esta prevalecerá.

Outro exemplo é a possível prevalência dos direitos previstos no contrato de trabalho sobre os direitos mais benéficos previstos na CLT ou nas normas coletivas, hipótese contida no parágrafo único do artigo 444 da CLT, que só poderá ser aplicado ao empregado que percebe salário igual ou superior a duas vezes o valor máximo dos benefícios da Previdência Social e, ainda, que possua diploma de curso superior.

Mais uma exceção trazida pela Reforma Trabalhista é a ampla flexibilização prevista no artigo 611-A da CLT, que autoriza a norma coletiva a reduzir direitos. Nesses casos, o acordo coletivo ou a convenção coletiva prevalecerá, mesmo que reduza ou suprima direitos previstos na lei, no regulamento inter-no da empresa, na norma interna ou no plano de cargos e salários.

Princípio da prevalência da condição mais favorável ao empregado

O princípio em estudo determina que toda circunstância mais vantajosa em que o empregado se encontrar habitualmente prevalecerá sobre a situação anterior, seja oriunda de lei, de contrato, de regimento interno ou de norma coletiva. Todo tratamento favorável ao trabalhador, concedido tacitamente e de modo habitual, prevalece, não podendo ser suprimido,

Page 58

porque incorporado ao seu patrimônio como cláusula contratual ajustada. Tem como corolário a regra do direito adquirido, contida no inciso XXXVI do art. 5º da CRFB e o artigo 468 da CLT.

Uma das modificações trazidas pela “Reforma Trabalhista” foi o fim da ultra-tividade das normas coletivas, como se constata da nova redação do § 3º do artigo 614 da CLT. Com isso, consagra-se o princípio da não incorporação definitiva das benesses normativas ao contrato de trabalho, permitindo-se a supressão, alteração ou manutenção das vantagens anteriores. Caso o instrumento coletivo perca a vigência ou outra norma venha reduzindo ou suprimindo o direito concedido pela anterior, não prevalecerá a condição mais favorável ao trabalhador.

Além disso, o § 2º do artigo 468 da CLT autoriza a supressão da gratificação de função de confiança quando o empregado é revertido ao cargo efetivo, mesmo que tenha exercido a função de confiança por dez ou mais anos, contrariando o inciso I da Súmula 372 do TST, que deverá ser cancelado. Mais uma vez não prevalece o tratamento mais benéfico ao trabalhador.

O § 2º do artigo 457 da CLT autoriza...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT