Princípio do risco mínimo regressivo

AutorCléber Nilson Amorim Junior
Ocupação do AutorAuditor Fiscal do Trabalho na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Maranhão. Especialista em Segurança e Saúde no Trabalho pela Universidade Estácio de Sá
Páginas73-101

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"A ciência dá passos e não saltos." Thomas Macaulay

O presente capítulo visa demonstrar a profunda relevância do princípio do risco mínimo regressivo para o sistema jurídico de tutela da saúde e segurança do trabalhador no país. A denominação do mencionado princípio foi cunhada pelo professor Sebastião Geraldo de Oliveira e traduz, com precisão, a essência do seu conteúdo105.

Sabe-se que a lei é concebida diante da realidade da experiência humana e não deve ser interpretada de modo a levar ao inatingível, por isso a efetividade e a eficiência dos direitos sociais, especialmente de grande parte dos direitos fundamentais dos quais se extrai o princípio da indisponibilidade da saúde do trabalhador, só são possíveis levando-se em conta, na sua concretização, aspectos de natureza social, política e econômica.

Eis aí o problema da efetividade dos direitos sociais. Situado o ser humano como centro do processo de desenvolvimento, e presentes os caracteres social e democrático da ordem constitucional instaurada, devem ser concebidas políticas públicas que, além da edição de leis, promovam a interação entre Estado e socie-dade, com vista ao fortalecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais106.

Conceitos, tais como direito de viver uma vida decente, somente podem se tornar operacionais numa sociedade construída de forma a torná-los possíveis, e podem ser abordados somente de forma indireta, por meio de políticas e mudanças institucionais permanentes, sem as quais tais direitos são totalmente inúteis.107

Na realidade, o problema da efetividade dos direitos sociais expõe a insuficiência do paradigma kelseniano, isto é, da concepção de um direito puro e neutro, alheio a questões empíricas, interações axiológicas ou considerações de justiça concreta. A efetividade dos direitos sociais depende de um enfoque necessariamente interdisciplinar, que abra o sistema jurídico aos dados econômicos e sociais. Outrossim, os problemas de falta de efetividade também decorreriam da carência de um desenvolvimento teórico da noção de Estado Social semelhante àquele exis-

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tente para o conceito de Estado Liberal Clássico, e não propriamente à ausência de mecanismo de tutela dos direitos sociais em si. Por tal motivo, embora representem o grande trunfo do constitucionalismo do século XX, os direitos sociais ainda enfrentam dificuldades de efetivação prática.108

Nesta perspectiva, é apresentado, em item específico desse capítulo, o princípio da precaução, que contribui para o entendimento da aplicação do princípio do risco mínimo regressivo, com a indispensável visão multidimensional do problema dos riscos.

Objetiva-se, ainda, harmonizar o preceito da indisponibilidade da saúde do trabalhador ao princípio do risco mínimo regressivo, uma vez que, além de ambos possuírem matriz constitucional, perfazendo um todo monolítico, a efetivação do primeiro na realidade concreta se materializa dentro dos parâmetros estabelecidos pelo segundo. O primeiro é categórico ao tratar a saúde do trabalhador como bem indisponível. O segundo exprime o consenso que a sociedade, em cada época, estabelece para o que são riscos aceitáveis para os seus trabalhadores em dado momento.

O preceito a que se refere o art. 7º, XXII, da Constituição, prescrevendo a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança", é um direito estrutural, encerra um princípio, qual seja que o risco de acidente de trabalho ou doença ocupacional deve decrescer com o avanço da tecnologia.

Esse entendimento é corroborado pelo art. 4º da Convenção n. 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, que estabelece que se deve: "[...] reduzir ao mínimo, na medida que por razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho".109

Pode-se dizer que o presente capítulo busca respostas para as seguintes indagações: Qual o limite da redução dos riscos à segurança e saúde do trabalhador? O empregador deve reduzir os riscos a zero ou é suficiente reduzi-los a limites toleráveis? Há critérios para a escolha de uma ou outra opção?

Nesse sentido, este capítulo dá continuidade à análise particularizada dos princípios específicos do direito tutelar da saúde e segurança do trabalhador. Para tanto, apresenta os riscos no meio ambiente de trabalho, discorre sobre a contribuição do princípio da precaução para o entendimento do princípio do risco mínimo regressivo, aborda os limites de tolerância sob a perspectiva do princípio do risco mínimo regressivo e, ao final, é realizada a aplicação prática do mencionado princípio.

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3.1. Os riscos no meio ambiente de trabalho

O meio ambiente de trabalho constitui-se em espaço de concretização das relações de trabalho. Na realidade, a noção de um locus onde se presta o trabalho requer uma necessária correlação entre a atividade desempenhada, as condições e as performances do trabalho, bem como sobre os riscos que podem ocasionar efeitos físicos, psíquicos e sociais sobre o trabalhador.

