Poder Legislativo

AutorJadir Cirqueira De Souza
Ocupação do AutorMaestría en Derecho Público de la Universidad de Franca - SP, especialista en Procedimiento Civil de la Universidad Federal de Uberlândia - MG y Licenciado en Derecho por la Universidad Gama Filho, Rio de Janeiro
Páginas173-212

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1 Teoria da separação de poderes

O poder do Estado é uno e indivisível. Significa que é único o poder do Estado. Age com supremacia sobre o particular. Natural que os excessos possam ser contidos. Por conta da supremacia estatal, sociólogos, filósofos e estudiosos do direito apontam para a clara tendência do homem a abusar do poder, sempre que não existam meios de controle.

A contenção do poder do Estado é uma realidade indisputável nas democracias contemporâneas. Nesse sentido, o poder carece de controle permanente. O Estado sem rígidos controles administrativos, legislativos e judiciais tende ao arbítrio e ao excesso, uma vez que é dirigido por homens, sendo imanente à condição humana a busca pelo excesso, na falta de limites precisos no plano jurídico.

Existem várias formas, porém, a teoria da separação de poderes, embora o autor critique a expressão tripartição de poderes, em virtude do poder ser uno e, portanto, indivisível, constituiu uma das mais eficientes e mais estudadas, a partir das idéias de Aristóteles e Montesquieu, segundo LENZA.1A partir da constatação dos excessos e falhas do Estado surgiram diversas teorias e estudos com o objetivo de melhor qualificar e controlar o poder estatal, dentre as quais ressalta a teoria da separação de poderes, base da presente análise preliminar.

A separação de poderes do Estado continua a desafiar os estudiosos da Filosofia, da Sociologia e do Direito. Trata-se de temática com ramificações nas demais áreas do conhecimento científico e com profundo alcance social, uma vez que de seu correto entendimento, derivam importantes conseqüências no tocante ao tamanho, características e atuação do Estado.

Por isso, é muito importante o estudo da teoria da separação dos poderes, antes da incursão específica nos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, pois trata-se de paradigma normalmente discutido, principalmente nos casos de judicialização das políticas públicas.

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Um dos maiores desafios do homem, no campo político e jurídico, reside na necessidade de equilibrar, de forma coerente e adequada, a força e a ação estatal e/ ou governamental dos poderes da República. Aliás, a inadequação do equilíbrio ou a falta de divisão das forças institucionais constitui uma das características mais marcantes do Estado unitário. Assim, o equilíbrio, com a divisão de tarefas e de responsabilidades funcionais constitui tema complexo e de difícil enfrentamento teórico, uma vez que, encontra-se acima dos aspectos puramente jurídicos.

Na linha histórica, como sabido, organizados os grupos sociais, ainda que heterogêneos, surgiu a necessidade do estabelecimento de regras basilares e ao mesmo tempo capazes de regulamentar o convívio harmônico do homem em sociedade. É que, como já visto, antes do surgimento do Estado, como ficção jurídica, as normas morais, religiosas, econômicas, naturais, etc. ditavam o comportamento dos grupos sociais, independente de qualquer expressão legislativa estatal.

Porém, é certo que insuficiência dos demais instrumentos de controle social – moral, religião e as regras do trato social – fizeram surgir as primeiras normas jurídicas, originárias do Estado, que se destinavam a compor os conflitos porventura existentes no quadro social. Assim, o homem passou a viver em sociedade, de acordo com as regras criadas pelo próprio homem, através do Estado, segundo KELSEN.2Em decorrência de sua força, o Estado sempre necessitou de limites claros, objetivos e pautados na lei. Obviamente, que a Constituição Federal sempre foi um dos principais freios limitadores e, ao mesmo tempo indicativos da atuação estatal. Assim, a regulamentação das atividades do Estado, no interior de uma Constituição, deve ser considerado um dos primários mecanismos de contenção do poder estatal.

Ao lado da regulamentação constitucional, a doutrina costuma destacar, ainda, quatro limites nas atividades e/ou ações desenvolvidas pelo Estado: fixação dos direitos fundamentais, divisão territorial, circunscrição ou âmbito de atuação e a separação de poderes. Os três primeiro limites já foram abordados na parte relativa aos direitos fundamentais, Teoria Geral do Estado e a forma federativa de Estado. Restou, assim, a análise do princípio constitucional da separação de poderes estatais.

