Publicidade: Dimensão do Direito do Consumidor à Informação

AutorRute Couto
CargoDocente do Instituto Politécnico de Bragança
Páginas51-67

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Excertos

"Os direitos do consumidor, em particular o direito à informação, são, na usual nomenclatura doutrinária, ‘direitos de terceira geração’, airmados depois dos direitos de liberdades e garantias pessoais (liberdades que impõem a abstenção do Estado) e dos direitos de participação política (instrumentos de cidadania que permitem ao cidadão ‘ser parte’ da vida do Estado)"

"Sendo os contratos de consumo maioritariamente contratos por adesão dos consumidores a cláusulas contratuais gerais, é imperioso relembrar os deveres de comunicação e informação que oneram os predisponentes das condições gerais"

"As decisões quotidianas de compra pelos consumidores apoiamse mais nas sensações provocadas pela publicidade do que nas concretas características dos produtos e serviços a adquirir"

"O caráter leal ou desleal da prática comercial é aferido utilizando-se como referência o consumidor médio, que a União Europeia icciona como ‘normalmente informado e razoavelmente atento e advertido’"

"Já nos bastaria que as leis que temos fossem cumpridas e aplicadas, que os agentes de mercado providenciassem aos consumidores não necessariamente mais, mas sobretudo melhor informação, no relexo de práticas comerciais leais e responsáveis, e que os poderes do Estado assumissem a política de defesa dos consumidores como prioritária na construção de uma sociedade mais equitativa e fraterna, valores essenciais nos tempos conturbados de hoje"

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1. O direito à informação como direito fundamental do consumidor

"Consumidores somos todos nós." A expressão, integrada na mensagem do então presidente dos Estados Unidos John Kennedy, em 15 de março de 19621, ao Congresso americano, ditou a digniicação e universalização dos direitos dos consumidores, num processo em concretização à escala global.

Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra hoje como direitos fundamentais, no seu artigo 60º, os direitos do consumidor "à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos". A inclusão da tutela consumerista no texto constitucional realizou-se de forma progressiva: a versão original de 1976 estabeleceu a proteção dos consumidores como "incumbência prioritária do Estado"; a revisão constitucional de 1982 consagrou aos consumidores os direitos suprarreferidos, mas incluídos na parte relativa à Organização Económica; e a revisão constitucional de 1989 elevou-os à categoria de direitos fundamentais, compreendidos nos "direitos e deveres económicos"2.

O reconhecimento do direito à informação do consumidor como direito fundamental funda-se - como nota Paulo Luiz Netto Lôbo - no "interesse público social" em regular as relações de consumo, (re)estabelecendo o equilíbrio material delas arredado, num contexto de "reforço do papel regulatório, pois suas [do direito do consumo] regras tutelares coniguram contrapartida à liberdade irrestrita de mercado, na exacta medida do espaço de humanização dos sujeitos consumidores"3.

A constitucionalização dos direitos dos consumidores justiica-se, pois, pela sua vulnerabilidade na relação económica com o proissional, insuicientemente acautelada pela liberdade contratual e de mercado. Na sociedade de consumo, importa defender "quem está à mercê, pela sua situação de dependência ou debilidade (económica, técnica, jurídica, cultural ou outra) da organização económica da sociedade"4.

Os direitos do consumidor, em particular o direito à informação, são, na usual nomenclatura doutrinária, "direitos de terceira geração", airmados depois dos direitos de liberdades e garantias pessoais (liberdades que impõem a abstenção do Estado) e dos direitos de participação política (instrumentos de cidadania que permitem ao cidadão "ser parte" da vida do Estado). São, nas palavras de Vieira de Andrade, "atributos necessários do estatuto da dignidade das pessoas nos novos tempos da sociedade técnica de

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massas"5, e como tal exigem prestações do Estado para a sua efetivação. Não obstante, ainda que o regime constitucional destes direitos económicos, sociais e culturais (distintamente dos direitos, liberdades e garantias) os sujeite a uma concretização estadual (determinada por considerações de natureza política, económica e orçamental)6, permanecem referencial da iscalização da constitucionalidade e interpretação das normas ordinárias nestas matérias7.

