Princípio fundamental da Igualdade e Ação Afirmativa

AutorLuiz Octavio Rabelo Neto
Páginas57-114
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PRINCÍPIO FUNDAMENTAL
DA IGUALDADE E AÇÃO AFIRMATIVA
O tema das ações armativas tem íntima relação com o
princípio da igualdade, sendo este, em sua feição material, um
dos objetivos almejados por estas medidas, conforme adiante
será explicado. Por esta razão, optou-se por tratar ambos assuntos
no mesmo capítulo.
Busca-se oferecer o substrato teórico-losóco do princí-
pio da igualdade e, em consequência, para toda e qualquer me-
dida de ação armativa, inclusive àquela que utiliza o Direito
Tributário, mediante a concessão de benefícios scais, como ins-
trumento.
2.1 SIGNIFICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Inicia-se esta seção com a nalidade de explicitar em que sen-
tido se propugna que o princípio da igualdade deve ser promovido,
2
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advertindo-se, desde logo, não se defender uma igualdade abso-
luta entre indivíduos em sociedade, haja vista a observação de
que os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa congu-
ram fundamentos da República brasileira, devendo, portanto, ser
compatibilizados com o princípio da igualdade aqui estudado.
Sobre o ponto, Ronald Dworkin destaca que a igualdade é
um ideal político ameaçado de extinção, mas que nenhum gover-
no é legítimo ao menos que demonstre igual consideração pelo
destino de todos os cidadãos sobre os quais arme seu domínio
e aos quais reivindique delidade. A igualdade, segundo ele, é a
virtude soberana da comunidade política, pois sem ela o governo
seria tão somente uma tirania. Contudo, como dito, tal ideal não
deve ser entendido como uma igualdade absoluta e indiscrimina-
da, conforme leciona o autor:
a igualdade absoluta e indiscriminada não é apenas um
valor político fraco, ou um valor que seja facilmente so-
brepujado por outros valores. Não é de modo algum um
valor: não há nada que se possa dizer em favor de um
mundo no qual aqueles que optam pelo ócio, embora pu-
dessem trabalhar, são recompensados com o produto dos
trabalhadores.46
Dessa forma, considerando que a igualdade pode ter vá-
rios e diversicados sentidos, até mesmo contraditórios, torna-se
imperioso especicar que tipo de igualdade se propugna que as
ações armativas proporcionem.
46 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade.
Tradução: Jussara Simões. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2005, p. IX-X.
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Segundo o economista Amartya Sen, as principais teorias
éticas do ordenamento social compartilham todas uma aprova-
ção da igualdade em termos de uma determinada variável, cha-
mada por ele de variável focal, tendo destacada importância a
resposta dada à pergunta “igualdade de que?”, haja vista a notável
desigualdade real inerente aos seres humanos. Isto faz com que
a exigência de igualdade em termos de uma variável tenda a ser
incompatível com querer a igualdade em termos de outra variá-
vel. Por exemplo, a igualdade pode ser julgada comparando-se
duas pessoas em termos de renda, riqueza, liberdade, bem-estar,
recursos, etc.47
A diversidade humana não pode ser ignorada no trata-
mento da noção de igualdade, uma vez que o efeito de ignorar as
variações interpessoais pode contrariar a própria igualdade, na
medida em que oculta o fato de que, para conferir igual conside-
ração a todos, pode ser necessário dar um tratamento desigual
àqueles que estejam em desvantagem.
Norberto Bobbio também ressalta que os homens, de fato,
não nascem livres nem iguais, sendo a “liberdade e a igualdade dos
homens não um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não uma
existência, mas um valor; não são um ser, mas um dever ser.”48
Amartya Sen rejeita a concentração da discussão da desi-
gualdade na comparação de rendas, argumentando que a exten-
são da desigualdade real de oportunidades com que as pessoas se
defrontam não pode ser prontamente deduzida da magnitude da
desigualdade de rendas, pois o que elas podem fazer ou não fazer
47 SEN, Amartya Kumar. Desigualdade reexaminada. Tradução e apresentação
de Ricardo Doninelli Mendes. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001, p. 21-31.
48 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.
Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2004, p. 29.

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