Os poderes do conselho de administracao para impor medidas defensivas contra ofertas hostis no direito comparado e na legislação brasileira

AutorClarissa Figueiredo de Souza Freitas
Páginas127-141

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1. Introdução

Takeovers são operações mediante as quais um indivíduo ou companhia (pfertanté) adquire a totalidade ou a maioria das ações de outra companhia {companhia-alvo ou companhia ofertada ou companhia visada), obtendo, em consequência, o seu controle. Um takeover envolve, assim, não apenas uma transferência de ações, mas a efetiva alteração do titular do controle acionário de uma companhia.1

Existem duas situações nas quais um takeover pode ocorrer, dependendo do nível de dispersão acionária da companhia ofertada.

O primeiro cenário ocorre quando é possível identificar na companhia visada um acionista controlador. Nesta situação, a transferência de controle dá-se mediante uma negociação privada entre o atual titular do controle da companhia e o ofertante.

O segundo cenário, por sua vez, ocorre quando o capital da companhia ofertada está tão disperso no mercado que o controle da mesma é exercido por seus administradores. Nesta situação, em que não é possível identificar a figura do acionista controlador, o ofertante que desejar adquirir o controle da companhia deverá dirigir-se diretamente à generalidade dos acionistas, por meio de uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) para aquisição de controle de companhia aberta. Quando a referida oferta é feita com a anuência da administração da companhia, trata-se de um takeover ou oferta amigável. Contrariamente, quando a oferta é feita sem a anuência de tais administradores, diz-se que o takeover ou oferta é hostil.

O poder de controle das companhias abertas brasileiras sempre se caracterizou por ser extremamente concentrado. Com efeito, o controle totalitário ou majoritário, em que um único ou um pequeno grupo de acionistas é titular da maioria das ações de uma companhia, tem sido a estrutura prevalecente entre nós.

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Contudo, com a modernização do mercado de capitais brasileiro, algumas companhias, impulsionadas por movimentos de adoção de melhores práticas de governança corporativa, decidiram dispersar ou pulverizar sua estrutura de controle acionário, o que ocasionou o aumento de ofertas hostis em nosso mercado, uma vez que a dispersão, muitas vezes, acarreta o desaparecimento da figura do acionista controlador. Além disso, tais companhias introduziram em seus estatutos medidas defensivas, que ficaram conhecidas no Brasil como poison pills.

Considerando-se que o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro venha a impulsionar outras companhias a adotar estruturas que facilitem a pulverização do capital, é bastante provável que a ocorrência ofertas hostis venha a crescer no Brasil.

Desta forma, consideramos extremamente importante que a legislação brasileira esteja preparada para enfrentar todas as questões legais e regulamentares que o incremento do número de ofertas hostis possa trazer ao nosso mercado, nomeadamente no que se refere à adoção de medidas defensivas pelas companhias brasileiras.

Assim, o propósito deste trabalho será o de analisar as regras brasileiras existentes sobre ofertas hostis, bem como a necessidade de implementar-se alterações na referida legislação. Para tanto, analisaremos como é feita a regulação de ofertas hostis no Direito Comparado, nomeadamente nos Estados Unidos da América ("EUA") e no Reino Unido, países nos quais a maioria das companhias possui um elevado nível de dispersão acioná-ria e, consequentemente, onde ocorre o maior número de ofertas hostis no mundo.

2. A regulação das ofertas hostis no Reino Unido e nos Estados Unidos

O movimento de dispersão de capital e adoção de medidas defensivas pelo mercado brasileiro foi claramente inspirado nos modelos inglês e norte-americano, cujas companhias abertas caracterizam-se, em sua maioria, pela elevada dispersão acionária e, em consequência, verifica-se em tais mercados um alto número de ofertas hostis.

Apesar da semelhança de seus mercados e da estrutura de suas companhias, a regulação das operações de takeovers no Reino Unido e nos Estados Unidos apresenta significativas divergências, as quais exporemos a seguir.

No Reino Unido, não obstante alguns aspectos da regulação sobre takeovers serem regidos por leis,2 o que prevalece é a autor-regulação. De fato, as principais regras que governam o planejamento, o procedimento e os deveres e responsabilidades das partes envolvidas em o estão no Código de Takeovers, cuja elaboração, atualização e aplicação é feita pelo Takeover Panel (“Panel”), órgão independente e não governamental formado inteiramente por agentes do mercado, tais como instituições financeiras, advogados, contadores, dentre outros. Sendo assim, o Panel é o órgão responsável pela regulamentação e fiscalização de todas as operações de takeovers que ocorrem no Reino Unido.

