Princípios fundamentais dos recursos cíveis

AutorLucas Naif Caluri
Páginas92-115

Page 92

Celso Antônio Bandeira de Mello explicita que princípio, do ponto de vista jurídico, é “o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.144

Etmologicamente, o termo princípio — literal e conceitualmemnte diferente da palavra regra — origina-se do vocábulo latino principium, principii e encerra a ideia de começo, razão pela qual não se concebe a elaboração de qualquer ciência sem a indicação de seus princípios diretores.

Para Ronald Dworkin, autor de O Império do Direito, é sumamente lógica a distinção entre princípios e regras, nada obstante sejam, ambas, consideradas como um conjunto de normas que aponta para decisões particulares sobre obrigações jurídicas numa particular circunstância, mas que se diferenciam quanto à direção que apontam. Enquanto as regras são disjuntivas, aplicando-se, ou não, ao caso, os princípios, por sua vez, indicam uma consequência legal que automaticamente se segue quando as condições dadas se realizam.

Nos ensinamentos de J. J. Gomes Canotilho, os princípios têm uma função normogenética e uma função sistêmica: são o fundamento de regras jurídicas e têm uma idoneidade irradiante que lhes permite ligar ou cimentar objetivamente todo o sistema constitucional.145

Quando da transição da fase da recepção do Direito romano para as codificações, os princípios do Direito Processual Civil foram classificados em princípios informativos e princípios fundamentais. Os informativos — considerados quase como axiomas, ou seja, uma proposição que não carece de demonstração — dispensam maiores questionamentos, não necessitam ser demonstrados e não possuem nenhum conteúdo ideológico. Classificam-se esses princípios em: lógico, jurídico, político e econômico.

Page 93

Pelo princípio lógico, o processo necessita ter uma estrutura racional, ou seja, uma sequência lógica dos atos para se atingir o objetivo primordial, qual seja a prolação da sentença. O art. 319 do novo Código de Processo Civil exemplifica, estabelecendo a sequência desses atos, indicando que a inicial — onde são narrados os fatos e os fundamentos jurídicos da pretensão e, ao final, deduzido o pedido — deve preceder a contestação e que esta deve ser deduzida antes da audiência de instrução e julgamento.

Por sua vez, o art. 337, do mesmo Estatuto, disciplina que na contestação deverse-á, antes, discutir o mérito e, ao depois, alegar as matérias preliminares como a incompetência absoluta, a existência de coisa julgada e demais. Semelhantemente nos Tribunais, as decisões interlocutórias precedem ao julgamento de mérito, segundo preceitua o art. 946 e parágrafo único do novo Código de Processo Civil.

Pelo princípio jurídico, entende-se que o processo tem, necessariamente, de submeter-se a um ordenamento preexistente.

Registrem-se, ainda, regras de ordem política que devem ser respeitadas quando do trâmite de um processo. O exemplo típico desse imperativo está expresso no art. 140 do Código de Processo Penal, que prevê a indeclinabilidade da jurisdição, ou seja, a proibição de o juiz pronunciar o non liquet, sob a alegação de lacuna ou obscuridade na lei.

Ao magistrado cabe, sempre, resolver a lide entre as partes, mesmo que tenha de se servir de outros meios. Quando isso ocorre, nos termos do art. 4 da lei de introdução às normas do Direito brasileiro, deve recorrer, hierarquicamente, à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

O quarto princípio, qual seja, o econômico, requisito precioso e absolutamente indispensável nos dias apressados que vivenciamos nestes tempos, encontra-se fartamente evidenciado no Código de Processo Civil. Impera a necessidade de se obter o máximo do processo com o menor dispêndio de tempo e de atividade, sem que, evidentemente, seja maculado o objetivo maior, qual seja, o deslinde do litígio.

