Pirataria e comportamento social

AutorJoão Henrique da Rocha Fragoso
Ocupação do AutorFormado em sociologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
Páginas337-369
PIRATARIA E COMPORTAMENTO SOCIAL
João Henrique da Rocha Fragoso1
Pirataria é o “nome fantasia” que se dá ao crime tipificado no Código
Penal (Artigo 184 e §§) consistente na violação de direitos de autor de obra
intelectual e de direitos a eles conexos. Envolve a criação intelectual relativa a
obras literárias, artísticas e científicas e de fonogramas, além de suas execuções
públicas. Abrange, ainda, em relação a tais bens, a sua aquisição, venda, exposi-
ção, aluguel, manutenção em depósito, ocultação, introdução no País, execução
pública ou oferecimento por meios digitais ou analógicos, sem intuito de lucro,
direto ou indireto. Também se denominam pirataria os crimes tipificados na
Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), em seu título V - Crimes
Contra a Propriedade Industrial. Tais crimes são os praticados contra direitos
relativos a patentes, desenhos industriais, marcas, títulos de estabelecimento,
sinais de propaganda, indicações geográficas, bem como o crime de concor-
rência desleal. Assim, o Código Penal prevê os crimes contra os direitos de
autor e os que lhes são conexos, e o Código de Propriedade Industrial prevê os
crimes contra os direitos sobre a propriedade industrial e os nomes ou títulos
de estabelecimentos comerciais etc.
A Convenção firmada em Genebra em 14 de julho de 1967, criando a
Organização Mundial da Propriedade Intelectual, c om 189 países aderentes,
incluindo o Brasil, conta entre suas finalidades o fomento da proteção à pro-
priedade intelectual em nível internacional e a harmonização das legislações
nacionais sobre a matéria. A Convenção OMPI nasceu com a missão de se in-
tegrar com a OMC e de administrar a Convenção de Paris de 1883, visando à
proteção da propriedade industrial, e a Convenção de Berna de 1886, visando
à proteção das obras literárias e artísticas. Em princípio, objetiva a cooperação
e a integração entre aquelas duas organizações e as convenções internacionais
1 Formado em Sociologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Forma-
do em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes, Rio de Janeiro. Membro da ABPI
- Associação Brasileira de Propriedade Intelectual. Membro da APJER - Associação dos Peritos
Judiciais do Estado do Rio de Janeiro.
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sobre propriedade intelectual, centralizando a administração das citadas con-
venções internacionais, além de outros tratados e convenções sobre propriedade
intelectual. Como uma agência especializada da ONU, a OMPI está comprome-
tida com o dese nvolvimento de um sistema equilibrad o entre as nações, visando
o estímulo da criatividade e da inovação no campo da propriedade intelec-
tual, de forma a contribuir para o desenvolvimento econômico, resguardando
a autonomia dos Estados-membros, bem como o interesse público. Sob a égide
administrativa da OMPI encontram-se ainda diversos tratados e convenções in-
ternacionais nas áreas da propriedade industrial e do direito autoral, dos quais
anotamos a Convenção Universal Sobre Direitos de Autor, em conjunto com a
UNESCO; o tratado TRIPS em conjunto com a OMC; a Convenção de Roma
Sobre a Proteção dos Artistas Intérpretes ou Executantes, dos Produtores de Fo-
nogramas e dos Organismos de Radiodifusão; o Tratado OMPI Sobre Direito de
Autor (TODA/WCT) e o Tratado OMPI Sobre Interpretações ou Execuções de
Fonogramas (TOIEF/WPPT). A organização atualmente administra 24 conven-
ções e tratados internacionais, dos quais 16 na área de propriedade industrial e
7 na área de direitos autorais. De acordo com o escopo de sua formação, voltado
para o desenvolvimento e a defesa da propriedade intelectual, a OMPI encontra-
se comprometida com o combate à pirataria de bens intelectuais, incentivando
ações internacionais neste campo, bem como promovendo congressos interna-
cionais periódicos, além de fornecer meios intelectuais e total cooperação para o
combate à contrafação e à pirataria.
