A possibilidade da cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade à luz do direito do trabalho constitucionalizado

AutorCláudio Jannotti da Rocha - Ailana Santos Ribeiro
Páginas17-31

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Estou de volta pro meu aconchego. Trazendo na mala bastante saudade. Querendo um sorriso sincero, um abraço, para aliviar meu cansaço. E toda essa minha vontade.

Elba Ramalho

1. Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade da cumulação do adicionais de periculosidade e de insalubridade, mediante interpretação constitucional do Direito do Trabalho. Sendo assim, o tema ora exposto encontra-se interligado diretamente à saúde e segurança no local de trabalho - um dos pontos cruciais deste ramo jurídico especializado.

Destaca-se ainda que a saúde e a segurança são temas que se encontram relacionados direta e implicitamente à própria existência do Direito do Trabalho, tendo em vista as condições deploráveis que os trabalhadores viveram nos séculos XVIII e XIX, que acarretaram um número alarmante de acidente de trabalho.

Portanto, falar em saúde e segurança significa discorrer também sobre as fontes materiais, fatores propulsores ao próprio desenvolvimento e sedimentação do ramo juslaborativo, tanto no espectro nacional, como no internacional.

Daí, a sua extrema relevância no cenário jurídico e social no qual estão inseridas as relações trabalhistas.

De fato, o Direito do Trabalho emergiu no século XX, como um produto do sistema capitalista, pelo Estado Social, estando, por isso, intimamente ligado à linha evolutiva do sistema de produção industrial e do próprio capitalismo. Assim, conforme leciona Mauricio Godinho Delgado , a relação empregatícia, objeto nuclear do direito laboral, torna-se perceptível exatamente ao longo do movimento de eclosão e expansão da Revolução Industrial (séculos XVII e XVIII), com a vinculação da mão de obra livre ao sistema produtivo capitalista que se buscava consolidar.

Conforme ensina Jorge Luiz Souto Maior: Os Direitos Sociais (Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, com inserção nas Constituições), constituem a fórmula criada para desenvolver o que se convencionou chamar de capitalismo socialmente responsável.

O Estado Social de Direito é fruto do constitucionalismo social, iniciado no México (1917) e na Alemanha (1919), quando foram criados direitos sociais (trabalho, saúde, educação, alimentação, habitação e outros) com patamar constitucional. Logo depois, outros países, principalmente os ocidentais, passaram a constitucionalizar os direitos sociais inspirados nesses dois países. Essa modalidade estatal é capitaneada justamente pelo Direito do Trabalho.

Leciona Mauricio Godinho Delgado que o processo de formação e consolidação da relação empregatícia, moldado pelo que denomina de sistema da grande indústria, serviu à conjuntura econômica defiagrada com a Revolução Industrial. Isso porque, ao combinar liberdade pessoal com subordinação, foi peça indispensável para potencializar, ao máximo, não só a inteligência produtiva, sistematizada e objetivada do ser humano, como a produtividade do trabalho ao longo dos últimos dois séculos e meio.

No entanto, em prol de uma produtivi-dade acelerada e de um insaciável desejo de lucratividade pelos grandes empresários industriais, nenhuma atenção era destinada aos trabalhadores que, reduzidos à condição de meros operadores de máquinas, a essas eram preteridos. Como consequência, investia-se

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todo o capital na aquisição de um maquinário produtivamente potente, destinando-se apenas o mínimo ao trabalhador, alvo de salários ínfimos e condições de trabalho aviltantes.

Ao se adentrar nas fábricas, que fomentavam a Revolução Industrial, era inevitável deparar-se com crianças, mulheres e homens (os dois primeiros as preferências1) despejados num galpão sujo, onde realizavam movimentos repetitivos exaustivamente, ao longo de jornadas intermináveis. E em meio à total ausência de segurança na realização de suas atividades, as jornadas extenuantes, o cansaço físico e mental decorrentes da pressão patronal por produtividade, drásticos acidentes, contaminação por doenças infecciosas e mortes eram acontecimentos corriqueiros no ambiente fabril.

