A recepção do 'drop down' no direito brasileiro

AutorHaroldo Malheiros Duclerc Verçosa e Zanon de Paula Barros
Páginas41-47

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Introdução

De algum tempo a esta parte muitas empresas brasileiras têm realizado um novo tipo de operação conhecida no mercado como drop down, cuja análise será feita neste trabalho. Originada principalmente de prática norte-americana, a sua "importação" para o modelo societário vigente no Brasil apresenta questões importantíssimas, especialmente aquelas relacionadas com a validade e eficácia desse negócio jurídico, das quais se desdobram outras diversas consequências.

1. Descrição da operação

O drop down é realizado por meio de aumento de capital que uma sociedade faz em outra, conferindo a esta "bens" de natureza diversa, tais como estabelecimentos comerciais e industriais, carteiras de clientes, "atividades", contratos, atestados, tecnologia, acervo técnico "direitos e obrigações" etc.

Na relação de "bens" acima enumerados - que não esgota a "capacidade criadora" dos empresários -, verifica-se a presença de elementos do ativo (inclusive intangíveis) e do passivo da sociedade conferente, o que suscita diversos problemas jurídicos.

O valor desses bens costuma ser obje-to de apuração em balanço especial da empresa conferente, para seu recebimento pela sociedade favorecida.

Muitas vezes é transferida a totalidade do objeto social da sociedade subscritora do aumento de capital, do que deveria decorrer a sua extinção, o que não tem acontecido na prática - reconhecendo-se a dificuldade de sua permanência no mundo do Direito, uma vez desaparecida a razão de sua existência.

2. Identificação da operação como "drop down", atípica

Na forma como têm sido realizados os aumentos de capital a título de drop down,

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ela revela-se atípica no Direito brasileiro, tendo as partes procurado diferenciá-la de outros institutos jurídicos, com resultados práticos altamente discutíveis.

3. Conceito e natureza jurídica do "drop down" e seu tratamento no Direito comparado e sua recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro

Corresponde o drop down, tal como tem sido praticado no mercado, a uma operação de transferência de ativos, no plano vertical, neles incluídos bens tangíveis e intangíveis, utilizado-se do mecanismo de aumento de capital na sociedade receptora e consequente redução de capital na sociedade cedente. Passivos não poderiam estar incluídos, pois eles não apresentam condições de sua utilização para subscrição de quotas ou de ações da sociedade receptora, presente uma evidente inadequação para tal efeito.

Os sistemas jurídicos de base roma-no-germânica caracterizam-se pela rigidez de regras no direito societário, conforme se verá abaixo. É muito restrita a liberdade para a criação de operações não expressamente previstas pelo legislador, como forma de proteção dos sócios e de terceiros. De sua parte, os direitos inglês e norte-ame-ricano dão maior flexibilidade na área societária, sob o mando dos chamados ar-rangements, os quais correspondem a modalidades de reorganização da estrutura económica da empresa, permitidas formas hererodoxas, entre as quais poder-se-ia contar o drop down. No direito norte-america-no, especialmente, pode ocorrer a separação de ativos e de atividades negociais em curso (active business), estas, precisamente, correspondentes a um dos bens referidos naquela operação.

Nesses ordenamentos jurídicos, transparece um forte caráter contratual nas relações entre acionistas e credores das sociedades, tanto que se permite que a cisão, por exemplo, seja feita por meio de acordo, de maneira que podem, por essa via, serem negociados direitos das partes (cf. Modesto

Carvalhosa, Comentários à Lei de Sociedades Anónimas, pp. 285 e 286).

Não há previsão legal para tal tipo de operação no Direito brasileiro, sendo possível discutir-se a sua recepção, em atendimento ao princípio constitucional da liberdade das convenções. (CF, art. 59, II c/c art. 170, caput), desde que não sejam feridos princípios cogentes.

4. Confrontação do udrop down" com a cisão, a incorporação, a subsidiária integral, a atipicidade de sociedades, o negócio indireto e outros institutos similares

Passamos a fazer, de forma breve, em seguida, a análise dos diversos institutos jurídicos acima mencionados, para efeito da verificação de qual deles - se for o caso - mostrar-se-á compatível com uma operação de drop down.

4. 1 A cisão

Quanto à cisão, diz o art. 229 da Lei 6,404/76: "A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu património para uma ou mais sociedades constituídas para esse fim ou já existentes, extin-guindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu património, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão".

À primeira vista, o drop down parece ser um tipo de cisão, uma vez que o aumento de capital dá-se por meio da transferência de bens e de outros elementos. No entanto, o instituto da cisão prevê expressamente que serão transferidas parceIas de património.

Essa expressão indica que deverão ser transferidos, necessariamente, elementos do ativo e do passivo, conforme Modesto Carvalhosa...

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