Em discurso proferido no dia 26 de abril de 2012, no Workeres Memorial Day, em Los Angeles, na Califórnia, o secretário do trabalho Hilda L. Solis asseverou: "Todos os dias nos Estados Unidos, 13 pessoas vão trabalhar e nunca mais voltam para casa. Todos os anos nos Estados Unidos, cerca de 4 milhões de pessoas sofrem uma lesão no local de trabalho em virtude da qual alguns podem nunca se recuperar. Estas são tragédias evitáveis. Elas desestruturam nossos trabalhadores, destroem nossa família e prejudicam a nossa economia. Os trabalhadores americanos não estão procurando por um almoço grátis. Eles estão procurando um bom pagamento para um dia de trabalho duro. Eles só querem ir trabalhar, sustentar suas famílias, e chegar em casa em segurança."110

Por seu turno, no Brasil, dados fornecidos pelo anuário estatístico do Ministério da Previdência Social e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que em 2009 foram registrados 723 mil acidentes de trabalho. Na avaliação de Alexandre Gusmão, editor do Anuário Brasileiro de Proteção, a retomada dos acidentes no país está ligada ao rápido crescimento da economia brasileira na última década. "Muitos postos de trabalho foram criados, o que expôs esses novos trabalhadores a situações de risco a que não estavam preparados".111 Atualmente, no Brasil, a cada dia, quase dois mil trabalhadores se acidentam, defendendo o pão da família. Desses, 43 não retornam mais ao trabalho, ou porque ficaram incapacitados para sempre, ou porque morreram. Em média, 7 pessoas perdem suas vidas por dia trabalhando.112

Os dados apresentados sobre acidentes de trabalho são alarmantes e suficientes para situar o leitor no assunto tratado, dispensando a abordagem da subnotificação, que trata de acidentes não contabilizados oficialmente, acerca da qual um estudo detido, certamente, nos revelaria números ainda mais assustadores.

Em vista disso, as situações descritas revelam a ocorrência de riscos no trabalho. Não é sem sentido que a ideia de risco se associa à possibilidade de exposição

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a um evento danoso ou a uma série de circunstâncias e situações que podem colocar em perigo a saúde e a vida dos trabalhadores, principalmente através do acontecimento infortunístico.

Aqui merece ser registrado que o risco advém de uma decisão humana, não indicando, por conseguinte, surpresa. Existe uma expectativa, mesmo que remota, que possa acontecer. Um exemplo disso são as atividades desenvolvidas na pavimentação, na qual os trabalhadores se expõem a emissões tóxicas de asfalto que são agentes químicos cancerígenos.113

Apesar de não ser muito explorado pela literatura, distingue-se o risco do perigo. Este último é atribuído a uma causa externa, evento ocasionado pela natureza, ausente a noção de opção. Claro que se tendo antecipadamente ciência do perigo de determinado desastre, a omissão em preveni-lo transforma-o em risco.114

O termo risco surgiu primeiramente no período de transição entre a Alta Idade Média e o início da Era Moderna. Apesar de a etimologia da palavra ser desconhecida, alguns suspeitam que ela seja de origem árabe. Documentos medievais fazem referência ao vocábulo e, após o advento da imprensa escrita, ele se tornou bastante usual na Itália e Espanha, principalmente na aplicação aos campos da navegação e do comércio marítimo.115

Decerto que o risco no trabalho está diretamente associado ao ambiente e ao tipo de atividade exercida. Observa-se, por conseguinte, que existe um processo de seletividade do risco, determinado prioritariamente por aqueles que possuem os meios de produção, levando-se em conta os componentes ambientais, como temperaturas elevadas, agentes físico-químicos, máquinas, a performance do trabalho e as próprias relações humanas estabelecidas no local de trabalho.

Cabe entender que os riscos no trabalho são associados, frequentemente, à tomada de medidas de segurança. Em certo modo, a determinação de patamares mínimos de exposição, como standards, níveis de tolerância, limites legais a agentes agressivos, tem como base o estabelecimento de mensuração do risco a que deve ser submetido o trabalhador e o próprio ambiente de trabalho.

Além do mais, adverte-se que somente a percepção global do meio ambiente do trabalho e a análise de todos os seus elementos oferece possibilidade de prevenção do infortúnio e eliminação ou pelo menos redução do risco do trabalho.

Portanto, a identificação do ambiente de trabalho constitui conditio sine qua non para o mapeamento dos riscos relacionados com uma atividade específica.

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Evidentemente que o risco ao qual está submetido um operário de uma usina nuclear toma forma diferente daquele a que está...

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