Duração Razoável e Informatização do Processo Judicial

AutorPaulo Henrique dos Santos Lucon
Páginas368-384

Paulo Henrique dos Santos Lucon. Advogado; Mestre e Doutor em Direito processual pela Faculdade de Direito da USP; Professor Doutor de Direito processual civil (FD-USP); Especialista em Direito processual Civil pela Universidade Estatal de Milão; Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP); Membro do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual (IIDP) e da International Association of Procedural Law; Juiz do Tribunal Regional Eleitoral.

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1. Tempo e processo – o escopo do processo

É papel do direito processual fazer atuar as normas substanciais do modo mais efetivo possível e no menor espaço de tempo. É senso comum que a efetividade do processo está estreitamente relacionada com o seu tempo de duração. Mais ainda: a efetividade do próprio direito material também depende da efetividade do processo.

O processo, como método de solução dos conflitos, é dinâmico e, como conseqüência, encontra no fator tempo um de seus elementos característicos e naturais. Por isso, quando se pensa em efetividade, tem-se em mente um processo que cumpra o papel que lhe é destinado, qual seja, conceder a tutela a quem tiver razão, no menor tempo possível. Portanto, há uma estreita relaçãoPage 369 entre a efetividade da tutela jurisdicional e a duração temporal do processo, que afeta diretamente os interesses em jogo.1

A prestação jurisdicional intempestiva de nada ou pouco adianta para a parte que tem razão, constituindo verdadeira denegação de justiça; como efeito secundário e reflexo, a demora do processo desprestigia o Poder Judiciário e desvaloriza todos os envolvidos na realização do direito (juízes, promotores de justiça, procuradores e advogados). O processo com duração excessiva, além de ser fonte de angústia, tem efeitos sociais graves, já que as pessoas se vêem desestimuladas a cumprir a lei, quando sabem que outras a descumprem reiteradamente e obtêm manifestas vantagens, das mais diversas naturezas.

A primeira das vantagens é a econômica, pois são favorecidas a especulação e a insolvência, acentuando-se as diferenças entre aqueles que podem esperar (e tudo têm a ganhar com a demora da prestação jurisdicional) e os que têm muito a perder com a excessiva duração do processo.2 Entre adimplir com pontualidade e esperar a decisão desfavorável, ao devedor passa a ser muito mais vantajoso, patrimonialmente, a segunda opção.3

A segunda delas é que a demora na outorga da prestação jurisdicional “aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito”.4 A presteza da atividade jurisdicional constitui aspecto fundamental para o acesso à justiça, pois a demora exagerada na solução dos litígios atinge muito mais aqueles que não têm recursos para suportar a espera.

Na moderna visão do processo, que tem em FAZZALARI um de seus maiores representantes, o processo é um método de trabalho, eleito pelo legisladorPage 370 como o melhor para atender ao fim a que se destina (solução dos conflitos com a correta aplicação do direito); é uma espécie do gênero procedimento que se caracteriza por se desenvolver em contraditório.5 É, em apertada síntese, um mecanismo que tem por fim a realização do direito material.

É unânime entre todos os integrantes da comunidade jurídica o entendimento de que o processo tem uma duração excessiva e que isso acaba por desvirtuálo de seus fins, uma vez que uma justiça tardia nem sempre é justiça. Assim, há uma crescente preocupação das recentes reformas legislativas de conferir celeridade ao processo, na busca de uma tutela mais efetiva e mais justa ao jurisdicionado.

Além de todas as desvantagens acima apontadas, o processo com duração demasiada tem, ainda, graves repercussões sociais na medida em que constitui fonte de angústias e traz efeitos negativos a toda a coletividade. Como se percebe, o dano marginal decorrente da demora do processo tem efeitos nocivos na vida das pessoas.6 A duração do processo é a ocasião propícia durante a qual, juntamente com um evento determinado, produz-se lesão de grandes proporções a uma das partes. Por tudo isso, o sistema processual é responsável por definir precisamente a extensão temporal do processo considerada satisfatória para o Estado e legítima para os jurisdicionados.

Já é antiga essa preocupação com o tempo de duração do processo, tanto que a Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em 4 de novembro de 1950, em Roma, dispõe em seu art. 6º, 1, que “toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos ePage 371 obrigações civis ou sobre o andamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida”.

Nesse mesmo sentido, o Pacto de San José da Costa Rica, em seu art. 8º, 1, agora consagrado no art. 5º, LXXVIII7, da Constituição Federal Brasileira, proclama que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.

O Brasil, como signatário do Pacto de San Jose da Costa Rica, deve observar todos os seus dispositivos, mormente aqueles expressamente incluídos no texto constitucional. Ocorre que essa previsão (ainda) é de natureza eminentemente programática, sendo necessário admitir que o princípio que consagra a duração razoável do processo não tem aplicação prática imediata, pois ter que contar apenas com o bom senso dos julgadores e das partes (e de todos os demais envolvidos) na efetivação desse princípio é absolutamente irreal.

Entretanto, com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2003, o Brasil incorporou ao ordenamento positivo pátrio o princípio da razoável duração do processo, tendo inserido o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal, que assim dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

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A importância dessa inclusão reside no fato de que a partir da Emenda Constitucional n. 45/2003, a razoável duração do processo passa a ser uma garantia fundamental, individual e coletiva.

Essa norma insere-se no denominado Direito Constitucional Processual, consubstanciado num conjunto de normas processuais contidas no texto constitucional.8 A razoável duração do processo representa um acréscimo em relação ao princípio do acesso à justiça.9 Isso porque não basta simplesmente dizer que é garantido aos cidadãos o acesso à justiça se ela não for justa e eficaz e a justiça e a eficácia estão, como acima demonstrado, diretamente relacionadas com o tempo de duração do processo. Difícil não é garantir, em relação aos órgãos jurisdicionais estatais, a porta de entrada, mas a porta de saída, com uma solução justa e célere.

Se, por um lado, a previsão constitucional da razoável duração do processo confere a esse direito o status de garantia fundamental, por outro, constata-se que, como a maioria dos princípios constitucionais, é maculado pela programaticidade – o próprio conceito de razoável duração do processo é aberto e indefinido –, ou seja, tem baixo grau de efetividade, pois não traz uma estrutura sintática completa nem o modo como deve se dar sua aplicação prática. As normas programáticas são apenas diretrizes traçadas pelo legislador.

No entanto, mesmo essas normas apresentam o seu grau de eficácia: legislador e aplicadores da lei devem obedecer as diretrizes constitucionais traçadas nas normas programáticas. Além disso, ganha força no Brasil a teoria da interpretação evolutiva da Constituição, que reforça a sua força normativa.10

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Assim, para que a prestação jurisdicional seja eficaz e célere, há a necessidade de um mecanismo que envolva todo o sistema jurídico instituído no país e todas as partes (no sentido amplo) envolvidas no processo: autores, reús, advogados, juízes, promotores de justiça, serventuários e o próprio Estado na outorga de meios e estrutura adequada aos órgãos competentes.11

Contudo, deve o legislador, consciente da impossibilidade prática de deixar a concretização de um princípio exclusivamente nas mãos dos sujeitos processuais e dos auxiliares da Justiça, envidar esforços para traduzir, legislativamente, a real aplicação desse princípio.

2. Experiência italiana

Como dito, a preocupação com a demora do processo é mundial. Não bastasse o exemplo acima...

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