O Reflexo da Flexibilização nas Relações de Trabalho

AutorFernando Basto Ferraz - Elizabeth Alice Barbosa Silva de Araujo - William Paiva Marques Júnior
Páginas65-73

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Introdução

É recorrente a discussão acerca da necessidade de flexibilização das leis trabalhistas como instrumento capaz de tornar o País mais competitivo. Os economistas neoliberais argumentam que a solução do problema do desemprego está na flexibilização do mercado de trabalho. Porém, invariavelmente, essa medida é seguida pelo enfraquecimento dos

sindicatos e pela redução dos serviços públicos prestados pelo Estado. Deste modo, é imperioso ressaltar que o argumento de que a flexibilização do mercado de trabalho é uma solução para a redução do desemprego é uma falsa ilusão para os trabalhadores.

Este artigo faz um apanhado histórico das relações de trabalho para demonstrar que estas são organizadas de acordo com o contexto socioeconômico de cada período. Há um movimento quase pendular que vai do contexto da desregulamentação à proteção estatal. Em períodos de recessão econômica, há uma forte campanha para a flexibilização, inclusive com tendências à desregulamentação. Entretanto, essa medida repercute trazendo prejuízos à sociedade que são sentidos com o decorrer do tempo. Quando a economia volta à prosperidade e os problemas sociais já estão insustentáveis, verifica-se a luta dos trabalhadores em busca de proteção e condições mais dignas.

A metodologia utilizada é de natureza bibliográfica, descritiva e exploratória. Este estudo foi realizado por pesquisa bibliográfica a fim de explicar o problema mediante referências teóricas publicadas em documentos. O objetivo desta pesquisa é analisar o impacto da flexibilização no mercado de trabalho, observando seus efeitos nas relações trabalhistas.

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1. história do trabalho e de seu regramento jurídico

O trabalho sempre foi necessário ao homem para que ele pudesse obter seus alimentos. No entanto, no período paleolítico, os hominídeos desenvolveram o seu trabalho de forma primitiva, utilizando instrumentos de trabalho rudimentares, com o objetivo de satisfazer suas necessidades imediatas de sobrevivência, não havendo o intento de acúmulo. Os hominídeos caçavam, pescavam e lutavam contra o meio físico, contra os animais e contra os seus semelhantes, desenvolvendo uma economia apropriativa.

Neste período, o trabalho consistia em uma mera cooperação, sem haver organização, divisão formal ou mesmo exploração da força alheia. Pois, neste período, os hominídeos e suas famílias trabalhavam para o seu próprio sustento. A população se espalhava em aglomerações pouco extensas e trabalhavam em conjunto, pois, como o homem não dominava tecnicamente a natureza, a cooperação era imprescindível à sobrevivência. A divisão do trabalho por sexo foi a primeira divisão de trabalho organizada. Neste modelo, aos homens era atribuída a atividade de maior risco, enquanto as mulheres colhiam os frutos da natureza e cuidavam da prole.

No decorrer do período neolítico, de 7000-3000 a.C., o homem alterou seu relacionamento com a natureza transformando-se em produtor, ao invés de predador, através da domesticação de animais e o desenvolvimento da agricultura, o que lhe propiciou viver em comunidades estáveis, sedentarizando-se e descobrindo a noção de trabalho coletivo e regular.

Nestas comunidades estáveis, há maior densi-dade do grupo social, que se organizavam obedecendo a uma hierarquização, fazendo surgir a ideia de chefe na figura do patriarca, que também se torna uma espécie de líder militar nos períodos de guerra.

No fim do Período Neolítico, iniciou-se a fabricação de armas e o surgimento da escrita, denominando-se esse período de Era dos Metais. Assim, desenvolveu-se também o que se chama de economia transformativa, havendo a complexidade na elaboração dos produtos econômicos, pois o ser humano dominava inicialmente, mesmo rudimentarmente, a técnica da fundição. Utilizou como matéria prima, a princípio, o cobre, o estanho e o bronze, metais de fusão mais fácil. A metalurgia melhorou, propiciando sua diversificação, com o uso de forjas e foles, permitindo o manuseio do ferro (principalmente para a fabricação de armas), um dos metais que precisa de técnicas mais apuradas para ser aproveitado, já que necessita, para a sua fusão, de uma temperatura muito elevada. Foi nesse período que se deu o invento da roda, marco da humanidade para o caminho rumo à civilização, onde as relações se tornaram mais complexas, surgindo a necessidade de regras e leis de regulamentação. Encerra-se, assim, a fase arqueológica, surgindo as primeiras civilizações.

Com a divisão do trabalho, devido à organização do homem em sociedade, deu-se início à exploração do homem pelo homem, cujas características foram sendo alteradas com o desenvolver das civilizações.

