Ensino jurídico e pós-graduação no Brasil: as razões pelas quais o direito não é uma racionalidade instrumental

AutorLenio Luiz Streck
CargoDoutor e Pós-Doutor em Direito. Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos, Rio Grande do Sul, Brasil. Professor visitante/colaborador da Unesa, da Universidade Javeriana (Bogotá), Universidade Roma TRE (Itália) e Universidade de Coimbra (PT). Pesquisador da Universidade de Deusto (ES). Presidente de Honra do ...
Páginas5-19

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ENSINO JURÍDICO E PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL: DAS RAZÕES PELAS QUAIS O DIREITO NÃO É UMA RACIONALIDADE INSTRUMENTAL

LEGAL EDUCATI ON AND POST GRADUATI ON COURSES I N BRAZI L: THE REASONS WHY LAW I S NOT AN I NSTRUMENTAL RATI ONALI TY

ENSEÑANZA JURÍ DI CA Y POSGRADO EN BRASI L: DE LAS RAZONES POR LAS CUALES EL DERECHO NO ES UNA RACI ONALI DAD I NSTRUMENTAL

Lenio Luiz St reck1RESUMO

Há alguns anos, se vem t ent ando im plant ar o Mest rado Prof‌issionalizant e no Direit o. Os argum ent os favoráveis a est a m odalidade de m est rado est ão principalm ent e fundados na necessidade de se form ar m ais m est res no Brasil. Assim , o obj et ivo dest e art igo é enfrent ar os argum ent os favoráveis à criação do Mest rado Prof‌i ssionalizant e para a área do Direit o, especialm ent e dem onst rando com o a discussão sobre est e t em a t em passado ao largo da validade de sua im plem ent ação em um cont ext o m arcado pela busca de um ensino j urídico crít ico, consoant e com o Est ado Dem ocrát ico de Direit o.

PALAVRAS- CH AVE: Mest rado Prof‌i ssionalizant e. Mest rado Acadêm ico. Ensino Jurídico.

ABSTRACT

A few years ago, t here were at t em pt s t o int roduce a Professional Mast er’s degree in Law. The argum ent s in favor of t his t ype of Mast er’s degree are based m ainly on t he need for m ore professionals t rained t o t his level, in Brazil. This paper addresses t he argum ent s for t he creat ion of t he Professional Mast er’s degree in t he area of Law, showing, in part icular, how t he discussion on t his t opic has m oved away from validit y of int roducing t his course, in a cont ext m arked by t he pursuit of a crit ical legal educat ion t hat is consist ent wit h t he dem ocrat ic Rule of Law.

KEY W ORDS: Professional Mast er’s degree. Academ ic Mast er. Legal Educat ion.

RESUMEN

Desde hace algunos años se viene int ent ando im plant ar la Maest ría Profesionalizant e en Derecho. Los argum ent os favorables a est a m odalidad de m aest ría est án principalm ent e fundados en la necesidad de

1 Dout or e Pós- Dout or em Direit o. Professor Tit ular do Program a de Pós- Graduação em Direit o da Unisinos, Rio Grande do Sul, Brasil. Professor visit ant e/ colaborador da Unesa, da Universidade Javeriana ( Bogotá) , Universidade Rom a TRE ( I tália) e Universidade de Coim bra ( PT) . Pesquisador da Universidade de Deust o ( ES) . President e de Honra do I nst it ut o de Herm enêut ica Jurídica. Mem bro da Academ ia Brasileira de Direit o Const it ucional. Mem bro Perm anent e da Com issão de Est udos Const it ucionais do I AB – I nst it ut o dos Advogados do Brasil. Procurador de Just iça/ RS. Professor Tit ular do Program a de Pós- Graduação em Direit o da Unisinos, Rio Grande do Sul, Brasil. E- m ail: lenios@globo.com .

Revist a Alcance - Elet rônica, Vol. 16 - n. 1 - p. 05- 19 / j an-abr 2011

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ISSN Eletrônico 2175-0491

form ar m ás m ast eres en Brasil. De est a m anera, el obj et ivo de est e art ículo es enfrent ar los argum ent os favorables a la creación de la Maest ría Profesionalizant e para el área de Derecho, especialm ent e dem ost rando com o la discusión sobre est e t em a ha pasado de largo por la validez de su im plem ent ación en un cont ext o m arcado por la búsqueda de una enseñanza j urídica crít ica, en consonancia con el Est ado Dem ocrát ico de Derecho.

PALABRAS CLAVE: Maest ría Profesionalizant e. Maest ría Académ ica. Enseñanza Jurídica.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES: O ENCAMINHAMENTO DO TEMA

Já há alguns anos, set ores do ensino da pós- graduação em direit o t ent am im plant ar o m est rado prof‌issionalizant e ( MP) em t errae brasilis. Ainda não houve – ao m enos at é j ulho de 2011 – a aprovação de um curso nessa m odalidade. No últ im o t riênio, a t ese foi reavivada, agora com apoio de docent es no seio do CONPEDI .

De pront o, cabe ressalt ar que a im plant ação dos MP’s pode at é represent ar um increm ent o na form ação de m est res na área j urídica ( pret ensão não confessada explicit am ent e na t ese favorável aos MP’s) . Ent ret ant o esse não deve ser o pont o de est ofo da discussão acerca da validade da im plantação desse tipo de form ação na pós-graduação stricto sensu. Para ser m ais sim ples e objetivo: se necessit am os form ar m ais m est res em direit o, vam os enfrent ar esse problem a de frent e e não t ergiversar por m eio da form ação de m est res prof‌i ssionais, cuj os professores nem necessit am t er, na sua m aioria, form ação dout oral.

