Poesia e existência

AutorWladimir Antônio da Costa Garcia
Páginas140-147
POESIA E EXISTÊNCIA
Wladimir Garcia
Temas como aquilo que há; o ser na sua singularidade (independentemente dos
seus atributos ou das contingências); a relação entre escolha, necessidade e acaso; a
relação entre possibilidade e impossibilidade (ou mesmo possíveis impossibilidades); e,
por fim, neste ensaio, a relação entre caos e sistemas de ordem, sempre estiveram
presentes, tanto na criação lírica como na reflexão filosófica. Logo, a existência não é
privilégio do existencialismo. A noção de existência forma-se a partir daqueles temas:
ela é secundária em relação aos pensamentos que a determinam. Trata-se, portanto, de
uma “longa história, esta do sentido da existência” (DELEUZE, 1985). Desde o
pensamento que se forma de uma culpa, desde o ressentimento e da vingança em torno
da injustiça permanente do devir (quando a existência torna-se modificada pelos
predicados, ou seja, niilista), à negação do todo e à absolvição da existência pela sua
inocência (isto é, a afirmação do devir, o eterno retorno do ser do devir, etc.), a noção
de existência se desdobra. Sendo assim, o título deste trabalho, ao suspender aqueles
sentidos estabelecidos, busca capturar a existência desde a potencialidade de suas
relações com as configurações do poético.
D. H. Lawrence, em Caos em Poesia, texto de 1928 1, estabelece o plano de
imanência do caos como substância sempre emergente, estranha ao ser, ao mesmo
tempo que está interiorizada no seu mistério e nos seus segredos, na forma de cosmos
mental. Portanto, o caos habita o interior de um plano de imanência, como a sua mais
interna exterioridade. A poesia para Lawrence alimenta-se desta substância caótica cuja
marca é a instabilidade livre e não determinada. Ela, enquanto máquina rítmica, recorta
o caos. Este caos é aceso por meio do olhar, por meio do enfrentamento insuportável
para o homem, o qual, quer pela suas necessidades de controle, quer pelas necessidades
de sobrevivência no convencional, tende a abrir guarda-sóis, até que o poeta — até que
a criação enquanto heterogênese — volte a realizar, tal como Lúcio Fontana, a seu
modo, em seus experimentos espaciais multidimensionais, rasgões no toldo que o
protege do sol (ainda que novos remendos venham a ser feitos). A história da poesia na
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1 Texto escrito em 1928, publicado primeiramente em Exchanges, 1929. Tradução nossa.
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