Já no século XVII chegou-se à conclusão quanto à inconveniência da concentração de poderes nas mãos de um só órgão, instituição ou pessoa. É claro que o arbítrio estatal e a falta de especialização foram alguns dos elementos considerados na doutrina da criação da separação de poderes. As vantagens relativas à rapidez, homogeneidade e a prontidão do Estado Unitário, pelas deturpações próprias da concentração de poderes, cederam lugar ao respeito aos direitos fundamentais do homem, mediante a divisão de forças estatais e à necessidade do controle recíproco. Ocorreu, assim, mudança de paradigma, ou seja, consagrou-se a idéia da necessária

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divisão de poderes, como uma das formas de limitar o arbítrio e a prepotência dos governos e/ou Estados unitários, segundo MALUF.3Ora, foi com o Bill of Rights, de 1689, que se iniciou, pelo menos no mundo ocidental, a doutrina da separação de poderes, posteriormente elevada à categoria de dogma universal, pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 na linha de pensamento de Aristóteles e Montesquieu.

Posteriormente, os princípios relativos aos limites à ação estatal foram incorporados nas principais Constituições do mundo ocidental. Constata-se, portanto, que a doutrina da separação de poderes teve como berço o sistema inglês, como sabido, com maior ênfase na força do Parlamento.

FERREIRA FILHO traz magistral lição sobre a doutrina inicial da separação dos poderes e destaca sua conceituação doutrinária:

A divisão funcional do poder – ou, como tradicionalmente se diz, a “separação de poderes” – que ainda hoje é a base da organização do governo nas democracias ocidentais, não foi invenção genial de um homem inspirado, mas sim é o resultado empírico da evolução constitucional inglesa, qual a consagrou o Bill of Rights.

De fato, a “gloriosa revolução” pôs no mesmo pé a autoridade real e a autoridade do parlamento, forçando um compromisso que foi a divisão do poder, reservando-se ao monarca certas funções, ao parlamento outras e reconhecendo-se a independência dos juízes.

Esse compromisso foi teorizado por Locke, no Segundo Tratado do governo civil, que o justificou a partir da hipótese do estado de natureza. Ganhou ele, porém, repercussão estrondosa com a obra de Montesquieu, O espírito das leis, que o transformou numa das mais célebres doutrinas políticas de todos os tempos.4Da lição exposta, é possível extrair a idéia do surgimento do liberalismo, da divisão de poderes e da necessidade de integração entre ambos, para dirigir os destinos de qualquer nação e, ao mesmo tempo, a certeza da necessidade de contenção do Estado por parte do cidadão.

Assim, a separação de poderes estatais pode ser definida como uma das formas de controle das ações do Estado.

Porém, a separação de poderes não poderia ser total, pois levada ao extremo acabaria sendo fator de prejuízo para a defesa dos direitos do cidadão e, da mesma forma, levaria ao arbítrio, agora dentro da esfera de cada poder, que restariam intransponíveis em seus limites. A impossibilidade de controle recíproco entre os poderes formaria ilhas intransponíveis, com claros prejuízos para a sociedade e para o próprio Estado. A regra, assim, é a de um sistema que permita a interpenetração recíproca com ações controladas.

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Por isso, ou seja, por conta da necessidade de permitir o controle entre os três poderes republicanos foi que surgiu a doutrina do sistema de freios e contra pesos, uma vez que, embora o poder seja uno e indivisível, na verdade, por conta da especialização e da necessidade de limites entre todos, as respectivas funções poderiam ser mais desenvolvidas pelo Estado, a partir da especialização e da qualificação funcional dos respectivos órgãos.

DALLARI lembra que, apesar das vantagens, a teoria da separação de poderes já sofreu várias críticas. Destacou que a separação é muito mais formal do que real. Não se perfaz no campo da cidadania. Não foi capaz de impedir o arbítrio e os excessos na atuação do Estado. Não conseguiu impor caráter democrático e, muito menos garantir a liberdade do cidadão e, sobretudo maior influência nas decisões políticas mais importantes. Porém, o renomado autor, reforça o lado positivo mostrando sua importância ao longo da história.5Na história constitucional brasileira, exceto na Constituição Imperial, com a existência do Poder Moderador, os Poderes da República sempre foram considerados independentes e harmônicos, porém, todos exerceriam controles internos e externos entre si, num sistema harmonioso e auto-limitativo de funções, porém de pouca aplicabilidade real.

Na verdade, a idéia central do atual sistema constitucional, com a adoção da teoria da separação de poderes, foi no sentido de permitir que todos os Poderes da República se controlem e, ao mesmo tempo, exerçam fiscalização recíproca.

Primordialmente, vai se perceber ao longo do tempo que, embora a doutrina da separação de poderes preconize o mesmo valor para as três instituições, historicamente, no Brasil, sempre ocorreu excessiva predominância nas ações do Poder Executivo federal, em detrimento dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Diferentemente, no sistema estatal francês, o predomínio sempre foi do Poder Legislativo. Já no norte-americano...

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