As menções à OMPI acima estabelecidas destinam-se a ilustrar o aspecto
global envolvendo a defesa da propriedade intelectual e de sua importância no
mundo atual, aspectos estes que serão mais e mais, reforçados. Por outro lado,
procuramos demonstrar como a pirataria em geral investe contra todo um con-
junto de nações, povos, etnias e seus costumes, obrigando à coordenação inter-
nacional, seja diretamente, seja p or meio de organismos como a OMPI. Neste
sentido, encontra-se no âmbito da Organização a formação de convenções inter-
nacionais, destinadas à proteção das expressões culturais tradicionais ou expres-
sões de folclore (musica, danç a, desenhos, formas arquitetônicas, relatos orais,
interpretações ou execuções, sinais e símbolos, artesanato etc.), b em como os
conhecimentos tradicionais, os quais se ligam mais diretamente à biodiversida-
de, ao patrimônio genético, à alimentação, à medicina tradicional etc. São todos
bens intelectuais a se proteger em nível internacional e que hoje, como qualquer
outro bem intelectual, têm sido alvo de apropriação indevida e do mau uso em
larg a esca la, considerando o aspecto global que assumiu a pirataria. Assim, quan-
do pensarmos em pirataria, pensaremos, de imediato, nos direitos intelectuais
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em geral, sejam os inseridos no campo da propriedade industrial, seja dentre os
direitos autorais, seja dentre aqueles previstos no artigo 216 de nossa Constitui-
ção Federal, constitutivos do patrimônio cultural brasileiro.2
Antes de continuar, alertamos que os termos pirateados, falsificados ou
contrafeitos, seja qual for a designação dos bens a eles relacionados, aqui são
utilizados em um único sentido, já que representam todos os bens intelectuais
reproduzidos ou de outra forma utilizados ilicitamente. Como ocorre na área
de bens culturais, algumas utilizações (como a cópia perfeita do conteúdo de
uma gravação sonora ou audiovisual qualquer) não são falsificações de pro-
dutos, mas reproduções perfeitas, embora ilícitas, assim como ocorre com o
armazenamento digital ou a emissão de um programa de televisão, cujos sinais
foram captados e retransmitidos sem autorização. Diferentemente, um perfu-
me ou uma bolsa pirateados nunca serão a reprodução exata do original, mas
uma imitação que se procura fazer passar pelo original, com resultados que se
distanciam do produto tomado como modelo, por mais perfeita que possa ser
a falsificação. Já a cópia pirata de um CD ou um DVD, por exemplo, pode che-
gar ao mesmo resultado que se obteria a partir de um CD ou DVD originais.
A questão é tecnológica: atualmente é muito mais fácil se copiar um disco com
absoluta fidelidade ao original do que reproduzir a fragrância de um perfume
famoso, caso em que é preciso que se fabrique o produto com alguma fórmula
que jamais será a fórmula original. Copiar uma bolsa, um jeans, uma roupa
qualquer de marca famosa, por exemplo, por sua vez, jamais levará ao mesmo
resultado obtido com a fabricação original.
De um modo geral, abordamos apenas a generalidade dos bens, como
marcas de fábrica (perfumes, bolsas, óculos, vestuário, medicamentos etc.) e os
produtos derivados de criações artísticas musicais como suportes de reprodu-
ção sonora e/ou audiovisual, além de programas de televisão e dos programas
de computador. Uma abordagem específica seria tautológica e fugiria do esco-
po do presente trabalho, razão pela qual nos ateremos a econômicas menções
exemplificativas de alguns produtos-alvo da pirataria.
2 “Conforme dispõe o artigo 216 da C.F., constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de na-
tureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência
à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos
quais se incluem: (i)as formas de expressão; (ii)os modos de criar, fazer e viver; (iii)as criações
científicas, artísticas e tecnológicas”(grifamos). O artigo 216 da C.F. relaciona-se diretamente
com o artigo 215, que garante, em seu parágrafo primeiro, a proteção do Estado às “manifesta-
ções das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e de outros participantes do processo
civilizatório nacional”. FRAGOSO, João Henrique da Rocha, in DIREITO AUTORAL: Da Anti-
guidade à Internet. p. 334.

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