A desjudicialização do procedimento de registro tardio de nascimento. Inovaçõ es trazidas pela lei federal no 11.790/08.

AutorFlávia Pereira Hill
CargoTabeliã. Mestre e Doutoranda em Direito Processual pela UERJ. Professora da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Candido Mendes.
Páginas123-133

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1. Introdução

A Lei Federal nº 11.790, de 02 de outubro de 20081, que entrou em vigor no dia 03 de outubro de 2008, dispõe sobre a admissibilidade da realização de registros tardios de nascimento através de procedimento extrajudicial, processado diretamente perante o Oficial Registrador Titular do cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, independentemente de intervenção judicial.

Verifica-se que a referida lei insere-se na mesma proposta da Lei Federal nº 11.441/07, a qual passou a admitir que a separação e o divórcio consensuais, bem como o arrolamento, sejam realizados em serventias extrajudiciais, através de escritura pública. De fato, ambas as normas conferem ao tabelião a atribuição para a prática de atos da vida civil que, até então, deveriam ser, necessariamente, submetidas à prévia apreciação do Poder Judiciário2. Tais normas, analisadas conjuntamente, demonstram uma tendência doPage 124legislador no sentido de prestigiar a solução extrajudicial, ou seja, de favorecer a desjudicialização.

Como consequência, um número crescente de procedimentos destinados à prática de atos da vida civil, embora, dada a sua relevância, continuem sendo processados perante uma autoridade estatal, passaram a dispensar intervenção judicial.

De fato, como veremos a seguir, a solução trazida pelo legislador destina-se, a um só tempo, a tornar o procedimento mais célere3 e menos formal, como forma de incentivar os cidadãos a promover o registro tardio de nascimento, e, ainda, desafogar a sobrecarga de processos perante o Poder Judiciário, sem que, com isso, reste vulnerada a segurança necessária para a prática de tão relevante ato da vida civil. E a resposta encontrada foi conferir aos Oficiais Registradores4 a atribuição para o processamento de tal procedimento.

O presente artigo propõe-se, pois, a analisar as principais inovações trazidas pela Lei nº 11.790/08.

2. Registro Tardio de Nascimento

De acordo com a Lei de Registros Públicos (Lei Federal nº 6.015/1973), considera-se registro tardio de nascimento aquele realizado após o decurso do prazo legal.

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Prevê o artigo 505 da referida lei, como regra geral, que o registro de nascimento deve ser lavrado no prazo de até quinze dias a contar da data do nascimento do registrando.

O prazo legal será mais extenso em duas hipóteses. Primeiramente, prevê o legislador prazo de até três meses, caso a residência dos pais ou o local do nascimento do registrando esteja distante mais de trinta quilômetros da sede do cartório. Por fim, admite a lei que, caso a declarante do nascimento seja a mãe do registrando, esta disporá do prazo de quarenta e cinco dias a partir da data do nascimento para realizar o registro, de acordo com o artigo 52, item 2º, da Lei nº 6.015/73.

Dirigindo-se o pai, a mãe ou quaisquer dos declarantes previstos no artigo 52 da Lei nº6.015/73 ao cartório no prazo legal, munidos da Declaração de Nascido Vivo (DNV) e de documento de identidade, o registro de nascimento é lavrado imediatamente, sem a necessidade de instauração de qualquer procedimento, administrativo tampouco judicial.

No entanto, decorrido o prazo legal, previa o legislador, até a edição da Lei nº 11.790/08, que o registro tardio de nascimento de maiores de doze anos dependeria, obrigatoriamente, de autorização judicial6. A necessidade de instauração de processo judicial tinha como escopo evitar a duplicidade do registro, na medida em que cabia ao magistrado aferir a inexistência de registro anterior de nascimento, para que, somente após, autorizasse a lavratura, pelo cartório, do registro tardio de nascimento dos maiores de doze anos.

Com a edição da nova lei, tal verificação será feita diretamente pelo Oficial Registrador, independentemente da idade do registrando. Portanto, ainda que o registrando seja maior de dezoito anos ou, até mesmo, seja idoso, bastará, a princípio, aPage 126instauração de procedimento administrativo perante o Oficial Registrador, ficando dispensada a intervenção judicial para tanto.

No entanto, dada a relevância da questão, mostra-se imperioso que os interessados demonstrem ao Oficial Registrador, mediante a apresentação de provas que instruirão o procedimento administrativo, que não houve registro anterior de nascimento, conforme a atual redação do §3º do artigo 50 da Lei nº 6.015/73. De fato, quanto maior a idade do registrando, maior rigor deve ser dispensado à comprovação, pois aumenta proporcionalmente a probabilidade de existência de registro anterior de nascimento. Afinal, é conatural ao indivíduo a prática de inúmeros atos da vida civil ao longo de sua existência, sendo certo que, já tendo atingido a vida adulta, avulta a possibilidade de ter conseguido trabalho, adquirido algum bem, casado, etc., atos esses que pressupõem a existência de registro de nascimento.

Embora seja menos provável em nossos grandes centros urbanos, forçoso convir, que, em certas regiões de nosso País, não é raro encontrar adultos sem registro, que jamais frequentaram uma escola, trabalham sem carteira assinada, estabelecem união estável sem casar-se em cartório, e assim por diante. Nesse caso, o Oficial Registrador, por atuar naquela localidade, terá conhecimento da realidade social da região, e saberá sopesar quais provas serão bastantes para demonstrar a ausência de registro anterior.

3. Instauração do procedimento administrativo em cartório

O procedimento administrativo de registro tardio de nascimento é instaurado por iniciativa de qualquer dos interessados listados no artigo 52 da Lei nº 6.015/73. Sendo o registrando maior de dezoito anos, poderá ele mesmo instaurar o procedimento administrativo7.

No entanto, entendemos que, caso o registrando seja menor de dezoito anos e pretenda providenciar o seu registro, deverá dirigir-se ao Ministério Público, a fim de que seja instaurado processo judicial, não se podendo instaurar procedimento administrativo diretamente em cartório.

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Feita essa ressalva, caberá ao interessado, a fim de instaurar o procedimento administrativo, dirigir-se ao Registro Civil de Pessoas Naturais situado no local de sua residência, conforme disposto na nova redação do artigo 46 da Lei nº6.015/738. Não é necessário que o interessado seja assistido por advogado.

O interessado assinará um requerimento escrito de registro tardio de nascimento, juntamente com a assinatura de duas testemunhas - conforme será esclarecido no item subsequente -, devendo instruí-lo com provas suficientes que atestem a ausência de registro anterior de nascimento.

Com efeito, as seguintes provas devem ser produzidas, a fim de que o Oficial Registrador se certifique da ausência de registro anterior:

  1. Declaração de Nascido Vivo (DNV) original expedida pelo hospital ou maternidade ou declaração comum do hospital, caso o registrando tenha nascido antes da instituição da DNV, em julho de 1989;

  2. caso o registrando tenha nascido fora de unidade hospitalar ou maternidade, apresentar declaração da parteira, conforme § 1º do artigo 52 da Lei nº6.015/73, além da declaração de duas testemunhas desse fato, conforme artigo 54, item 9º, da Lei nº6.015/73;

  3. declaração dos pais do registrando, reduzida a termo, bem como do interessado que instaurou o procedimento administrativo, caso não sejam eles próprios, afirmando que não haviam procedido ao registro de nascimento até aquela data. É recomendável que os pais do registrando, em comparecendo ao cartório, assinem também o registro de nascimento.

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