Da Antiguidade à Revolução Industrial, o trabalho era fundamentalmente realizado em ambiente patriarcal, de forma servil e/ou escravagista, cuja condição era transmitida de geração para geração e o trabalho se dava sem o objetivo de acúmulo, havendo troca de excedentes por produtos que aquele grupo não produzia. Como não há liberdade no trabalho servil ou escravo, não era necessário interferir, normatizar as relações de trabalho, justamente por não haver relação entre empregado e empregador.

O direito do trabalho é fruto da história recente da humanidade, devido às modificações significativas por que a sociedade passou. Uma crise estrutural generalizada marcou o século XVIII, assinalando a transição do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista. No sistema econômico capitalista, o capital é de posse privada e seu detentor o manobra com fito de reproduzi-lo. O capitalismo tinha na circulação o centro dinâmico do sistema como elemento que engendrava a reprodução de capital. Em síntese, o capital é constituído pelo conjunto heterogêneo de riquezas empregado na obtenção de novas riquezas.1 No século XIX, há um rompimento histórico com relação à condição do trabalho, o que propiciou a necessidade de um regramento jurídico específico. O marco principal é a Revolução Industrial, a mecanização do trabalho humano em setores importantes da economia. Portanto o Direito do Trabalho é fruto da Revolução Industrial.

Na sua origem, a característica principal do capitalismo é a formação de duas classes sociais: a da força de trabalho, representada pelos trabalhadores e a dos donos dos meios de produção, denominada capitalista. Neste sistema, a lei da oferta e da procura determina o valor do trabalho, mas os capitalistas

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têm maior poder de barganha nessas relações econômicas já que as necessidades dos trabalhadores sempre são mais urgentes do que a dos donos dos meios de produção2.

O pensamento liberal, que fundamentava as relações de trabalho nesse período, representa um novo sistema de pensamento cultural e econômico originado devido à crise das novas relações de classe, com o esforço de libertação das normas estatais absolutistas. O liberalismo é a corrente ideológica que expressa as aspirações da nova ordem burguesa: liberdade de empresa, liberdade de contrato e liber-dade individual, tendo como uma das principais características do liberalismo clássico a não intervenção do Estado na esfera econômica e social.

Apesar de o trabalho livre ser considerado uma das mais marcantes manifestações da liberdade do indivíduo, a liberdade de contratar não era exercida de forma ampla, pois o operário, premido pela miséria, não podia recusar uma jornada que muitas vezes se estendia durante quinze horas, mesmo tendo contraprestação ínfima. Essa liberdade e igualdade (meramente formais) permitiram que fosse desenvolvido um novo modo de escravidão, pois o operário era tratado como simples meio de produção, já que o crescimento das forças dos privilegiados da fortuna propiciava a servidão e a opressão dos mais débeis.

Esse modelo individualista favorecia a exploração do mais fraco pelo mais forte, pois, sem interferência do Estado, o capitalista, beneficiado pela ausência de ações do Estado regulamentando as relações de trabalho, podia livremente impor as suas condições ao trabalhador.

Na visão do proletariado, a igualdade formal era insuficiente. O legislador precisava tomar medidas para garantir uma igualdade material, desaparecida diante da desigualdade econômica. Diante da opressão econômica rebaixava-se a dignidade humana, razão pela qual o individualismo deveria passar a um plano secundário para que ganhasse relevo o interesse social. Até a Revolução Industrial, o trabalho era considerado um castigo, por isso os nobres não trabalhavam de fato. E, em alguns lugares, os servos e os escravos se limitavam a trabalhar em função da luz do Sol, assim como os camponeses ficavam inativos muitos meses por ano, por questões climáticas, que influenciavam nas safras.

Num momento em que o Estado não interferia nas relações laborais, a força de trabalho, que migrou do campo para os centros urbanos, não estava preparada para a máquina, para receber o processo de industrialização. Como mulheres e crianças também disputavam o mercado de trabalho, havia a substituição do trabalho adulto pelo das mulheres e dos menores, pois trabalhavam por mais horas e se sujeitavam a salários inferiores. A divisão do trabalho foi levada ao extremo, impulsionada pela automatização das máquinas e por novas fontes de energia. A relação entre capital e trabalho tornou-se impessoal e o operário estava distante da direção da empresa e dos destinos da mercadoria.

Apesar da mecanização do trabalho humano ter propiciado uma otimização do setor produtivo, trazendo progresso, benefícios, automatizando o processo de produção e favorecendo a acúmulo de riquezas, deve-se reconhecer que trouxe também prejuízos, como os acidentes de trabalho por não haver proteção à saúde e à segurança do trabalhador, o obreiro laborava em ambientes insalubres, correndo o de risco...

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