Processo Civil

AutorRicardo Villas Bôas Cueva
Páginas48-57

Page 48

FATO SUPERVENIENTE QUE POSSA INFLUIR NA SOLUÇÃO DO LITÍGIO DEVE SER TOMADO EM CONSIDERAÇÃO NO MOMENTO DO JULGAMENTO

Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial n. 911.932 - RJ

Órgão julgador: 3a. Turma

Fonte: DJe, 25.03.2013

Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Page 49

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. EXECUÇÃO. ARGUIÇÃO INCIDENTAL DE NULIDADE DA CITAÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DO TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA EM AÇÃO DECLARATÓRIA COM O MESMO OBJETIVO. FATO SUPERVENIENTE. ART. 462 DO CPC. CONSIDERAÇÃO. RESPEITO À COISA JULGADA.

  1. O julgamento deve refletir o estado de fato da lide no momento da entrega da prestação jurisdicional.

  2. O fato superveniente (art. 462 do CPC) deve ser tomado em consideração no momento do julgamento a fim de evitar decisões contraditórias e prestigiar os princípios da economia processual e da segurança jurídica.

  3. No caso dos autos, o fato superveniente - consubstanciado na coisa julgada produzida em lide (ação declaratória) que tramitava paralelamente ao processo de execução que deu origem aos presentes autos - é tema relevante e deve guiar a solução do presente recurso especial sob pena ofensa à coisa julgada.

  4. Recurso especial provido para restabelecer a decisão de primeira instância.

    ACÓRDÃO

    Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide Prosseguindo no julgamento, após a vista regimental do Sr. Mnistro Relator, a Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

    Brasília (DF), 19 de março de 2013(Data do Julgamento)

    Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

    Relator

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por SERPROS FUNDO MULTIPATROCINADO, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

    Noticiam os autos que o ora recorrente propôs ação de execução por título judicial contra o GRUPO OK CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES S.A., objetivando o pagamento de valores reconhecidos em sede de ação de cobrança julgada procedente (fls. 348-349).

    No curso da execução, foi arguida pela parte executada nulidade do processo por vício da citação no processo de conhecimento em decorrência da falta de indicação, no mandado, do prazo, em dias, para a apresentação de contestação.

    O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido ao fundamento de que a sentença de mérito havia transitado em julgado e só poderia ser desconstituída por meio de ação rescisória (fl. 327, verso).

    Irresignada, a executada inter-pôs agravo de instrumento para o Tribunal de origem (fls. 318-325).

    O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro conferiu provimento ao recurso em acórdão assim ementado:

    "Agravo de instrumento. Processual civil. Ação de cobrança. Ação julgada procedente, com revelia decretada. Execução do julgado. Arguição de nulidade da citação no processo de conhecimento. Indeferimento da pretensão. Decisão que se funda na preclusão e na coisa julgada. Provimento do recurso.

    I - O mandado de citação, para ser válido, deve conter, expressamente, o prazo para a defesa do réu, que deve ser entendido como a designação quantitativa do número de dias que tem o citando para responder aos termos do pedido inicial, não valendo sua substituição pela genérica expressão ‘prazo da lei’, bem assim, a advertência de que não impugnados os fatos alegados pelo autor reputar-se-ão como verdadeiros (art. 225, II e VI, do CPC).

    II - A ausência de qualquer desses requisitos importa na nulidade, de pleno direito, da citação (art. 247, do CPC), que, ainda que ocorrida no processo de conhecimento, poderá ser arguida a qualquer tempo pela parte prejudicada, podendo ser conhecida, mesmo na fase de execução da sentença, de ofício, pelo julgador (art. 741, I, do CPC).

    III - A nulidade da citação, portanto, não se sujeita à preclusão ou à coisa julgada, não estando o prejudicado obrigado a argüi-la na primeira vez que intervir no processo, salvo se a mesma tiver sido suprida por alguma forma.

    IV - Não supre a ausência ou a nulidade da citação no processo de conhecimento a simples inter-venção da parte ré, na fase de execução, para a indicação de bens à penhora ou impugnar, por simples petição, o valor pretendido executar" (fl. 465).

    Nas razões recursais, o exequente SERPROS FUNDO MULTIPATROCINADO aponta violação dos artigos 154, 214, § § 1º e 2º, 244, 473 e 474 do Código de Processo Civil.

