Responsabilidade penal da pessoa jurídica: uma abordagem a partir da teoria do delito e da teoria do garantismo

AutorFabiano Oldoni
CargoAdvogado
Páginas14-18

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Artigo produzido sob orientação e revisão do professor doutorJoão José Leal, na disciplina de Política Criminal e Controle Social, do Programa de Mestradoem Ciência Jurídica, linhadepesquisa Produção e Aplicação de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI.

Introdução

O presente trabalho visa observar a responsabilidade penal da pessoa jurídica a partir de uma análise da Teoria do Delito e do Garantismo. Para isso, mister que se faça, inicialmente, uma breve retrospectiva acerca do Direito Penal Econômico, eis que uma criminalidade com características novas e diferentes da criminalidade comum.Page 15

Na continuidade, intenta-se destacar a possibilidade de se punir criminalmente a pessoa jurídica, fazendo uma abordagem com referência à Teoria do Delito, com ênfase à culpabilidade, e ao Garantismo, de Luigi Ferrajoli, enfocando o aspecto da legalidade e da estrita legalidade, bem como a questão das normas reguladoras e constitutivas.

Por fim, apresentam-se algumas propostas que podem proporcionar um meio ambiente saudável e tutelado pelo Direito, sem que se afrontem institutos criados há séculos e que representam a conquista de um povo.

1. Direito Penal Econômico

O Direito Penal Econômico surge nos países socialistas a partir da 1a. Guerra Mundial, haja vista a necessidade do Estado dirigir, controlar e defender a economia, com o objetivo de reorganizar e tornar possível o seu crescimento, eis que combalido frente aos nefastos efeitos oriundos da grande guerra.

Pode-se dizer que a criminalidade econômica, durante sua trajetória histórica, serviu, de 1945 a 1952, como meio utilizado por círculos reacionários para combater a ordem democrática e antifacista; de 1952 até o ano de 1962, "reacionários do grande comércio ou da indústria privada" tentaram dificultar a construção do socialismo utilizando-se da criminalidade econômica; de 1962 até os dias atuais, a macrocriminalidade visa satisfazer interesses individuais em detrimento da coletividade1.

O Direito Penal Econômico, tanto ontem como hoje, se apresenta com uma característica nacionalista, pela razão de cada país possuir uma economia peculiar, diferenciada, cujos bens jurídicos eleitos a merecerem a tutela do Direito Penal nem sempre são os mesmos de um país para outro e, quando coincidentes, se apresentam em diversos graus valorativos.

Daí a dificuldade de se harmonizar mundialmente um Direito Penal que combata a macrocriminalidade, cada vez mais internacionalizada ante a abertura de mercados e fronteiras globais, fazendo surgir uma variada espécie de novas condutas reprováveis socialmente e que exigem, em contrapartida, uma resposta do Direito Penal.

Lembra Silva Sanches2que a homogeneização mundial do Direito Penal encontra obstáculo justamente na questão constitucional de cada país. Para ele, uma das formas de solucionar esta questão seria a adoção de tratados internacionais, acompanhada de esforços para garantir de fato sua aplicação uniformizada no maior número possível de países.

Como já observado, a abertura de mercado facilita o surgimento de uma criminalidade sofisticada, organizada, bem estruturada se comparada aos crimes clássicos3, cujos danos causados se propagam a um contingente muito maior de vítimas, atacando bens jurídicos supraindividuais, como o meio ambiente, a ordem econômica e financeira, a economia popular etc., e que são praticados, em grande parte, claro que por ação (omissiva ou comissiva) de uma pessoa física, porém que se oculta atrás de uma pessoa jurídica (empresa, instituição financeira), dificultando sobremaneira a elucidação da autoria.

O Direito Penal Econômico, tanto ontem como hoje, se apresenta com uma característica nacionalista, pela razão de cada país possuir uma economia peculiar, diferenciada, cujos bens jurídicos eleitos a merecerem a tutela do Direito Penal nem sempre são os mesmos de um país para outro e, quando coincidentes, se apresentam em diversos graus valorativos

Com isso, surge, hodiernamente, discussão acerca da possibilidade ou não de se punir penalmente a pessoa jurídica.

2. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e a Teoria do Delito

A Constituição Federal (CRFB/88), em seu artigo 173, § 5e, previu a possibilidade de se punir criminalmente a pessoa jurídica: "A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular."

Também fez a previsão no artigo 225, § 3e: "As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

Portanto, nos crimes contra a ordem econômica e contra o meio ambiente, se cometidos por pessoa jurídica, a CRFB/88 admite a sua responsabilidade penal.

Para regulamentar a previsão contida no artigo 225, § 3° da Constituição Federal, o legislador aprovou a Lei 9.605/98, que, em seu artigo 3e, também prevê expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes praticados contra o meio ambiente, sendo que os artigos 21, 22, 23 e 24 fixam as penalidades cabíveis. Contudo, mesmo com a previsão constitucional e infraconstitucional, háforte posicionamento, principalmente da doutrina, no sentido de ser impossível punir penalmente a pessoa jurídica, tendo em vista a "incompatibilidade da pessoa jurídica com os institutos dogmáticos da ação, da culpabilidade e da função e natureza da própria sanção penal"4.

Assim e independentemente da CRFB/88 ter expressamente admitido a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra o meio ambiente e contra a ordem econômica, o que deve ser verificado é a possibilidade efetiva de enquadraroentejurídico na estrutura que envolve o Direito Penal pátrio, notadamente na Teoria do Delito.

Com a reforma da Parte Geral do Código Penal, ocorrida em 1984, foi consagrado o princípio da culpabilidade, com manifestação de Francisco Campos, no item 18, da Exposição de Motivos, in verbis: "O princípio da culpabilidade estende-se, assim, a todo o Projeto. Aboliu-se a medida de segurança. Diversificou-se o tratamento dos partícipes, no concurso de pessoas. Admitiu-se a escusabilidade da falta de consciência da ilicitude. Eliminaram-se os resíduos de responsabilidade objetiva, principalmente os denominados crimes qualificados pelo resultado."

Hoje, após uma transformação radical das bases da responsabilidade penal, vê-se a produção do princípio da culpabilidade efetivada através da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 5, 1, 3), da CRFB/88 (art. 5e, XLV - proibição de que a pena ultrapasse a pessoa do condenado), do Código Penal (artigo 13 - que proíbe aPage 16 imputação objetiva de resultados; artigos 18 e 19 - que exigem a intervenção de uma vontade consciente).

Com o advento deste instituto, tornou-se...

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