No entendimento de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, o juiz não deve ensejar nem deixar provocar o retardamento injustificado da prestação jurisdicional. Dar solução rápida ao litígio não significa solução apressada, precipitada. O magistrado deve determinar a prática de todos os atos necessários ao julgamento da demanda. Deve buscar o ponto de equilíbrio entre rápida solução e segurança na decisão judicial, nem sempre fácil de ser encontrado.146

Os princípios fundamentais, por sua vez, apresentam características diferenciadas dos informativos, vez que permitem, ao sistema jurídico, fazer opções,

Page 94

considerando aspectos políticos e ideológicos. Assim sendo, admitem que, em contrário, outros se oponham, de conteúdo diverso. São passíveis de discussão tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

Princípio do duplo grau de jurisdição

O princípio do duplo grau de jurisdição — tido como princípio constitucional implícito — está consubstanciado na possibilidade de revisão de qualquer decisão proferida que tenha causado gravame ao interessado.

Usado, inicialmente, para evitar a possibilidade de abuso de poder por parte do juiz, objetiva, também, extirpar todo e qualquer resquício restante da ordem jurídica anterior.

Trata-se de um princípio extremamente importante para a segurança jurídica dos jurisdicionados porque, se assim não fosse, teriam de se conformar com apenas um pronunciamento sobre o direito pleiteado.

Apesar da existência de opositores, esse postulado constitucional foi recepcionado em vários ordenamentos dos povos cultos, em especial após a França haver consagrado-o nos arts. 211, 218 e 219 da Constitution du Fructidor na II.

Além da falibilidade do ser humano, passível em qualquer área de atuação, é da natureza do homem insurgir-se contra as decisões que lhe são desfavoráveis. O fato de oferecer-se, ao litigante, a possibilidade de duas avaliações, atende ao critério da razoabilidade e corporifica-se, segundo Roger Perrot, numa “garantia fundamental de boa justiça”.

Aludido princípio decorre de regra inserta no art. 5º, LV, da Carta Magna, que disciplina que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, e isso é sumamente importante para a segurança jurídica dos jurisdicionados.

Ao tempo, porém, que a Constituição Federal, no seu art. 105, II, III, e 121, § 3º, prevê o duplo grau de jurisdição ao disciplinar que compete ao Superior Tribunal de Justiça conhecer, em grau de recurso ordinário e, também, tomar conhecimento, por intermédio de recurso excepcional das hipóteses que enumera, temos, porém, que a abrangência desse princípio é limitada, consoante se depreende que o art. 121, § 3º, da Carta Política estabelece que “São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem esta Constituição e as denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança”.

Podemos, ainda, afirmar que o princípio do duplo grau de jurisdição guarda proximidade com o princípio da voluntariedade, porque o ato de recorrer — para que se tenha uma segunda manifestação sobre a quaestio iuris — deve ser um ato de vontade das partes.

Page 95

5.1.1. Vantagens e desvantagens do duplo grau de jurisdição

A importância do duplo grau de jurisdição na sistemática dos recursos cabíveis volta a ser discutida após a apresentação da proposta constante do Anteprojeto da Lei n. 13 — Versão Final da Reforma do Código de Processo Civil —, que por sua vez culminou com o art. 1.012 desse novo Estatuto, no sentido de que a apelação terá somente efeito devolutivo.

O ponto nodal da questão consiste em saber se há necessidade de aguardar o julgamento pelo juízo ad quem a fim de promover a execução do julgado, num sistema em que vigore o duplo grau, ou, ao revés, com a prolação da sentença pelo magistrado de primeiro grau, deve ser desde logo autorizada a execução.147

Essa vexata questio tem provocado opiniões as mais diversificadas, alegando alguns conceituados doutrinadores que se trata apenas de uma superfluidade, outros que os tribunais de segunda instância também são passíveis de cometer erros. O professor Alfredo Buzaid posiciona-se ao lado daqueles processualistas — e estes são a grande maioria — que apresentam vantagens ao duplo grau de jurisdição. O puntum plurius está, apenas e tão somente, em se saber se o duplo grau será recebido em ambos os efeitos ou se apenas no devolutivo.

Moacir Amaral Santos, ao abordar a questão da falibilidade humana, diz que os juízes são criaturas humanas e, portanto, falíveis, suscetíveis de erros e injunções, razão bastante para os ordenamentos processuais de todos os povos, com o propósito de assegurar justiça o quanto possível perfeita, propiciarem a possibilidade de reexame e reforma de suas decisões por outros juízes, ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT