Radiologia forense em odontologia legal

AutorAlana de Cássia Silva Azevedo/Tiago Leite Beaini/Janaina Paiva Curi
Páginas129-143

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1. Introdução

A radiologia forense tem grande destaque no âmbito das Ciências Forenses. Sua história tem início em 8 de novembro de 1895 quando a primeira imagem radiográfica foi obtida pelo físico alemão Wilhelm Conrad Röntgen (1845-1923), na Universidade de Würzburg, Alemanha. Enquanto realizava experimentos em laboratório sobre os efeitos dos raios catódicos, por meio do tubo de Crookes, Röntgen observou que havia uma tela coberta de platinocianeto de bário nas proximidades do tubo, sobre a qual se projetava uma luminosidade repentina, resultante da fluorescência do material. Röntgen girou a tela, de modo que a face sem o material fluorescente ficasse de frente para o tubo de Crookes, ainda assim ele observou a fluorescência. Em seguida, ele resolveu colocar sua mão na frente do tubo e foi surpreendido ao visualizar a projeção dos ossos de sua mão na tela. O físico alemão observava, pela primeira vez, um novo raio que ele denominou de raio X, pois o símbolo "X" é utilizado para o desconhecido em matemática. Röntgen reconheceu a importância de sua descoberta e escreveu o artigo intitulado " On a new kind of rays", publicado em 28 de dezembro de 18951.

A descoberta dos raios X surpreendeu a comunidade científica mundial, e abriu um novo campo de trabalho para a área da saúde com a possibilidade de utilizar a nova forma de radiação no estudo de estruturas internas do corpo humano. No início do ano de 1896, a aplicação dos raios X ainda era limitada, sendo possível examinar apenas estruturas ósseas nas extremidades. Em 19 de janeiro, um médico localizou uma agulha na mão de uma menina de doze anos de idade usando a radiação X, objeto este que não foi localizado pelo cirurgião ao examinar clinicamente a lesão. Outros êxitos ao localizar corpos estranhos foram publicados e em agosto de 1896, após diversas melhorias técnicas, Albert Eulenburg (1840-1917), em Berlim, foi capaz de realizar radiografias de projéteis alojados no cérebro. Durante o ano de 1896, diversas alterações anatômicas e

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doenças ósseas foram diagnosticadas por meio do radiodiagnóstico proporcionando um maior conhecimento das diferentes patologias e tratamentos com maior taxa de sucesso12.

No campo da Odontologia, a vantagem diagnóstica proporcionada pelo exame radiográfico foi percebida rapidamente, especialmente no campo da cirurgia. Em meados de janeiro de 1896, o dentista alemão Otto Walkhoff (1860-1934) foi submetido ao primeiro exame radiográfico intra oral. Em março do mesmo ano, o físico alemão Walter König (1859-1936) publicou uma radiografia dos dentes superiores e inferiores. Com o passar dos anos, os raios X foram amplamente utilizados no diagnóstico médico e odontológico, em terapias à base de radiação X e em estudos científicos. Ainda que, ao longo dos anos, a tecnologia tenha feito enormes melhorias com relação aos equipamentos de raios X, os conceitos básicos para produzir este tipo de radiação permanecem os mesmos.

Na atualidade, as imagens radiográficas são o ponto de partida para o diagnóstico de uma variedade de situações clínicas, possibilitando também o monitoramento da evolução de doenças e dos resultados dos tratamentos adotados. E possível destacar as seguintes vantagens do exame radiográfico: não invasivo, boa disponibilidade de aparelhos radiográficos, custo acessível, simplicidade, rapidez, excelente contraste e nitidez das radiografias3.

Diante de toda evolução técnica na aquisição de imagens radiográficas desde o advento da radiação X, destaca-se a sua ampla aplicabilidade pela comunidade das ciências forenses. Segundo Reynolds (2010)4 a primeira radiografia com finalidade forense ocorreu na década de 1890, quando o professor Wright, da Universidade de Yale (Estados Unidos), testou os raios X sobre um coelho falecido. Na imagem, foi possível observar manchas redondas escuras compatíveis com projéteis de arma de fogo. Os fragmentos foram então removidos e identificados, desse modo, a causa da morte foi estabelecida pela imagem radiográfica. Em 1921, Schüller5 recomendou o uso de imagens dos seios frontais no processo de identificação humana. Dentre os primeiros exemplos documentados da aplicação da radiografia para a identificação da vítima, o artigo de Culbert e Law (1927)6 relata o caso de um homem que foi identificado com base em radiografias cranianas ante-mortem realizadas no diagnóstico de sinusite crônica. Essas radiografias foram comparadas com imagens obtidas pos-mortem e características únicas foram combinadas e a pessoa foi identificada. A utilização de radiografias e outras modalidades de imagens no auxílio de casos de investigação civil e/ou criminal foi aumentando à medida que a tecnologia radiológica e imaginológica evoluiu e tornou-se disponível para fornecer informações que, sem esses recursos, não seria possível obter.