A característica mais marcante do Código de Takeovers consiste em sua recorrente preocupação em proteger os acionistas da sociedade ofertada, de forma que seja aos mesmos assegurados tratamento igualitário e a possibilidade de tomarem a decisão final sobre a aceitação ou rejeição da oferta.3

Os principais objetivos do Código encontram-se descritos em seus princípios gerais, os quais representam standards de comportamento que devem ser seguidos

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pelas partes envolvidas na oferta, e podem ser resumidos da seguinte forma:

(i) Equality oftreatment: visa assegurar a igualdade de tratamento a todos os acionis-tas titulares da mesma classe de ações;

(ii) Disclosure to the shareholders: visa prestar a todos os acionistas informações suficientes e no tempo adequado, assegurando--lhes, deste modo, a oportunidade de tomarem decisões de forma consciente a respeito da venda ou não de suas ações;

(iii) Confidentiality and disclosure to the market: este princípio visa assegurar a confidencialidade da operação, bem como a sua divulgação ao mercado no tempo devido, de forma a evitar o vazamento de informações e o insider trading;

(iv) No frustration principle: segundo este princípio, quaisquer ações por parte do conselho de administração da companhia ofertada que tenham por objetivo frustrar a oferta, quando não haja autorização dos acionistas da companhia ofertada neste sentido, são proibidas;

(v) Guarantees: visa assegurar que o ofertante preste todas as garantias no sentido de que estará apto a cumprir as obrigações financeiras às quais tenha se comprometido.

Além dos princípios gerais, o Código impõe regras detalhadas a respeito do processamento da oferta e da conduta que as partes devem adotar durante os procedimentos.

Nestes termos, o Código determina que o ofertante deve realizar ofertas equiparáveis aos titulares da mesma classe de ações, inclusive estendendo o preço aos demais titulares caso adquira ações por um valor acima do ofertado inicialmente.4

Em relação às obrigações de divulgação de informações, o Código determina expressamente que o ofertante e a ofertada devem disponibilizar aos acionistas, em tempo hábil, informações suficientes que lhes permita tomar uma decisão consciente sobre os méritos ou deméritos da oferta. Além disso, as normas listam detalhadamente as informações que devem ser prestadas no prospecto da oferta.5

É importante ressaltar que as partes estão obrigadas a observar os deveres de cuidado, rigor e exatidão na elaboração de documentos e na prestação de informações aos acionistas e ao mercado.6

Adicionalmente, o Código impõe inúmeras regras cujo objetivo consiste em evitar condutas com o fim de manipular o mercado ou utilizar indevidamente informações privilegiadas (market abuse conducts). A este respeito, podemos citar a obrigação de manutenção de sigilo durante o período no qual a oferta ainda não foi anunciada ao mercado,7 bem como as regras que descrevem em que situações a oferta deve ser anunciada como, por exemplo, nos casos em que haja suspeitas de vazamento de informações.8 Além disso, há regras obrigando o ofertante e outras partes a divulgar todas as negociações com ações após o anúncio da oferta e também proibindo o ofertante de realizar negociações com as ações da companhia visada durante o período da oferta sem a prévia autorização do Panel.9

Outra importante regra de proteção aos acionistas consiste na Regra n. 9 do Código, a qual impõe a realização de oferta pública obrigatória (mandatory bid rule) a todos os acionistas de uma sociedade quando uma pessoa ou grupo de pessoas físicas ou jurídicas adquire, pelo menos, 30% (trinta por cento) das ações ordinárias daquela empresa. A outra hipótese que impõe a realização de oferta pública obrigatória ocorre quando um acionista que já detém mais de 30% (trinta por cento), porém menos de 50% (cinquenta por cento), adquire ações que aumentem a sua participação acionária.

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Esta regra visa assegurar que os acionis-tas minoritários de determinada companhia possam retirar-se da mesma, pelo mesmo preço pago pelas ações que representam o controle da companhia, quando um acionis-ta adquire uma participação acionária tão substancial que represente uma verdadeira alteração ou uma consolidação do poder de controle daquela companhia.

O Código impõe, ainda, deveres a serem observados pelo conselho de administração da companhia ofertada, tais como o dever de obter aconselhamento independente sobre os termos da oferta, sendo que o resultado de tal aconselhamento deve ser divulgado a todos osacionistas.10

Outro aspecto da regulação de takeovers no Reino Unido que merece ser destacado consiste em sua relativa independência dos tribunais. De fato, durante o processo de tomada de controle, os tribunais, caso solicitados a intervir nos referidos processos, evitam pronunciar-se sobre os mesmos, de forma a evitar eventuais conflitos de competência com o Panel. Assim, a interação entre o Panel e os tribunais dá-se normalmente ao final da...

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