O direito de recorrer e seu status constitucional no ordenamento jurídico brasileiro

AutorMarina França Santos
CargoProcuradora do Município de Belo Horizonte. Mestranda em Direito Processual Civil na Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas48-64
P A N Ó P T I C A
O DIREITO DE RECORRER E SEU
STATUS
CONSTITUCIONAL NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Marina França Santos
Procuradora do Município de Belo Horizonte
Mestranda em Direito Processual Civil na Universidade Federal de Minas Gerais
Pelo mero de meios de impugnação e por outras causas
estruturais, a idéia de recursos – seu custo, sua duração, suas
incertezas – provoca, nalguns litigantes, calafrio. (MILHOMES,
1991:18)
1 INTRODUÇÃO
Em um universo de entraves estruturais e dilemas multidisciplinares, estímulo certo para todo tipo de
panacéias e soluções milagrosas, deve-se partir do pressuposto de que a crítica sem o profundo
conhecimento do objeto criticado, não só se faz leviana e, por conseguinte, inútil, como pode ser nociva.
Nesse sentido, qualquer estudo que se proponha realizar uma adequada alise sobre um instituto requer
o acompanhamento de uma investigação das suas raízes e de sua justificação no sistema em que se insere
para, só então, permitir-se declarar seu estado obsoleto ou viciado de formacida e, não, inconseqüente.
O sistema recursal, erigido, por alguns, à condição de grande vilão da justiça célere e efetiva, apresenta,
nesse aspecto, um insidioso desafio.
Consta dos Indicadores Estatísticos do Judicrio, levantados pelo Supremo Tribunal Federal de setembro
de 2003 a outubro de 20041, que o tempo gasto para se obter a decisão de um recurso no STF é, em
dia, de 289 dias, no caso de decisões monocráticas, e 475 dias, para as colegiadas. Uma média geral de
mais de um ano apenas para se alcançar uma resposta da última instância de interposição de recursos no
1www.stf.gov.br.
Panóptica, Vitória, vol. 6, n. 2 (22),
2011
ISSN
1980-7775
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ordenamento brasileiro. Já a tramitação completa de uma ação até a Corte Suprema, É estimada em 70
meses, isto é, quase seis anos para se chegar, enfim, ao termo de um litígio.
E mais: afastando-se o aspecto estrito do tempo e voltando-se para o conteúdo da tutela jurisdicional
provida, calcula-se que o cidadão lesado que recorre à Justiça para obter uma reparação pecuniária está
sujeito a uma perda de até 70% da quantia realmente devida – isso considerando que a decisão final foi de
total provimento do pedido e que, obviamente, todos os valores sofrem correção monetária.
Ante tal cenário, conforme avalia o ex-Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, como o valor estatuído
em uma decisão judicial prolongada no tempo não sofre a mesma valorização do rendimento do mercado,
torna-se verdadeiramente vantajoso para o devedor estender ao máximo seus processos, chancelado por
um sistema que permite interposições subseqüentes de até 47 recursos (VASCONCELOS, 2005: 1).
Escárnio, chicana, ou mesmo mera adaptação da vida às intempéries da realidade, fato é que a
problemática da frágil legitimação social do recurso como meio para garantir – e não afastar – a realização
dos direitos é evidente. Encontra-se o fenômeno, aliás, em tal estado de decomposição, que já existe até
referência expressa em respeitados dicionários da língua portuguesa do termo “recurso protelatório” como
escie linística e individuada: “artimanha usada por uma das partes e que procura, por meio de um
recurso sem fundamento jurídico, retardar a solução definitiva.”(HOUAISS; VILLAR 2001:2406)
Daí justificar-se a frase de JÔNATAS MILHOMES em epígrafe, a qual, por sua vez, vem simbolizar as razões
dainvestigaçãoproposta neste artigo de esclarecer e fundamentar o direito ao recurso.
2 BREVE E SCORÇO DA HISTÓRIA DO FE NÔME NO RECURSAL
Um olhar histórico sobre a evolução do fenômeno recursal, proporcionado pelos estudos de EDUARDO
COUTURE (1946:271), torna impositivo principiar por um momento em que o direito de recorrer
prescinde de qualquer significado e, mesmo, causa estranheza aos ouvidos dos operadores do direito das
próprias partes.
Trata-se de época marcada por um direito configurado como mero reflexo, no mundo terreno, dos altivos
desígnios do “Criador”, como exemplo do direito germânico primitivo, em que a decisão judicial,
entendida como expressão plena da “verdade”, era considerada, por coerência, inerentemente infalível
(SILVA; GOMES, 2002:60). Assim, torna-se compreensível que, ante decisão de tal monta, de caráter

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