Vieira de Andrade questiona se a constitucionalização dos direitos dos consumidores seria necessária, conveniente e eicaz. Conclui o constitucionalista pela sua desnecessidade (porquanto seria suiciente a consagração no rol de tarefas do Estado), mas pela conveniência e eicácia da consagração constitucional, pois "é possível encontrar nos direitos fundamentais a referência essencial da dignidade da pessoa humana" e, ademais, constitui ela um útil "factor de pressão normativa sobre o legislador"8.

2. Tutela legal do direito do consumidor à informação

A Lei de Defesa do Consumidor (LDC)9inclui no seu elenco de direitos do consumidor o direito "à informação para o consumo" (artigo 3º d) LDC), que desenvolve de forma dual em direito à informação em geral e direito à informação em particular.

O direito à informação em geral (artigo 7º LDC) impõe-se ao Estado, regiões autónomas e autarquias locais, no desenvolvimento de ações de índole diversa, tais como apoio a associações de consumidores, criação de estruturas municipais de promoção dos direitos dos consumidores e manutenção de bases de dados acessíveis. Outras manifestações desta vertente geral do direito à informação respeitam ao serviço público de rádio e televisão, à exigência da língua portuguesa na informação ao consumidor e ainda à disciplina da publicidade, como avante melhor explanaremos.

Já o direito à informação em particular (artigo 8º LDC) incumbe ao polo oposto do consumidor na relação contratual de consumo, e estendese aos demais elos do ciclo produção-consumo (produtor, fabricante, importador, distribuidor, embalador e armazenista). O fornecedor de bens ou prestador de serviços tem o dever de informar o consumidor - de forma adequada, suiciente e verdadeira10- sob pena de ser responsabilizado pelos danos causados ao consumidor, que ele terá direito de retratação em caso de

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informação inexistente, insuiciente, ilegível ou ambígua, que comprometa a utilização do bem ou serviço contratado.

A deinição deste direito na lei-quadro de defesa dos consumidores encontra eco em variada legislação avulsa de defesa do consumidor. De forma breve e exempliicativa, eis algumas dessas concretizações11.

Na Lei das Condições Gerais dos Contratos (LCGC)12

Sendo os contratos de consumo maioritariamente contratos por adesão dos consumidores a cláusulas contratuais gerais, é imperioso relembrar os deveres de comunicação e informação que oneram os predisponentes das condições gerais. Essa comunicação deve ser realizada "na íntegra" e "de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência" (artigo 5º LCGC) e completada pela obrigação de informar o consumidor aderente dos aspectos contratuais "cuja aclaração se justiique" e da prestação de "todos os esclarecimentos razoáveis solicitados" (artigo 6º LCGC). Neste primeiro iltro ou controlo (de natureza formal) das condições gerais - secundado por um controlo de conteúdo e valoração da eventual índole abusiva das mesmas - quando estes dois deveres não sejam observados, as respectivas cláusulas consideram-se excluídas do contrato (artigo 8º LCGC). O dever de informar consubstancia-se, neste domínio, na cognoscibilidade, que abarca "não apenas o conhecimento (poder conhecer) mas a compreensão (poder compreender)"13.

Na Lei das Garantias (LG)14

Ao nível das garantias da venda de bens de consumo, a informação ao consumidor é um dos aspectos para se aferir da conformidade do bem com o contrato de consumo, já que a presunção de não conformidade opera sempre que os bens de consumo não correspondam à "descrição que deles é feita pelo vendedor" ou não possuam "as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo" (artigo 2º n. 2 a) LG) e ainda quando "não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem" (artigo 2º n. 2 d) LG). A publicidade surge assim, nas palavras

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de Carlos Ferreira de Almeida, como "veículo de qualiicação dos bens para efeitos contratuais"15, na medida em que a mensagem publicitária constitui bitola da qualidade dos bens (e serviços), pela criação da legítima expectativa de que tais bens sejam aptos a satisfazer determinados ins e efeitos.

Na Lei dos Contratos à Distância (LCD)16, 17

Em contratos com recurso a técnicas de comunicação à distância (tais como internet ou o telefone), a lei deine um conjunto de informações a serem prestadas ao consumidor "em tempo útil e previamente à celebração de qualquer contrato" (artigo 4º LCD) e a serem conirmadas em sede de execução (artigo 5º LCD), cominando a não prestação destas informações com o alargamento do período de livre resolução pelo consumidor (no exercício do direito de arrependimento ou retratação) de 14 dias para três meses (artigo 6º n. 3 LCD)...

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