Redes e Interconexões: desafios para a construção da agricultura sustentável

AutorAdilson Francelino Alves - Julia Silvia Guivant
CargoDoutor em Ciências Humanas, professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná ? UNIOESTE. - Doutora em Sociologia, professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas1-27

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Adilson Francelino Alves1

Júlia Silvia Guivant2

Este artigo trata da relação entre duas redes de conhecimento que se cruzam no rural brasileiro: uma rede longa construída em laboratórios distantes do local de produção e aplicação e as chamadas das redes curtas onde estão inseridas diversas experiências de agroecologia atualmente em andamento. O texto procura analisar e mapear na teoria social contemporânea como estas redes se interconectam e interagem, procura também apontar alguns desafios enfrentados pelas redes curtas para sua construção e desenvolvimento.

This article deals with the relationship between two knowledge networks that intersect in the Brazilian agriculture field: a long network, built in laboratories which are distant from the place of production and implementation and the socalled short networks where several experiences on agro ecology currently in progress are inserted. The text seeks to analyze and map, in the contemporary social theory, how these networks interconnect and interact, as well as to point out some challenges faced by short networks as they are constructed and developed.

RESUMEN:

Este artículo aborda la relación entre dos redes de conocimiento que se cruzan en el

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medio rural brasileño: una red larga construida en laboratorios distantes del local de producción y aplicación, y las llamadas redes cortas, donde están insertadas diversas experiencias de agroecología actualmente en marcha. El texto busca analizar y mapear en la teoría social contemporánea como estas redes se interconectan e interaccionan, busca también señalar algunos desafíos enfrentados por las redes cortas para su construcción y desarrollo.

INTRODUÇÃO

O atual debate em torno dos impactos econômicoprodutivos e sociais da agricultura familiar, em sua relação com as questões ambientais, tem movimentado pesquisadores em universidades e centros de pesquisas nacionais e internacionais. Diversos estudos procuram evidenciar os aspectos dessa forma de organização da produção agrícola destacando sua capacidade de resposta frente as política públicas, cujo caso de maior evidência no Brasil é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - (PRONAF) implementado desde 1996. Contudo, quando se observa mais atentamente os processos produtivos, os mecanismos de comercialização ou mesmo de industrialização da produção percebese um atrelamento dos agricultores a grandes empresas vinculadas ao processo da Revolução Verde que atuam fortemente a montante e a jusante da produção agrícola.

As especificidades da agricultura familiar, sua fragmentação em diversas tipologias e sua irregular organização política e produtiva são um desafio a serem enfrentados pelos próprios agricultores, Universidade que precisa se aproximar desta realidade para poder colaborar na construção de práticas sustentáveis. De modo geral, se de um lado a universidade tem produzido excelentes reflexões sobre as diversas modalidades de agricultura familiar, com enfoque na sua constituição e nas suas especificidades adotando um tom bastante crítico para o fenômeno da Revolução Verde focando suas análises sobre os aspectos negativos desta, tais como: a tecnicização da produção, contaminação dos recursos naturais, dependência de insumos químicos e máquinas agrícolas caras e superdimensionadas para as pequenas áreas; concentração fundiária e êxodo rural, entre outros aspectos. De outro, de modo geral ela tem se mantido longe das experiências sustentáveis (ou potencialmente sustentáveis) desenvolvidas pelos agricultores.

Existe uma visão comumente aceita de que o modelo de desenvolvimento rural construído a partir dos anos 50, com a adoção de pacote tecnológico pautouse em uma

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ATER homogeneizadora, que por muitos anos solapou a capacidade de organização dos agricultores retirandoos das arenas de decisão e colocandoos como receptores de tecnologias e políticas públicas. Este processo embora tenha efetivamente, aumentado a produtividade agrícola, trouxe como um dos desdobramentos sociais a redução da capacidade dos agricultores de organizarem e administrarem sua produção provocando a marginalização de suas iniciativas.

Contudo, esta verdade é apenas parcial o fenômeno da Revolução Verde não foi pacificamente absorvido pelos agricultores, diversos processos de resistência e construção de alternativas foram propostos e implementados ao longo do tempo. Alguns, mais ou menos eficazes que os outros, em todos, no entanto, o que se observa é a menor ou maior capacidade das lideranças e agricultores em analisar a realidade e construir respostas adequadas ao modelo de desenvolvimento vigente, procurando formas de incorporar os aspectos positivos das novas técnicas e recusar os aspectos negativos. Não é um processo fácil, até porque dele decorre um dos maiores desafios que é a construção e assimilação de formas não convencionais de produção. Esse é o meio por onde decorre o principal desafio das atuais experiências que visam organizar os agricultores para a produção agroecológica. E se constitui em um dos maiores campos de disputa que caracteriza a agricultura familiar na atualidade.

