A Prática Desportiva de Menores e o 'Contrato de Trabalho de Formação Desportiva

AutorRafael Teixeira Ramos
CargoMestrado em Ciências Jurídico-Laborais e Desportivas, pós-graduação em Direito do Desporto Profissional
Páginas95-111

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Ver nota 1

Introdução

A profissionalização da prática desportiva de alto rendimento engendrou um segmento específico na atividade desportiva. Por iniciativa das instituições de organização do desporto, foram criadas, ordenadas e regulamentadas as estruturas e competições das denominadas "categorias de base", onde reside o seio nuclear da formação desportiva de atletas, preparo para o patamar competitivo principal - competição profissional, meio de expressão máxima do trabalho desportivo.

Em conformidade com o art. 217, II e III, CF/88 e com os arts. 3º, IV, 29 e 29-A, Lei Pelé (várias leis modificadoras),2 é mister a distinção entre a formação esportiva do cidadão e a formação desportiva profissional do atleta. Aquela deve ser realizada mediante a inserção do desporto na escola e a sua prática orientada para uma vida de cidadania e utilização do esporte como auxílio da educação humana básica, cidadã. A

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outra não deixa de abranger os aspectos educacionais basilares, porém, vai mais adiante, proporcionando o treinamento específico do indivíduo para exercer a atividade desportiva como profissão.

A nossa legislação acerca da prática desportiva de formação possui como epicentro a modalidade futebol, pois é perceptível nos arts. 29 e 29-A da Lei n. 9.615/1998 que as disposições legais presentes levam em consideração os pormenores do mundo do futebol, com vasta dificuldade de aplicação em outras modalidades desportivas.

A legislação nacional detém carga de influência mútua com a Lei n. 28/1998 do ordenamento português, que prescreve, em seus arts. 31º a 39º, a regulamentação do contrato de formação dos atletas daquele país.

Outra nótula muito importante é que a formação desportiva profissional não se confunde com o trabalho desportivo do menor, já que a Lei Pelé (9.615/1998 e alterações) descreve como idade mínima para a prática desportiva profissional dezesseis (16) anos, tanto no caput do art. 28-A, referente aos atletas profissionais autônomos, como no art. 44, III, afeto aos atletas profissionais empregados.3

A fim de delimitar e explorar resumidamente a temática, aborda-se particularmente a formação/aprendizagem desportiva profissional dos atletas, atendendo à especificidade da matéria e as suas abordagens peculiares ao contrato de formação desportiva (art. 29 da Lei Pelé) e o mecanismo de solidariedade (art. 29-A da Lei Pelé), restando de fora o âmbito geral do trabalho desportivo do menor, abordagem reservada a outro texto jurídico, por requerer atenção diferente e outro tipo de estudo.

1. Regulamentação e especificidade do contrato de formação/aprendizagem desportiva no Brasil

A prática desportiva das categorias de base surge no bojo do sistema federativo desportivo, sob os auspícios do associativismo, que no caso do esporte são organizações civis integralizadas no âmbito nacional e internacional com uma constituição orgânica privada de dimensões sem precedentes.4

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A partir dessa complexa organização transcendente de fronteiras soberanas, cada sistema federativo associativo normatiza as suas categorias não profissionais de acordo com parâmetros de idade para as suas respectivas modalidades. Estas matérias de interesses são permitidas pelo Estado com fulcro na liberdade de associação (art. 5º, XVII a XXI, CF/88), como uma margem para conferir maior liberalidade aos movimentos associados do desporto, no intuito de demonstrar que ao Estado cabem outros assuntos mais relevantes e urgentes.5

Expõe-se o exemplo da modalidade futebol, de acordo com o Estatuto e Regulamento de Transferência de Jogadores da FIFA6 (arts. 19 e 1 do seu anexo 5)7, que prevê a idade mínima de inscrição e registro de atletas menores não profissionais nas federações a partir dos doze (12) anos de idade, tempo em que começa a decorrer a contagem periódica do mecanismo de solidariedade, instituto jurídico-desportivo de compensação financeira do clube formador do atleta (art. 29-A, Lei Pelé e art. 98 da Lei Geral do Desporto Brasileiro em tramitação no Congresso Nacional). Contudo, ressalte-se que os clubes de futebol no Brasil, costumeiramente ou em ressonância de seus estatutos, realizam as escolinhas de categorias de base desde os sete (7) anos de idade (modalidade fraldinha - dos 7 aos 9 anos de idade do indivíduo).

