Economia plural e desenvolvimento territorial na perspectiva do desenvolvimento sustent?vel: Elementos te?ricos de sociologia econ?mica e de socioeconomia

AutorBeno?t L?vesque
CargoProfessor titular associado vinculado ? Escola Nacional de Administra??o P?blica (?NAP) e ? Universidade do Quebec em Montreal (UQ?M).
Páginas107-144
Dossiê
Economia plural e desenvolvimento
territorial na perspectiva do
desenvolvimento sustentável:
Elementos teóricos de sociologia
econômica e de socioeconomia*
Benoît Lévesque**
Resumo
O texto focaliza a contribuição que o conceito de economia plural oferece
atualmente para o avanço das pesquisas sobre a viabilidade das dinâmicas
territoriais de desenvolvimento sustentável. A primeira parte da linha
de argumentação está centrada na clarificação do conceito de economia
plural, com base nos estudos sobre a economia social e solidária, e sobre
as propostas oriundas da Nova Sociologia Econômica e da socioeconomia dos
territórios. Na segunda parte, o conceito de desenvolvimento sustentável é
caracterizado sob o ângulo do chamado paradigma societal e das interações
que ele mantém com o território e com a economia plural e social. Numa
linha de crítica dos pressupostos da economia neoclássica, o autor acentua
a necessidade de religar a economia a uma perspectiva ecológica e social
mais ampla e de buscar respostas mais efetivas aos desafios colocados
pela crise socioambiental planetária.
Palavras-chave: desenvolvimento territorial sustentável, economia plural,
nova sociologia econômica, economia solidária, economia ecológica.
1. Introdução
No transcurso das últimas duas décadas, vêm se impondo cada
vez mais as intervenções e práticas econômicas derivadas dos
enfoques de economia plural e de desenvolvimento territorial sustentável,
especialmente nos domínios do desenvolvimento local e da economia
social. Para os arquitetos dessas iniciativas, a redescoberta do ter-
* Tradução de Anne-Sophie de Pontbriand Vieira. Revisão Técnica de Paulo Freire
Vieira.
** Professor titular associado vinculado à Escola Nacional de Administração Pública
(ÉNAP) e à Universidade do Quebec em Montreal (UQÀM).
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ritório no contexto do debate sobre desenvolvimento sustentável
veio juntamente com a compreensão mais ou menos explícita do
caráter plural da economia, fazendo com que esta última pudesse
transcender as limitações das práticas estritamente mercantis e da
racionalidade instrumental para integrar as dimensões e os fatores
ditos extra-econômicos, como já havia sido sugerido anteriormente
alguns economistas heterodoxos, como Polanyi, Boulding e Hirsch-
man. Assumindo essa perspectiva, nosso texto compõe-se de duas
partes distintas, mas complementares: a primeira está centrada no
conceito de economia plural, que tentaremos delimitar a partir das
pesquisas sobre a economia social e das principais contribuições teóri-
cas da nova sociologia econômica (NSE) e da socioeconomia dos territórios;
e a segunda focaliza o conceito de desenvolvimento sustentável, que
examinaremos sob o ângulo do paradigma societal e das interações
que ele mantém com o território e a economia plural e social.
2. Economia plural e social
Tentaremos elucidar o caráter plural da economia a partir de
três conjuntos de contribuições teóricas: a contribuição dos estudos
sobre a economia social e solidária, a da NSE e a da socioeconomia dos
territórios. Apesar de todas essas contribuições dependerem de uma
abordagem heterodoxa da economia, cada uma delas apresenta
dimensões de análise relativamente específicas, mas que podem
ser consideradas complementares.
A contribuição das análises da economia social e
solidária
Os pesquisadores têm proposto várias definições do conceito
de economia social, devido à multiplicidade de abordagens teóricas
mobilizadas (LÉVESQUE & MENDELL, 2005). Do mesmo modo, os
poderes públicos, devido à diversidade de compromissos sociais
forjados a partir de tais práticas, adotaram definições institucionais
contrastadas segundo os territórios ou as dinâmicas sociais inves-
tigadas (LAVILLE, LÉVESQUE & MENDELL2005). No entanto, todos
eles concordam pelo menos em reconhecer que a economia social
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Benoît Lévesque
Economia plural e desenvolvimento territorial na perspectiva do desenvolvimento sustentável
Dossiê
reúne via de regra os três componentes seguintes: as cooperativas,
as mutuais e as associações que mantêm atividades econômicas
(DEMOUSTIER, 2000; DESROCHE, 1983; DEFOURNY, 2005). Não
questionaremos essas definições, a não ser o modo pelo qual al-
gumas explicitam a dimensão plural da economia social. Sob esse
ângulo, a economia social pode ser entendida de duas maneiras:
como parte interessada numa economia mista, ou como constituída
por uma pluralidade de princípios econômicos.
Com a publicação da obra de G. Fauquet intitulada Le secteur
coopératif, em 1935, a idéia de um setor cooperativo funcionando
no contexto de uma economia mista, que inclui também o setor
capitalista e o setor público, foi se impondo gradativamente nos
estudos cooperativos e, em seguida, nos estudos sobre a economia
social. Essa idéia relativiza de certa maneira a utopia da “república
cooperativa”, segundo a qual a conquista, pelas cooperativas, do
comercio, da indústria e, por fim, da agricultura nutria a expectativa
de uma “cooperativização” do conjunto da economia (DRAPERI,
2000). Nos anos 1950, essa idéia de um setor cooperativo tornou-se
tão evidente que acabou se estabelecendo, em áreas de interesse
geral, um setor público complementar a um setor privado sempre
dominante. Coube a C. Vienney (1980) dar seqüência à reflexão
iniciada por Fauquet, mostrando que as cooperativas representam
um setor claramente distinto dos dois outros por seus atores (rela-
tivamente dominados), suas atividades (necessárias, mas abando-
nadas pelo Estado e pelo mercado) e por suas regras (propriedade
coletiva e sustentável, funcionamento democrático, distribuição dos
excedentes segundo as atividades, dupla qualidade de membros
e usuários). Posteriormente, o economista francês estenderá sua
análise ao conjunto da economia social que aparece, assim, como
parte de uma nova economia mista (VIENNEY, 1994). Nesse sentido,
a economia de nossas sociedades não é totalmente capitalista, uma
vez que nela podemos encontrar pelo menos dois outros setores
econômicos que não são capitalistas.
As pesquisas mais recentes sobre a economia social e solidá-
ria, que emergiu no transcurso das duas ou três últimas décadas,
mostram a ascensão de um terceiro setor que se inscreve no trinômio
mercado-Estado-sociedade civil, cada vez mais reconhecido pelos

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