Princípio constitucional da ecodignidade pluralista: breve introdução aos caracteres do processo de etnodemocratização

AutorAntonio Armando Ulian do Lago Albuquerque
CargoDoutorado em Ciência Política pelo IESP/UERJ. Professor Efetivo da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Mestrado em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Possui graduação em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso
Páginas91-125
Rev. direitos fundam. democ., v. 24, n. 1, p. 91-125, jan./abr. 2019.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v24i11427
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ECODIGNIDADE PLURALISTA: BREVE
INTRODUÇÃO AOS CARACTERES DO PROCESSO DE ETNODEMOCRATIZAÇÃO
CONSTITUTIONAL PRINCIPLE OF THE PLURALISM ECODIGNITIY: BRIEF
INTRODUCTION TO THE ELEMENTS OF THE ETNODEMOCRATIZATION
PROCESS
Antonio Armando Ulian do Lago Albuquerque
Doutorado em Ciência Política pelo IESP/UERJ. Professor Efetivo da Universidade do
Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e da Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT). Mestrado em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina. Possui graduação em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso.
Resumo
O artigo estabelece uma abordagem bibliográfica de orientação
dedutiva dialogando, implicitamente, com as teorias democráticas
latino-americanas por constituírem um campo teórico discursivo que
leva a sério a diversidade cultural e a participação política índia. A
delimitação da teoria de fundo priorizou os conceitos de hegemonia
de Laclau e Mouffe (1987), multiculturalismo crítico de Mclaren
(1997), perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro (1996, 2018)
por considerá-los aptos a articular a formulação de caracteres que
contra-hegemonizam a interpretação homogênea não índia. As
categorias de análise (caracteres do processo de etnodemocratização
pluralista) elaboradas a partir da cosmogonia indianista favorece a
apreensão da compreensão contra-hegemônica tanto no âmbito
epistemológico como instrumentais-meios, por exemplo, o princípio
da ecodignidade pluralista, o orçamento participativo intercultural; os
mecanismos representativos-participativos interétnicos, o pluralismo
etnojurídico e a gestão compartilhada pluricultural. São esses
caracteres apresentados brevemente para a formação de agenda de
pesquisa e variáveis de análise a eles associados que favoreçam
avaliar os limites e as possibilidades do processo de
etnodemocratização pluralista que, em hipótese, está em curso no
País.
Palavras-chave: etnodemocracia pluralista, intepretação
constitucional, participação política índia, democracia latino-
americana, princípio constitucional.
ANTONIO ARMANDO ULIAN DO LAGO ALBUQUERQUE
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Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 24, n. 1, p. 91-125, jan/abr, de 2019.
Abstract
The article establishes a bibliographic approach of deductive
orientation, dialoguing implicitly, with Latin American democratic
theories because they constitute a discursive theoretical field that
exposes seriously the cultural diversity and indian political
participation. The delimitation of the background theory emphasized
the concepts of Laclau and Mouffe’s hegemony (1987), of Mclaren’s
critical multiculturalism (1997), amerindian perspectivism from
Viveiros de Castro (1996, 2018) because they considerate them able
to articulate the formulation of the elements against hegemonize the
non-Indian homogeneous interpretation. The categories of analysis
(elements of the process of ethnodemocratization pluralist) elaborated
from the indian cosmogony favors the apprehension of the against-
hegemonic understanding both in the epistemological scope and
instrumental means, for instance, the principle of pluralistic ecodignity,
the participatory intercultural budget; the inter-ethnic representative-
participatory mechanisms, ethno-juridical pluralism and the multi-
cultural shared management. There are these elements which are
briefly presented for the formation of a research agenda and analytical
variables which are associated to them in favor to evaluate of the
limits and the possibilities of the process about the pluralist ethno-
democratization that, in hypothesis, is currently under way in Brazil.
Key-words: pluralist ethnodemocracy, constitutional interpretation,
indian political participation, democracy Latin American, constitutional
principle.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os povos indígenas, não apenas, os negros também, têm sido menosprezados
quanto ao desenvolvimento de mecanismos para ampliar a sua representação política.
