Princípios Informativos da Execução

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado. Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região
Páginas91-103

Page 91

A execução — inclusive a trabalhista — é informada por um conjunto de princípios, que merecerão, a seguir, comentários individualizados:

1. Da igualdade de tratamento das partes

O fundamento desse princípio é, sem dúvida, o próprio texto constitucional, que assegura a igualdade de todos perante a lei (art. 5.º, caput). Torna-se necessário ponderar que, na execução, esse tratamento igualitário é ministrado em termos, pois, como sabemos, a posição do credor, aí, é de superioridade, ou melhor, de preeminência jurídica; convém rememorar que na Exposição de Motivos do anteprojeto do CPC de 1973 já se deixava dito que o credor se encontrava em estado de preeminência, ao passo que o do devedor era de sujeição (ao comando do preceito sancionatório, que se irradia do título exequendo).

Sejamos mais elucidativos: em rigor, na execução, não há mais um equilíbrio jurídico entre as partes, em face da referida preeminência legal do credor, cujo interesse se realizam os atos executivos (CPC, art. 797). A despeito disto, o juiz deve ministrar um tratamento igualitário às partes, sob pena de violação ao art. 5.º, caput, da Constituição Federal. Não poderia o magistrado, por exemplo, permitir que somente o credor ou somente o devedor produzissem provas nos embargos à execução, porquanto esse tratamento discriminatório ou anti-igualitário conduziria à nulidade do processo executivo.

Observa Liebman que a situação de igualdade das partes só se verifica no processo de conhecimento, porquanto o princípio do contraditório lhe é essencial; é por isso que os litigantes colaboram, na medida de seu interesse, para as investigações empreendidas pelo juiz e cujo resultado poderá ser favorável, no todo ou em parte, a um deles. No processo de execução, ao contrário, não há mais equilíbrio entre as partes, “não há contraditório; uma exige que se proceda, a outra não o pode impedir e deve suportar o que se faz em seu prejuízo, podendo pretender, unicamente, que, no cumprimento dessa atividade, seja observada a lei” (Estudos, p. 44).

A despeito disso, observemos, mais uma vez, que esse desequilíbrio legal em benefício do credor não exime o juiz de realizar um tratamento de igualdade às partes no campo da produção das provas, e, de modo geral, na defesa dos direitos e interesses legítimos de cada um.

Page 92

2. Da natureza real

Em período que se perde nas brumas do tempo, a execução incidia na pessoa do próprio devedor, tendo, portanto, caráter corporal e não patrimonial. Vale ser citada, neste momento, a manus iniectio romana, sobre a qual dedicamos alguns momentos no Capítulo III, retro.

Modernamente, a execução (por quantia certa) tem como objetivo o patrimônio do devedor (CPC, art. 824).

Como estamos a afirmar que a execução possui, nos dias da atualidade, natureza real, é aconselhável sublinharmos que o sistema legal brasileiro incorporou a teoria clássica, que caracteriza o direito real pela inflexão do homem sobre a coisa. Esse poder do indivíduo, em relação à res, constitui o critério fundamental para a configuração do direito real, que se apoia, desse modo, em uma tríade de elementos:

  1. o sujeito ativo da relação jurídica;

  2. a coisa, que é objeto do direito;

  3. a inflexão imediata do sujeito ativo sobre a coisa.

O princípio em questão significa que os atos executórios atuam sobre os bens do devedor e não sobre a pessoa física deste; entende-se por patrimônio, para esses efeitos, o conjunto de bens, corpóreos e incorpóreos, presentes ou futuros, de direitos e de obrigações economicamente apreciáveis. Nem sempre a execução incide na integralidade do patrimônio do devedor, cujo senso de universalidade de direito lhe é imanente na ordem jurídica: os bens do devedor respondem até o limite da obrigação expressa pelo título executivo judicial; nada mais além disso (CPC, art. 831).

O art. 824 do CPC declara que a execução por quantia certa se destina a expropriar bens do devedor, com a finalidade de satisfazer o direito do credor, recomendando o art. 805 do mesmo Código que ela se processe pelo modo menos gravoso ao devedor. Visou, com isso, o legislador a preservar a dignidade do devedor.

Para o cumprimento das suas obrigações, o devedor responde não somente com os bens presentes, mas, também, com os futuros, segundo a advertência formulada pelo art. 789 do CPC.