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2. Informações técnicas

PRODUÇÃO DOS RAIOS X

Os raios X são produzidos quando os elétrons em alta velocidade bombardeiam um alvo e são levados abruptamente ao estado de repouso. Este processo ocorre no interior de um pequeno envoltório de vidro a vácuo, denominado tubo de raios X (Figura 1)78.

Dentre as principais características e componentes de um tubo de raios X, destaca-se:

• o cátodo (negativo) é um filamento aquecido de tungstênio que fornece a fonte de elétrons;

• o ânodo (positivo) consiste em um pequeno alvo de tungstênio fixado na face angular de um grande bloco de cobre para permitir efetiva remoção do calor;

• o dispositivo focalizador direciona o fluxo de elétrons para o ponto focal do alvo (ânodo);

• uma alta voltagem (quilovoltagem, kV) conectada entre o cátodo e o ânodo acelera os elétrons do filamento negativo (cátodo) para o alvo positivo (ânodo);

• uma corrente (miliamperagem, mA) flui do cátodo para o ânodo, acelerando os elétrons;

• um revestimento de chumbo circundante absorve os raios X indesejáveis como uma medida de proteção à radiação, pois os raios X são emitidos em todas as diferentes direções;

• o óleo circundante do tubo visa facilitar a dissipação do calor gerado pela produção dos raios X.

Figura 1: Desenho esquemático de um tubo de raios X simples identificando os seus principais componentes.

No que se refere ao processo de produção dos raios X no aparelho radiográfico para a aquisição de uma imagem final, é possível descrever a sequência deste processo da seguinte maneira:

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- filamento do cátodo é eletricamente aquecido e uma nuvem de elétrons é produzida ao seu redor;

- a alta voltagem produzida no tubo acelera os elétrons em velocidade elevada na direção do ânodo;

- o dispositivo focalizador direciona o fluxo de elétrons para o alvo.

- os elétrons bombardeiam o alvo e são levados rapidamente ao repouso, após serem freados bruscamente;

- a energia perdida pelos elétrons durante o processo é transformada em calor (cerca de 99%) ou em raios X (em torno de 1%);

- o calor gerado durante o processo é dissipado pelo bloco de cobre e pelo óleo presente;

- os raios X são emitidos em todas as direções a partir do alvo. Aqueles que atravessam uma pequena abertura na blindagem de chumbo constituem o feixe utilizado para fins de diagnóstico (Figura 2);

- os raios X emitidos irão interagir com um objeto ou pessoa e os raios que ultrapassarem atingirão a película radiográfica ou o sensor digital e assim registrar a imagem da área radiografada.

Figura 2: Desenho esquemático do ânodo do tubo de raios X, mostrando o alvo e as interações que nele acontecem.

PROCESSAMENTO RADIOGRÁFICO

O processamento da imagem radiográfica consiste na sequência de atividades necessárias para converter a imagem latente, contida na emulsão do filme sensibilizado ou nos sensores digitais, em uma imagem em preto e branco. Com o advento da radiologia digital, atualmente existem dois métodos de processamento: químico e digital computadorizado7.

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PROCESSAMENTO QUÍMICO

E de extrema importância que os estágios do processamento químico sejam realizados de forma padronizada e sob um rígido controle; as etapas do processo são:

• revelação: por meio de uma solução reveladora, os cristais de prata sensibilizados pelos raios X são convertidos em prata metálica negra para produzir as partes pretas e cinzas da imagem;

• lavagem intermediária: o filme é lavado em água para remoção dos resíduos provenientes da solução reveladora;

• fixação: os cristais de prata que não foram sensibilizados são removidos para mostrar as partes brancas ou transparentes da imagem e a emulsão do filme radiográfico é endurecida;

• lavagem final: o filme é lavado em água corrente para remover os resíduos da solução fixadora;

• secagem: a radiografia final é colocada para secar em uma atmosfera livre de poeira.

PROCESSAMENTO DIGITAL COMPUTADORIZADO

A imagem digital é obtida em unidades de pixels (quadrados minúsculos da imagem) por dois tipos de sensores: placas de fósforo ou sensores do estado sólido.

Em caso de utilização de placas de fósforos durante a tomada radiográfica, a camada de fósforo da placa armazena a energia dos raios X que não foram atenuados durante a exposição do paciente. Em seguida, a placa é posicionada em um leitor específico para ser escaneada por um feixe a laser. Durante esta etapa, a energia dos raios X armazenada na placa é liberada sob a forma de luz que é detectada por um tubo fotomultiplicador, e então é convertida em um sinal elétrico e enviada para o conversor analógico-digital do computador conectado. Ao fim deste processo, a placa é apagada e está pronta para ser utilizada outra vez.

Sendo os sensores digitais de estado sólido a opção de escolha para aquisição de imagens radiográficas digitais, o processamento é mais simples devido à presença de um cabo acoplado no próprio sensor que, ao ser conectado ao computador, transmite as informações de cada pixel diretamente para o...

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