Ou sej a, se o núm ero de vagas oferecidas fosse o problem a, bast aria que se aut orizassem os at uais program as a aum ent arem aquelas oferecidas ano a ano, alt erando, por exem plo, a relação “ ideal” ( indicat ivo “ Muit o Bom ” no docum ent o de área) de um professor para seis alunos para um a relação m ais elást ica ( um docent e para oit o ou nove alunos) . Obviam ent e, esse deve ser um dos aspect os a ser enfrent ado na discussão do m érit o acerca da validade dos MP’s para área do direit o nest a quadra do t em po.

As teses favoráveis à criação dos MP’s não enfrentam o ponto central do ensino da pós-graduação. Ou seja, os defensores do MP não se perguntam acerca do efetivo papel da pós-graduação em um país com o o Brasil, cuj a Const it uição recém com plet a 22 anos. Lam ent avelm ent e, no m om ent o em que a área do direit o deve apost ar no aprofundam ent o do processo ref‌l exivo, buscando a reconst rução da história institucional do direito, assim com o as condições de possibilidade do saber jurídico (superação do posit ivism o, discussão da aut onom ia do direit o, a relação direit o- m oral, o problem a da decisão j udicial no plano da dem ocracia cont em porânea) , a propost a dos MP’s apont a para o lado cont rário, ist o é, apont a em direção daquilo que incessant em ent e os set ores m ais ref‌l exivos da ciência j urídica busca( ra) m superar: a quest ão de que o direit o não é um a racionalidade inst rum ent al.

Dito de outro m odo: a partir do segundo pós-guerra, a feição do direito foi alterada profundam ente. Esse direit o – que se pode denom inar de pós- bélico – assum iu um a facet a de t ransform ação da sociedade, diferentem ente da função de m era reprodução dos interesses das cam adas que dom ina(va) m as relações sociais. Aliás, não m e parece que haj a um docent e de pós- graduação que possa negar essa af‌i rm ação nos dias de hoj e.

Ex p lican d o m elh or : n ão é p or acaso q u e a Con st it u ição d o Br asil, n a est eir a d esse Const it ucionalism o Com prom issório exsurgent e do segundo pós- guerra, deixa claro o papel do direit o, ao est abelecer que o Brasil é um a República que visa erradicar a pobreza, fazer j ust iça social, reduzir as desigualdades, et c. O que quero deixar claro desde logo é que esse papel de t ransform ação do direit o f‌i ca de lado nas propost as dos defensores do MP.

Out ro assunt o que f‌ica – deliberadam ent e ou não – de fora das t eses a favor do Mest rado Prof‌i ssionalizant e: o m est re prof‌i ssional est ará habilit ado a exercer o m agist ério? Essa é a pergunt a que não quer calar. Ora, se a Lei não est abelece qualquer proibição, parece claro que o port ador do diplom a de m est re prof‌issional poderá ser professor universit ário, nas m esm as condições do m est re acadêm ico. I ncongruent e? Talvez. Juridicam ent e, ent ret ant o, possível. São, por assim dizer, os efeit os colat erais de um a event ual im plant ação dos MP’s. Regist re- se que essa discussão t am bém

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não aparece no referido est udo. Feit as essas breves considerações, algum as j á com a nít ida função de “ prelim inares de m érit o”, eis os pont os principais do est udo em t ela.

1 OS PONTOS CENTRAIS DOS ESTUDOS A FAVOR DA IMPLANTAÇÃO DO MESTRADO PROFISSIONALIZANTE E A SUA NECESSÁRIA CONTESTAÇÃO

1.1 Incorporar o senso comum ou superá-lo?

O principal est udo a favor do Mest rado Prof‌i ssionalizant e é subscrit o por Rogério Gest a Leal, em t ext o publicado pelo CONPEDI , sob o t ít ulo: “A Pós- Graduação Prof‌issional e Acadêm ica no Brasil: not as e perspect ivas. Em const rução”.2O t ext o inicia cit ando Aurelio Vander Bast os, em ant iga ref‌l exão feit a nos prim órdios da pós- graduação:

As polít icas de incent ivo à pesquisa foram sem pre m uit o frágeis, com evident es efeit os na elaboração das t eses, det er m inando que elas seguissem caract er íst icas essencialm ent e dissert at ivas e bibliográf‌i cas, sem um a vocação perquiridora ou crít ica m ais profunda. Por out ro lado, as t eses de Mest rado, que, em princípio, deveriam ser de nat ureza m onográf‌i ca, não conseguiram desvincular- se, para fort alecer a t ese de Dout orado de pesquisa, da dissert ação discursiva e bibliográf‌ica, que, da m esm a form a, m ant eve- se com o m odelo das t eses de Doutorado, que não conseguiram , salvo exceções, se consolidar com o tese de pesquisa, produzidas dent ro de um a form ação cient íf‌i ca e não m eram ent e dogm át ica ( posit ivist a) .3( grifei)

Na sequência, Gest a Leal rat if‌i ca a crít ica de Vander Bast os, acrescent ando:

I nevit avelm ent e est e m odelo de pós- graduação em Direit o t am bém im plica sérias conseqüências no âm bito da form atação da própria graduação, eis que há certo controle ou m onitoram ento sobre a propost a cont eudíst ica dos cursos, quase t odos herm ét icos e enclausurados em disciplinas ou conj unt os de disciplinas de áreas dogm át icas, não perm it indo a necessária m obilidade dos pesquisadores/ est udant es para t em as ou áreas m ult idisciplinares. As dissert ações e t eses result ant es daí se af‌i guram com o grandes pet ições repet idoras de post uras t ediosas que out ros aut ores j á repet iram , de out ros aut ores que j á repet iram ,...

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