Prescrição penal - compatibilidade entre o direito de punir e a dignidade da pessoa humana - Limits to criminal sanction - compatibility between the right to punish and human dignity

AutorCleber Rogério Masson
CargoPromotor de Justiça do Estado de São Paulo, Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Páginas77-121
Prescrição penal – compatibilidade entre o direito de punir e a dignidade da pessoa humana
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 4, p. 77-121, 2008 77
PRESCRIÇÃO PENAL – COMPATIBILIDADE ENTRE O DIREITO
DE PUNIR E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
LIMITS TO CRIMINAL SANCTION – COMPATIBILITY BETWEEN THE RIGHT TO
PUNISH AND HUMAN DIGNITY
Cleber Rogério Masson*
Resumo: o direito de punir, no campo penal, pertence
exclusivamente ao Estado. Esse direito, contudo, encontra vários limites,
previstos tanto pela Constituição Federal como pela legislação
infraconstitucional. Dentre os freios impostos ao Poder Público na sua
tarefa punitiva, destaca-se a prescrição, direito fundamental consagrado
como causa extintiva da punibilidade que, em sintonia com a dignidade
da pessoa humana, determina o exercício da persecução penal em
intervalo temporal previamente fixado, com a finalidade de garantir
segurança jurídica a todas as pessoas, inclusive aos criminosos.
Palavras-chave: Prescrição. Direito fundamental. Limite ao
poder punitivo estatal. Dignidade da pessoa humana.
Abstract: in Criminal Law, the right to punish belongs exclusively
to the State. This right, however, finds several limits, provided by the
Constitution and federal law. One of the most important limits is a
deadline to punish, a fundamental right guarantee of human dignity. It
determines the beginning of criminal prosecution, with the aim to
ensure legal certainty to all people, including the criminals.
Keywords: Limits to the right of punish. Fundamental rights.
Human dignity.
INTRODUÇÃO
O Estado é o titular exclusivo do direito de punir. Somente ele
pode aplicar pena ou medida de segurança ao responsável por uma
infração penal.
Esse direito tem natureza abstrata, pois não pode ser exercido
indistintamente sobre todas as pessoas. Paira indistintamente sobre
* Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Mestre em Direito Penal pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e Professor de Direito
Penal no Complexo Jurídico Damásio de Jesus.
Cleber Rogério Masson
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elas, independentemente da prática de um crime ou de uma
contravenção penal, funcionando como advertência, pois o
cometimento de um ilícito penal importará na imposição de uma
sanção ao infrator.
Com a prática da infração penal, contudo, o
ius puniendi
concretiza-se automaticamente, pois, a partir de então, o Estado tem o
poder, e o dever, de punir o responsável pelo fato típico e ilícito. A
pretensão punitiva, então abstrata e dirigida contra todos os
indivíduos, transforma-se em concreta, visando a uma pessoa
determinada. Esse interesse estatal, de índole pública, sobrepõe-se ao
direito de liberdade do responsável pelo ilícito penal.
O direito de punir, todavia, é limitado. Encontra barreiras penais e
processuais, tais como a representação do ofendido ou de quem o
represente, nos crimes de ação penal pública condicionada, as
condições da ação penal e a necessidade de obediência a regras
constitucionais e processuais para ser efetivamente exercido (devido
processo legal).
Mas não é só. Na ampla maioria dos casos, há ainda limites
temporais, pois o direito de punir não pode se arrastar, ao longo dos
anos, indefinidamente. O Estado deve aplicar a sanção penal dentro de
períodos legalmente fixados, já que, em caso contrário, sua inércia
tem o condão de extinguir a consciência do delito, renunciando
implicitamente ao poder que lhe foi conferido pelo ordenamento
jurídico. Cabe a ele, portanto, empreender todos os esforços para que
a punibilidade se efetive célere e prontamente, pois não pode viver à
margem do Direito (MIRANDA, 2002, p. 215).
Entra em cena o instituto da prescrição. É como se, cometida uma
infração penal, o sistema jurídico virasse em desfavor do Estado uma
ampulheta, variando seu tamanho proporcionalmente à gravidade do
ilícito penal. O poder-dever de aplicar a sanção penal precisa ser
efetivado antes de escoar toda a areia a qual representa o tempo que
se passa, pois, se não o fizer dentro dos limites legalmente previstos, o
Estado perderá, para sempre, o direito de punir.
A prescrição, albergada pela Constituição Federal (CF), foi
minuciosamente tratada pelo Código Penal (CP), sem prejuízo de
disposições específicas contidas em leis extravagantes. Não basta, todavia,
a interpretação fria do texto legal. É necessário atentar para as disposições
previstas pela CF, que definem os pilares de todo o ordenamento jurídico
e sobre ele lançam seus mandamentos, destacando-se a dignidade da
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pessoa humana como escudo à excessiva e desnecessária intervenção
penal na vida privada dos cidadãos.
1. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – ORIGEM HISTÓRICA E
PREVISÃO NO DIREITO BRASILEIRO
A dignidade da pessoa humana tem sua origem remota no
surgimento do Cristianismo. Surge com a preocupação inicial com os
Direitos Humanos, isto é, com a visão de todo e qualquer homem
como criatura moldada à imagem e semelhança de Deus.
No plano normativo, contudo, foi a Lei Fundamental da República
Federal da Alemanha que pioneiramente destacou a dignidade da
pessoa humana como direito fundamental, declarando, em seu
art. 1.°, n. 1: “A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-
la é obrigação de todos os poderes estatais”.
Essa posição, de base precipuamente filosófica, justificou-se pela
reiteração de graves violações praticadas pelo Estado nazista aos
direitos fundamentais do homem, motivos que levaram as
Constituições portuguesa e espanhola a agirem de modo idêntico,
novamente com o escopo de proteger as pessoas contra o arbítrio dos
governantes, que justificavam suas atrocidades em nome de uma
suposta defesa do Poder Público.
No Brasil não foi diferente. A tortura e as demais agressões aos
indivíduos, em geral praticadas pela ditadura militar, levaram o
constituinte de 1988 a incluir a dignidade da pessoa humana como
fundamento do Estado Democrático de Direito, dispondo o art. 1.°, III,
da CF:
Art. 1.° A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana.
2. O PERFIL CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA – NATUREZA JURÍDICA E NOTAS CARACTERÍSTICAS
A análise do Texto Constitucional revela que a dignidade da
pessoa humana não é um simples princípio. Muito mais do que isso,
constitui-se em fundamento, e, por corolário, em valor supremo e

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