Um dos motivos legais que o devedor pode invocar, na oportunidade dos embargos que vier a oferecer, é justamente o excesso de execução (CPC, arts. 525, § 1.º, V, e 917, III e § 2.º), embora o Código preveja a realização de uma segunda penhora (e de outras mais) se, submetidos os bens à expropriação judicial, o produto não for suficiente para satisfazer, plenamente, o direito do credor (art. 851, II).

3. Da limitação expropriatória

Como escopo da execução é compelir o devedor a cumprir a obrigação contida no título executivo, é elementar que os atos expropriatórios que venham a ser praticados em nome desse objetivo devem ter como limite o valor da dívida, com os acréscimos legais.

Page 93

A execução não pode servir de pretexto a uma alienação total do patrimônio do devedor, quando parte dos bens for bastante para atender à satisfação do direito do credor.

Estatui, por isso, o art. 831 do CPC que a penhora cairá em “tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios” (destacamos). A CLT contém norma semelhante (art. 883). Por outro lado, a arrematação será suspensa assim que o produto da expropriação for suficiente para solver a dívida (CPC, art. 899).

Fica clara, pois, a existência de uma limitação legal expropriatória, destinada a impedir que o devedor sofra desfalque patrimonial acima do que corresponde ao direito do credor.

4. Da utilidade para o credor

Razões éticas impedem ao credor fazer uso das vias executórias apenas para acarretar danos ao devedor, sem que o patrimônio deste tenha condições de responder pela dívida. Levando em consideração esse fato, a norma processual dispõe que não se efetuará a penhora quando for evidente que o produto da alienação dos bens foi inteiramente absorvido pelo pagamento das custas da execução (art. 836, caput), hipótese em que cumprirá ao oficial de justiça descrever, na certidão, os bens que guarnecem a residência ou o estabelecimento do devedor, quando este for pessoa jurídica (ibidem, § 1.º). Neste caso, deverá o juiz suspender a execução, que será reativada quando forem localizados bens do devedor capazes de permitir a total satisfação do crédito do exequente (Lei n. 6.830/80, art. 40, caput e § 3.º).

Não permite a lei, portanto, execuções inúteis, como tais consideradas as que não forem suficientes para permitir a satisfação, ainda que em parte, do direito do credor.

5. Da não prejudicialidade do devedor

O estado de sujeição, em que o devedor se encontra ontologicamente lançado pelas normas legais, não deve constituir razão para que o credor sobre ele tripudie. Sensível a isso, estabelece o art. 805 do CPC que, quando o credor puder, por diversos meios, promover a execução, o juiz determinará que se faça pelo modo menos gravoso ao devedor.

Derivante desse princípio é a regra emoldurada pelo art. 776 do CPC, pela qual o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que rendeu ensejo à execução — nada obstante estejamos convencidos de que esse preceito não é aplicável ao processo do trabalho, ao qual agride.

Invocando o princípio da execução menos gravosa ao devedor, o TST, na vigência do CPC de 1973, adotou a Súmula n. 417, cujo item III dispunha: “Em se tratando de execução provisória, fere direito líquido e certo do impetrante a determinação de penhora em dinheiro, quando nomeados outros bens à penhora, pois o executado tem direito a que a execução se processe de forma que lhe seja menos gravosa”. A referência feita pela Súmula à lesão de direito líquido e certo e a impetrante deixava claro que o TST admitia a impetração de mandado de segurança quando ocorresse a situação prevista na aludia Súmula. Essa

Page 94

orientação jurisprudencial do TST sempre mereceu a nossa discordância, pois o art. 655, do CPC de 1973, ao colocar o dinheiro em primeiro plano, na ordem dos bens penhoráveis, não fez nenhuma distinção, para efeito de observância a essa ordem, entre execução definitiva e execução provisória. Parecia-nos, por isso, que o TST distinguira onde o legislador não o fizera, contrariando, desse modo, uma provecta regra de exegese.

Em que pese ao fato de o art. 835, caput, CPC de 2015, haver repetido a redação do art. 655, caput, do Código de 1973: “A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:”, o TST eliminou o inciso III, da Súmula n. 417, e “modulou” os efeitos da nova redação da Súmula, “de forma a atingir unicamente as penhoras em dinheiro em execução provisória efetivadas a partir de 18.03.2016, data de vigência do CPC de 2015”.

6. Da especificidade

O princípio respeita, apenas, à execução para a entrega de coisa e às obrigações de fazer e de não fazer, pois somente em casos excepcionais se permite a substituição da prestação pelo equivalente em dinheiro. De...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT