A reforma da legislação do crédito rural e dos títulos de crédito rural

AutorWaldirio Bulgarelli
Páginas212-230

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A Mesa da Câmara dos Deputados está divulgando para receber sugestões o Anteprojeto de Lei de Consolidação da Legislação do Crédito Rural, incluindo a dos títulos de Crédito Rural, elaborado pelo Grupo de Trabalho para a Consolidação da Legislação brasileira.

Ao difundirmos por meio destaRevista essa iniciativa, transcrevendo o texto oferecido, cabem algumas observações a respeito.

Trata-se, consoante informa a apresentação do texto, o "segundo produto" desse grupo, expressão no mínimo estranhável, acrescendo-se ainda o fato de que o que seria o "primeiro produto", permanece desconhecido.

Ao publicarmos pois o texto deste trabalho - pois a expressão produto, certamente, é inaceitável - cabe mencionar, desde logo, que não consolidou como afirma a legislação em causa, mas reformou-a e que utiliza por amor a novidade expressões incabíveis ou de difícil entendimento, como é o caso do uso da expressão Direito Cambial a qual ainda não consolidada na Doutrina, trará certamente incompreensões e desajustes na interpretação àdunens legis.

De maneira geral, observa-se que a comistão entre as normas do crédito rural e as dos títulos de crédito rural, longe de se harmonizar como pretende o Anteprojeto se repelem, dada as características de uns e de outros. Vale lembrar que a sistemática do crédito rural assim como a dos títulos de crédito rural se distanciam pela sua especialidade e funções, estando o primeiro (crédito rural) ligado ao sistema financeiro nacional e os títulos de crédito rural vinculados ao que o Anteprojeto, até impropriamente, chamou de Direito Cambial (cf. a propósito o nosso livro Títulos de Crédito, além de outros, como as considerações de Pontes de Miranda). Do que se conclui, desde logo, que o texto do Anteprojeto ressente-se de coerência e uniformidade e, para não tornar muito acerba a crítica, do grau de tecnicalidade que os temas impõem. Observe-se, por exemplo, que tendo oferecido os conceitos, ou ao menos notas conceituais dos vários títulos de crédito, silencia sobre a nota de crédito rural, fazendo referências várias, sem que o aplicador do direito saiba exatamente o que a lei quer significar com tais títulos.

Tudo somado, além de erros primários de redação, como a palavra correição no art. 85, e a confusão com a invalidade do endosso, no que toca à garantia bonitas, mas sem a inclusão da invalidade do aval, como está na lei atual, o que revela total desço-

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nhecimento do histórico dos títulos de crédito rural, no Brasil, surge o Anteprojeto como mais uma tentativa de "mudar por mudar", aliás, como se está pretendendo, de certa forma, com a chamada nova lei de falências e concordatas, cujo texto final do anteprojeto estamos também publicando.

Fique claro que a nossa intenção nessa resumida nota não é a de apresentarmos uma análise pormenorizada do texto em discussão, apenas a de encaminhar a divulgação dessa iniciativa da Câmara dos Deputados.

Anteprojeto de lei de consolidação da legislação do crédito rural
Apresentação

A legislação brasileira, de um modo geral, vem sendo elaborada de forma fragmentária, muitas vezes em prejuízo da necessária coerência e harmonia que deve caracterizar todo sistema jurídico. Este fato decorre, entre outras razões, dos diferentes momentos políticos e institucionais que têm marcado a história recente do País. O mesmo fenómeno pode ser observado em quase todas as áreas do direito, onde a edição de uma grande quantidade de leis, decretos e outras normas legais dificulta o tratamento sistemático de matérias importantes.

Com o objetivo de consolidar a legislação dos ramos mais significativos do direito brasileiro, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados constituiu o Grupo de Trabalho para Consolidação da Legislação Brasileira. O segundo produto que este Grupo oferece para discussão pela sociedade brasileira - após a consolidação da legislação ambiental brasileira - é o presente anteprojeto de consolidação da legislação do crédito rural.

O texto do anteprojeto ora proposto procura consolidar uma série de diplomas legais, que ao final resultarão revogados no todo ou em parte. São eles os seguintes: Lei n. 4.829, de 5 de novembro de 1965; De-creto-lei n. 167, de 14 de fevereiro de 1967, Decreto-lei n. 784, de 25 de agosto de 1969; Lei n. 8.427, de 27 de maio de 1992; Lei n. 8.929, de 22 de agosto de 1994, o artigo 15 da Lei Delegada n. 9, de 11 de outubro de 1962; o artigo 53 da Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964; os artigos 48, 49, 50 e 52 da Lei n. 8.171, de 17 de janeiro de 1991 e o art. 4QdaLei n. 9.138, de 29 de novembro de 1995.

É princípio básico do Grupo de Trabalho para Consolidação da Legislação Brasileira obter o máximo de colaboração de órgãos públicos dos demais poderes da República, dos Estados e Municípios, de instituições de ensino e pesquisa, de organizações não-governamentais e outros se-tores organizados da sociedade, além, é claro, dos cidadãos em geral. Para isto, este anteprojeto de lei está sendo publicado e será enviado às entidades mais representativas da sociedade brasileira, além de ficar disponível para o público em geral.

Durante noventa dias, a Câmara dos Deputados receberá contribuições, críticas e sugestões. Passado este período, dar-se-á início a uma nova etapa de revisão do texto, para transformá-lo em projeto de lei.

A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, por meio do Grupo de Trabalho para Consolidação da Legislação Brasileira, submete à sociedade brasileira estènovo produto de seu trabalho, confiante no alto significado desta iniciativa e contando com as muitas sugestões para aprimoramento que certamente advirão dos demais Poderes da República dos Governos Estaduais, do Distrito Federal e dos Municípios, da sociedade civil e dos cidadãos em geral.

Brasília (DF), em 22 de janeiro de 1998.

Deputado Bonifácio de Andrada Coordenador

Consolida a legislação brasileira relativa ao crédito rural, e dá outras providências.

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O Congresso Nacional decreta:

Capítulo I - Dos Objetivos

Art. 1°. O crédito rural será suprido pelos agentes financeiros, com os seguintes objetivos:

I - estimular os investimentos rurais destinados à produção, ao extrativismo não predatório, ao armazenamento, ao benefi-ciamento de produtos de origem agropecuá-ria e à instalação de agroindústria por produtor rural ou por qualquer forma de associação de produtores rurais;

II - favorecer o custeio oportuno e adequado da produção, do extrativismo não predatório e da comercialização de produtos agropecuários;

III - incentivar a racionalização dos métodos de produção com vistas ao aumento da produtividade, à melhoria do padrão de vida das populações rurais, à adequada conservação do solo e à preservação do meio ambiente;

IV - propiciar, mediante a modalidade de crédito fundiário, a aquisição e regularização de terras pelos pequenos produtores, posseiros, arrendatários e trabalhadores rurais;

V - desenvolver atividades florestais e pesqueiras.

Capítulo II - Dos Beneficiários

Art. 2°. Serão beneficiários do crédito rural os produtores rurais, aqueles que se dedicam a atividades extrativistas, desde que não predatórias, os indígenas, desde que assistidos por instituições competentes, e pessoas físicas ou jurídicas que, embora não conceituadas como produtores rurais, se dediquem às seguintes atividades:

I - produção de mudas e sementes, desde que fiscalizadas e certificadas;

II - produção de sémen e embriões;

III - pesca artesanal e aquicultura para fins comerciais;

IV - silvicultura.

Capítulo III - Dos Tipo de Crédito

Art. 3°. Segundo o fim a que se destinarem, os financiamentos rurais serão classificados como de:

I - custeio, quando destinados a cobrir as despesas operacionais de um ou mais períodos de produção agrícola ou pecuária;

II - investimento, quando se destinarem a inversões em bens e serviços cujos desfrutes se realizem no curso de vários períodos;

III - comercialização, quando destinados, isoladamente ou como extensão do custeio, a cobrir despesas de estocagem de produtos agrícolas, transporte ou relacionadas à monetização de títulos oriundos da venda dos produtos agropecuários;

IV - industrialização de produtos agropecuários, quando esta for efetuada pelo produtor, em sua propriedade, ou por cooperativa ou outra forma de associação de produtores.

Art. 4°. Constituem modalidades de operações:

I - o crédito corrente, aquele concedido a produtores rurais cuja capacidade técnica e substância económica forem reconhecidas;

II - o crédito orientado, aquele que, acompanhado de assistência técnica prestada pelo financiador, diretamente ou através de entidade especializada em extensão rural, tiver o objetivo de elevar níveis de produtividade e melhorar o padrão de vida do produtor e sua família;

III- o crédito a cooperativas de produtores rurais, aquele destinado ao aparelha-mento e funcionamento das ditas cooperativas, inclusive para a integralização de co-tas-partes de capital social, a programas de investimento e outras finalidades, a prestação de serviços aos cooperados, bem como ao repasse aos cooperados para fins de custeio, investimento ou comercialização;

IV - o crédito a programas de colonização e de reforma agrária, como os defi-

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nidos na Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964.

Art. 5°. É facultado às instituições financeiras conceder financiamento rural sob modalidade de crédito rotativo, com limite fixado com base em orçamento simplificado, considerando-se líquido e certo o saldo devedor apresentado no extrato ou demonstrativo da conta vinculada a operação.

Parágrafo único. Os financiamentos de que trata este artigo poderão ser formalizados mediante emissão de cédula de crédito rural.

Capítulo IV - Do Sistema Nacional de Crédito Rural

Art. 6°. Integrarão o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR)

I - o Banco Central do Brasil;

II - o Banco do Brasil S.A;

III - o Banco da Amazónia S.A;

IV - o Banco do...

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