Não significa que as entidades desportivas (de prática e de administração) estejam livres para exercitar crimes, exploração do trabalho humano etc., ao contrário, o movimento associativo desportivo deve sempre respeitar as normas do ordenamento jurídico interno e internacional, embora seja inegável que a força desportiva organizacional que rompe fronteiras e se rege de maneira globalizada criando um verdadeiro sistema normativo global privado, muitas vezes atue no limiar do ordenamento jurídico, por vezes até mesmo em espaços lacunosos, proporcionando o fenômeno da necessidade estatal de regulamentação jurídica de certas atividades desportivas, como é o caso da formação profissional desportiva com gênese na prática desportiva de menores.8

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Desse prisma se extrai a especificidade jusdesportiva9 da "formação profissional de atletas menores". O Estado reconhece a importância da proteção dos menores que se encaminham para uma carreira desportiva profissional, dotada de uma social relevância, na qual se faz necessária a regulamentação por parte do ordenamento jurídico.

No Brasil, essa regulamentação, em consonância com a Carta Extraordinária (arts. 7º, XXXIII usque 227, § 3º, I), realiza-se por via do art. 29 da Lei Pelé (9.615/1998 e alterações), sem violação à ordem jurídica nacional e aos tratados que visam o reforço dos direitos humanos.

Vislumbre-se que a normatização do art. 29 da Lei Pelé resguarda a preparação específica para a profissionalização atlética, sem descurar das obrigações sociais do desenvolvimento humano do indivíduo com uma série de exigências mínimas para prática de tal finalidade e sem a instituição de vínculo trabalhista (empregatício ou outros), regendo-se em sintonia com os dispositivos constitucionais que só permitem trabalho de aprendizagem e o trabalho educativo a partir de quatorze (14) anos de idade, arts. 428 a 433 da CLT, art. 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990).10

Portanto, não se confunde o contrato de formação/aprendizagem desportiva com o contrato de aprendizagem do diploma celetista, pois ambos são completamente distintos em suas naturezas jurídicas. O primeiro salvaguarda a preparação profissional desportiva sem vínculo empregatício, devendo contemplar obrigações sociais gerais, inseridas nessas a gravitação da prática desportiva, possui o fim de maior proteção quanto ao englobamento dos direitos dos menores em que se referencia o preparo para prática desportiva profissional, mas esta não deve ser de caráter centralizador e excessivo. Já no sistema aprendiz da CLT, a atividade central é a profissionalização, em que as exigências obrigacionais são mais rígidas e perfilam uma conformação com as outras obrigações devidas aos menores pelo Estado e sociedade.11

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Nessa estrutura, o instituto formação desportiva/aprendizagem desportiva é dotado de posição diferenciada, peculiar (fenômeno da especificidade desportiva) em nosso ordenamento, uma vez que as suas partículas naturais se distanciam do contrato de aprendizagem celetista e se assemelham mais ao trabalho educativo (art. 68 da Lei n. 8.069/1990), ao serviço voluntário (Lei n. 9.608/1998) e à atividade do estagiário (Lei n. 11.788/1908).12

Concisamente, respeitados os entendimentos em contraposição, partindo do art. 29 da Lei Pelé, norma federal de caráter especial, se exercido minuciosamente em seus contornos legais, entende-se este dispositivo consentâneo com a Constituição e com o que melhor se coaduna ao entendimento da realidade social geral e do segmento desportivo, tão complexo e de dimensões universais singulares. Porém, é importantíssimo ressalvar que se o piso legal mínimo das obrigações for infringido, caracterizará fraude ao instituto.

2. Prática desportiva de atletas menores

A prática desportiva de menores, exercida nas categorias de base, não se confunde com a atividade de formação desportiva, realizada por meio de contrato de formação e somente a partir dos quatorze anos de idade. Essa distinção é importante, pois em pertinência ao redigido alhures, a idade mínima para a prática do desporto em clubes inicia bem mais cedo, entre os nove e doze anos de idade.

Com efeito, na atividade de trabalho de formação desportiva, além de todos os outros requisitos pormenorizados, o mais importante deles é a idade mínima de quatorze anos, diferenciando-se das demais práticas desportivas de menores com idade abaixo da faixa etária descrita.

Todavia, vale ressalvar os atletas com idade superior a quatorze anos que continuam exercendo a atividade de maneira totalmente recreativa, sem deter contrato de formação desportiva, ou seja, o atleta pode estar em idade de formação desportiva, mas por opção

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própria, do clube ou de ambos, não firmaram o regime de aprendizagem/formação desportiva, preparo para tornar-se jogador profissional. Verifique-se:

07 a 09 anos de idade Fraldinha
10 a 11 anos de idade Dente de leite
11 a 12 anos de idade Pré-mirim
12 a 13 anos de idade Mirim
14 a 15 anos de idade Infantil
15 a 16 anos de idade Infanto-juvenil
17 a 18 anos de idade Juvenil
17 a 20 anos de idade Júnior

Diante do quadro acima, curioso notar que em...

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