A Constituição garante a demarcação de terras indígenas e quilombolas, interpretada
em conjunto com a Convenção n. 169 da OIT autoriza processos autonômicos.
Entretanto, os direitos dos índios, formado pelo campo discursivo indianista, têm
sofrido constantes ataques das bancadas anti-indígenas devido os interesses de
setores sociais ávidos pela exploração dos recursos naturais em sua posse e usufruto.
Permanece a tensão discursiva entre dois campos de produção de sentidos sobre as
terras indígenas e as formas que os índios usufruem dos recursos naturais e bem
viver.
As adversidades e os obstáculos na afirmação dos direitos indígenas têm
colocado os índios em situação de resistência-protagonismo desde o processo de
colonização.
Recentemente, pós-constituinte brasileira, mobilizaram-se nas arenas públicas:
a) pleiteando a satisfação de direitos sonegados pelo estado, b) reivindicando o
reconhecimento de novos direitos, c) denunciando os empreendimentos particulares e
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ECODIGINIDADE PLURALISTA...
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Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 24, n. 1, p. 91-125, jan/abr, de 2019.
públicos sem prévia consulta às comunidades e d) modificando as instituições públicas
pluralizando-as a partir de elaboração de políticas plurais.
Os espaços participativos institucionais (conselhos e conferências nacionais) e
não institucionais (movimentos) além de produzirem esses efeitos também geram
campos discursivos que se contrapõem às elaborações de políticas públicas
homogêneas, ocasionando educação política e influenciando a pluralização dessas
políticas nas instituições democráticas.
Essa ampliação constitui-se de modo qualitativo porque se associa ao
interdiscurso
1, podendo transformar o modo como o estado atua e satisfaz as
reivindicações indianistas, porque mantém a tensão entre discursividades. Maiores
reivindicações de representação eleitoral e participação política nas arenas públicas
pelos índios ocasiona a luta pela hegemonia do campo discursivo indianista, aqui
denominada: processo de etnodemocratização pluralista2.
A alternativa ao desenvolvimentismo agronegocial e minerador, degradador
dos recursos naturais em terras indígenas, se constrói a partir de outro processo,
etnodesenvolvimentista, em que a diversidade cultural se torna o eixo principal do
planejamento socioeconômico dos países pós-coloniais. Trata-se de levar a sério, no
direito, as teorias que deslocam o campo de discurso da produção do político e das leis
a partir da homogeneidade para a heterogeneidade tensionada da produção de
sentidos. O multiculturalismo crítico3 de Mclaren (1997) e o conceito de hegemonia de
Laclau e Mouffe (1987) orientam este artigo como fundo teórico, porque permite a
análise discursiva do sistema normativo constitucional pós-colonial a partir da
cosmogonia indianista, um paradigma ético ecocêntrico associado à diversidade
cultural, modelo aqui denominado de “princípio da ecodignidade pluralista”.
A diversidade para o multiculturalismo crítico não consiste em uma meta, mas
deve ser afirmada enquanto política crítica comprometida com a justiça social4 e
1 Interdiscurso pode ser definido como um conjunto de discursos derivados de um mesmo campo
discursivo ou de campos diferentes a produzir sentidos. Ver Orlandi (1997).
2 Processo de etnodemocratização significa que o estado brasileiro, vagarosamente, por meio da
atuação dos povos indígenas na arena pública tem a) reconhecido inovações democráticas
participativas indígenas; b) incluído nas instituições democráticas alterações que subsidiem satisfazer as
demandas índias e c) promovido políticas públicas heterogêneas.
3 “[...] representação de raça, classe e gênero como o resultado de lutas sociais mais amplas sobre
signos e significações e, neste sentido, enfatiza não apenas o jogo textual e o deslocamento metafórico
como forma de resistência, mas enfatiza a tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e
institucionais nas quais os significados são gerados.” (MCLAREN, 1999, p. 68)
4 Por justiça social, Neves (2001, p. 331), compreende “os modelos normativos de avaliação do
tratamento consistente e adequadamente complexo da diferença 'igual/desigual', que são construídos
com a pretensão de universalidade no plano da observação de segunda ordem do sistema jurídico. Por

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