De forma ampla este processo de embate é sintetizado sob dois ângulos básicos: o desenvolvimento endógeno e o desenvolvimento exógeno. A abordagem do desenvolvimento exógeno, em que então se pauta a Revolução Verde, aponta para a articulação subordinada das atividades desenvolvidas no espaço rural pelas desenvolvidas nas economias urbanas. Nessa visão, o aspecto dinâmico da economia (com desenvolvimento de produtos, serviços e pesquisas) ocorre no espaço urbano. Ao rural cabe o papel de receptáculo passivo de tecnologia e insumos e de fornecedor de matériasprimas e alimentos para nutrir a máquina produtiva e as populações urbanas.

É facilmente observável que na rede de conhecimentos que se conecta ao desenvolvimento exógeno, encontramos todo o aparato construído pela Revolução Verde ao longo de mais de meio século. Ao seguirmos esse processo, é possível localizar na cadeia de acontecimentos a paulatina erosão do conhecimento local e sua substituição por um conhecimento científico e globalmente construído.

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Este conhecimento global possibilita o surgimento de novas relações entre natureza e seres humanos. Relações estas onde a diversidade de sistemas produtivos rurais são substituídos por modelos construídos em laboratórios e mediadas por uma racionalidade instrumental onde, os mercados e os resultados econômicos ocupam grande parte do espectro.

Desse modo, as racionalidades científicas, tecnológicas e financeiras passaram a ocupar parte significativa dos ecossistemas mundiais, transformandoos profundamente. A Revolução Verde é, fundamentalmente, um sistema altamente dependente de insumos externos, cujos inputs são caracterizados pela alta densidade técnica e científica e pelo elevado nível de investimento de capital que conectam entre si complexas redes mundiais de pesquisa, produção e consumo que se retroalimentam. Este sistema privilegia a monocultura como forma de potencializar o uso dos recursos econômicos e passa a prescindir da diversidade ambiental local, com isso, espécies exógenas altamente produtivas são adaptadas e, aos poucos, substituem as espécies locais. Considerando que a tecnificação e a densidade científica são características fundantes da Revolução Verde, os centros de decisão e de poder tenderam a permanecer afastados do local de aplicação e passaram a gerar complexas e longas redes verticais de poder.

Este processo se inicia na década de 1950 quando o crescimento e desenvolvimento agrícola eram vistos principalmente em termos de segurança alimentar, e era reforçada pela experiência europeia durante a Segunda Guerra Mundial. Contudo um processo de reconceitualização do desenvolvimento agrícola permitiu reconfigurar o setor, de modo que a modernização da agricultura não só permitisse aumentar a disponibilidade de alimentos, mas também de se constituir como um poderoso instrumento de desenvolvimento econômico ao possibilitar a ligação de uma enorme cadeia de inputs e outputs com o setor nãoagrícola ao servir de vaso receptor para os insumos industrialmente produzidos e fornecer matérias primas para a indústria e alimentos baratos para as populações urbanas. Inicialmente, segundo Ellis e Biggs (2001), a ideia central de desenvolvimento rural estava baseada na percepção de que a grande massa dos agricultores chamados de tradicionais ou de subsistência não ofereciam perspectivas para o desenvolvimento econômico ou para o aumento da produtividade, já que eram categorizados como economicamente irracionais. A estes agricultores caberia apenas um papel passivo no processo de desenvolvimento

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econômico (fornecedores de recursos para o setor moderno da economia) e que, com o tempo, eles seriam suplantados pela expansão de agentes econômicos mais dinâmicos. O setor moderno, que surgiria em substituição ao antigo, era visto como constituído por grandes áreas produtivas mais aptas a utilizar os recursos econômicos com eficiência que as pequenas propriedades. Esta visão sobre o rural foi também importante para os países socialistas, onde estas estratégias de desenvolvimento agrícola foram praticadas intensivamente na União Soviética nas décadas de 1960 e 1970.

Os desenvolvimentos urbanos e rurais estariam integrados não apenas entre si, mas à lógica de expansão econômica, cujo fomento dependia da ajuda externa. Esta política foi amplamente utilizada na década de 1960 nos projetos da revolução verde e conseguiram imprimir um enorme dinamismo no setor agrícola tornandoo mais moderno e articulado. As economias de escala e de concentração localizadas nos centros urbanos eram consideradas...

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