Em contraposição à perpetuação desse cenário altamente perigoso e insalubre é que, conforme leciona Sebastião Geraldo de Oliveira, foi desenvolvida a Medicina do Trabalho, incialmente restrita a uma atuação apta a restaurar a produtividade dos trabalhadores doentes. Esse modus operandi dos médicos do trabalho, inclinado muito mais a atender a um interesse patronal do que ao próprio trabalhador, permaneceu evidente até início do século XX, quando uma produção normativa de caráter preventivo passou a ser defendida pela então recém-fundada Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com isso, as atenções da Medicina do Trabalho deixaram de concentrar-se apenas no doente e o trabalhador passou a ser percebido e compreendido como uma espécie de vítima em potencial, cuja saúde e integridade física deveriam ser constantemente protegidas.

Conforme leciona Sebastião Geraldo de Oliveira:

O incremento da produção em série, após a Revolução Industrial, deixou à mostra a fragilidade do trabalhador na luta desleal com a máquina, fazendo crescer assustadoramente o número de mortos, mutilados, doentes, órfãos e viúvas. Nesse período é que surgiu a etapa da "Medicina do Trabalho", cuja característica principal foi a colocação de um médico no interior da empresa para atender ao trabalhador doente e manter produtiva a mão de obra. Surgiram também as primeiras leis a respeito do acidente do trabalho, primeiramente na Alemanha, em 1884, estendendo-se a vários países da Europa nos anos seguintes, até chegar ao Brasil, por intermédio do Decreto Legislativo n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919. A criação da Organização Internacional do Trabalho - OIT - pelo Tratado de Versailles incrementou a produção das normas preventivas, tanto que, já na sua primeira reunião no ano de 1919, foram adotadas seis convenções, que direta ou indiretamente visavam à proteção da saúde, bem-estar e integridade física dos trabalhadores, porquanto tratavam da limitação da jornada, desemprego, proteção à maternidade, trabalho noturno das mulheres, idade mínima para admissão de crianças e trabalho noturno dos menores. Contudo, a seara da Medicina do Trabalho apenas foi fortalecida e elastecida em meados do século XX, quando se iniciou a fase da Saúde Ocupacional, caracterizada por um atendimento médico voltado às origens dos problemas de saúde suportados pela classe obreira. No Brasil, conforme realça Sebastião Geraldo de Oliveira nesse mesmo período, o conceito de saúde foi ampliado com a criação da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1946, e o Brasil ampliou as normas de segurança e medicina do trabalho, instituindo os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT - e as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes - CIPA.

Em 1977, foi então editada a Lei n. 6.514, responsável por inserir alterações no Capítulo V, do Título II da CLT, que trata "Da Segurança

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e da Medicina do Trabalho". Dentre as diversas inovações e regulamentações advindas de tal lei, todas elas com o condão de atenuar a exposição do trabalhador aos riscos inerentes às atividades por ele desenvolvidas, ganharam relevo no ordenamento jurídico brasileiro as figuras do adicional de insalubridade e do adicional de periculosidade.

Desde então, apesar de previstos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) como direitos do trabalhador, o dever de eliminação ou redução dos agentes perigosos e insalubres pelos empregadores tornaram-se a grande expressão do intuito protetivo à saúde e segurança do trabalhador.

A seguir, os aspectos jurídicos atinentes a cada um desses adicionais serão abordados em apartado, para que, passando-se pela aplicação pelos tribunais trabalhistas ao longo dos últimos anos, seja possível compreender os fundamentos fáticos e jurídicos que ensejaram o fortalecimento do recente posicionamento favorável à cumulação dos referidos adicionais.

Por fim, buscar-se-á demonstrar a relevância e o progresso jurídico e, precipuamente, social emanado desse novo entendimento (principalmente pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho), que se mostra fiel ao caráter teleológico, civilizatório, democrático e, sobretudo, constitucional, ínsitos ao Direito do Trabalho.

2. Dos aspectos jurídicos do adicional de insalubridade e do adicional de periculosidade
2.1. O adicional de insalubridade

A palavra insalubre, do latim insalubris, numa visão genérica e perfunctória, consiste em qualidade apta a caracterizar tudo aquilo que é pouco saudável, capaz de causar doenças.

No âmbito jurídico, no entanto, esse conceito foi aprimorado e, de certa forma, estreitado pelo art. 189 da CLT, que ao definir o que são, para ? ns legais, atividades insalubres, assim dispõe:

Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

Aportando-se no aludido dispositivo e combinando-o com art. 190 do mesmo diploma legal, Alice Monteiro de Barros conceitua as atividades ou operações insalubres como aquelas definidas em quadro aprovado pelo Ministério do Trabalho, que pela natureza, condições ou métodos de...

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