    Sustenta, em síntese, que:

    (i) "A nulidade suscitada no agravo de instrumento não causou prejuízos à recorrida, já que ela não teve interesse em se insurgir contra esta na primeira oportuni-dade que lhe foi dada" (fl. 544);

    (ii) "Em diversas situações após o ato apontado como imperfeito, a recorrida compareceu

    Page 50

    espontaneamente aos autos e se valeu de inúmeros instrumentos processuais para a defesa dos seus interesses", não se preocupando "em suscitar a nulidade de sua citação com fundamento no suposto defeito no mandado de citação" (fl. 545);

    (iii) "a própria 4a. Câmara reconhece que, durante o curso da execução, a recorrida, por diversas vezes, compareceu aos autos para defender seus interesses e impugnar o valor cobrado (...) e jamais se preocupou em alegar a nulidade de citação" (fl. 545);

    (iv) "a recorrida deveria ter solicitado a reabertura do prazo para apresentação de contestação quando compareceu espontaneamente aos autos da execução, pois este comparecimento teve o condão de suprir a nulidade de citação" (fl. 545);

    (v) "se o título executivo era nulo, o comparecimento da recorrida à execução, nomeando bem à penhora, supriu esta nulidade, para os fins da lei" (fl. 546);

    (vi) "como a própria 4a. Câmara reconhece que a recorrida vinha se valendo de defesas contra a execução ‘à luz da sentença que constituiu o título exequendo’, a suposta nulidade deste título não lhe causara prejuízos. E, ainda que se admita que tais prejuízos teriam ocorrido, em momento algum, a recorrida se preocupou em demonstrá-los" (fl. 547) e

    (vii) o Tribunal de origem não apresentou em sua fundamentação nenhum argumento "sobre os prejuízos supostamente enfrentados e demonstrados pela recorrida nos autos e se estes seriam aptos a justificar a decretação de nulidade de todos os atos praticados no curso do feito e a devolução do prazo para apresentação de contestação" (fl. 547).

    Alega o recorrente, ainda, dissídio jurisprudencial sobre as seguintes teses: (i) o comparecimento do executado em juízo para nomear bens à penhora supre a falta de citação; (ii) a alegação de nulidade de citação não pode ser feita após a prática de atos inerentes à defesa do interessado e (iii) a alegação de nulidade está sujeita aos limites da coisa julgada e da dedução em ação própria.

    Com as contrarrazões (fls. 615-622), e não admitido o recur-so na origem (fls. 624-627), ascendeu a esta Corte Superior por força do provimento do agravo de instrumento em decisão da lavra do Ministro Ari Pargendler (fl. 662).

    Em petição datada de 5/10/2011 (fls. 677-682), acompanhada de documentos (fls. 683-714), o recorrente noticia a ocorrência de fato superveniente que considera relevante para o deslinde da controvérsia, consistente no trânsito em julgado da sentença proferida nos autos de ação declaratória de nulidade de citação (nº 99.001.028388-3) cuja causa de pedir abrangia as alegações deduzidas no incidente que originou o presente recurso especial.

    Acerca da petição e dos documentos, foi conferida oportunidade de manifestação à parte adversa, que veio aos autos às fls. 742-743.

    Levado feito a julgamento na sessão do dia 12/3/2013, após as sustentações orais dos advogados de ambas as partes, pedi vista dos autos, na forma regimental, para dirimir dúvida surgida acerca da extensão da causa de pedir da ação declaratória proposta pelo recorrido.

    É o relatório.

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Reexaminados os autos, e dirimida a dúvida surgida por ocasião das sustentações orais, que em nada alterou as convicções lançadas em meu voto, passo ao julgamento do feito.

    Consoante relatado, o recorrente, por meio de petição, protocolizada em 5/10/2011 (fls. 677-682), acompanhada de documentos (fls. 683-714), noticia a ocorrência de fato superveniente que considera relevante para o deslinde da controvérsia consistente no trânsito em julgado da sentença proferida nos autos de ação declaratória de nulidade da citação (nº 99.001.028388-3) cuja causa de pedir abrangia as alegações deduzidas no incidente que originou o presente recurso especial.

    Segundo argumenta, a coisa julgada material formada naqueles autos - em que foram afastadas as alegações de nulidade da citação, tanto pelos apontados defeitos no mandado quanto pela falsificação da assinatura do representante legal da executada - inviabilizaria o reexame da nulidade da citação nos autos da ação de execução em curso, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica.

    Tenho que assiste razão ao recorrente.

    O presente recurso especial tem origem em decisão interlocutória que indeferiu pedido de declaração de nulidade de citação formulado nos autos de ação de execução que tramita na 7a. Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro (Processo nº 96.001.116907-8)

    A decisão indeferitória do pe-dido emanada do juízo de origem (25/2/2003 - fl. 327, verso) foi reformada em grau recursal pela Corte local (25/11/2003 - fl. 531). Daí a interposição do recurso especial em 2/2/2004 (fl. 539).

    Ocorre que, paralelamente à execução, tramitava ação declaratória (processo nº 99.001.028388-3), proposta pela parte executada em

    Page 51

    2/3/1999 (fl. 683), objetivando providência idêntica àquela buscada incidentalmente nos autos da presente execução, a saber: o reconhecimento da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT