Pesquisa Qualitativa

AutorThiago Bottino
Páginas84-99

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Finda a análise quantitativa, foi possível identificar os principais crimes e temas em discussão nos Tribunais Superiores. A partir de então, todos os julgados relativos a esses crimes e temas foram reexaminados, dessa vez, para que se identificassem as questões jurídicas subjacentes.

Com efeito, desde o início da pesquisa, uma das premissas com que se trabalhou foi a de que um alto número de concessões de HCs e RHCs nos Tribunais Superiores indicaria um mau funcionamento dos tribunais de segunda instância no sentido de que continuavam a decidir impetrações contrariamente à jurisprudência em situações que já haviam sido examinadas pelos Tribunais Superiores. A identificação dessas questões é necessária para que se possa apontar exatamente quais os aspectos em que as interpretações dos Tribunais Superiores não têm sido seguidas.

4. 1 Crime de roubo e erro na dosimetria

A principal questão envolvendo o crime de roubo e o tema da dosimetria da pena diz respeito ao emprego de arma de fogo para incidência da causa de aumento prevista no art. 157, §2º, I do Código Penal.

Na maioria dos habeas corpus alegando erro na dosimetria da pena do crime de roubo, a defesa aponta a necessidade de apreensão e perícia da arma de fogo para aplicação da causa de aumento relativa ao emprego de arma.

A pesquisa identificou que essa questão originou-se, sobretudo, de controvérsia nas decisões do próprio STJ. Com efeito, o entendimento predominante na sexta turma era da

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imprescindibilidade da apreensão e perícia1.

No entanto, em 2011 a terceira seção do Tribunal definiu, por quatro votos a dois, não ser necessária a apreensão e a realização de perícia em arma para que incida o aumento da pena por uso de arma em roubo se outras provas evidenciarem o seu emprego. Desde então, o entendimento predominante é o de que a apreensão e perícia da arma de fogo são dispensáveis, sendo suficientes outros meios de prova, como o depoimento da vítima ou prova testemunhal.

Antes de 2011, a principal argumentação era no sentido de que a necessidade de apreensão e perícia da arma de fogo seria consequência lógica da revogação da Súmula nº 174 do STJ (que autorizava a exasperação da pena mesmo que empregada arma de brinquedo).

No entanto, a tese vencedora no julgamento da terceira seção foi no sentido de que a potencialidade lesiva da arma poderia ser presumida, uma vez comprovado seu emprego. E que, não sendo encontrada a arma para que se fizesse a perícia, caberia ao réu a prova em contrário da potencialidade lesiva da arma (ou, mais especificamente, a ineficácia da arma empregada). Esse entendimento encontrou respaldo em caso julgado pelo STF (HC 96099).

Contudo, a questão do uso de arma parece não estar completamente resolvida pelo STJ.

Enquanto, em alguns julgamentos, a arma desmuniciada foi considerada justificativa para a causa de aumento2, em outros se considerou necessária a demonstração da efetiva potencialidade lesiva, não podendo ser aplicada a causa de aumento sem essa comprovação3. Também é necessário um entendimento mais firme sobre a questão da aplicação da causa especial de aumento quando a arma é apreendida, mas a perícia não é realizada4.

A segunda questão jurídica mais debatida foi o aumento de

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pena além do percentual mínimo de 1/3. Grande parte das decisões reformadas pelo STJ diz respeito ao percentual de aumento na terceira fase da dosimetria quando há mais de uma majorante.

As impetrações sustentavam ser necessária uma fundamentação adequada para o aumento da pena além do mínimo definido no tipo penal, refutando a tese de que a presença de mais de uma circunstância de aumento da pena no crime de roubo não é causa obrigatória de majoração da punição em percentual acima do mínimo previsto, a menos que sejam constatadas particularidades que indiquem a necessidade da exasperação.

A questão foi pacificada com o advento do verbete nº 443, da súmula do STJ, em 2010: "O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes."

A terceira questão predominante nesse tipo de impetrações foi a necessidade de fundamentação adequada para fixar a pena-base acima do mínimo legal. Em diversas ocasiões5, o STJ reverteu decisões de tribunais de segunda instância que mantinham a exasperação da pena-base com fundamento em expressões vagas e imprecisas como "dolo intenso" ou "péssimos antecedentes", por considerar necessária a fundamentação do aumento em elementos concretos.

No mesmo sentido, muitas impetrações se insurgiam contra exasperações de pena com base em inquéritos policiais e ações penais em curso6. Essa questão também foi sumulada em 2010: "Súmula 444: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".

Por fim, outra questão jurídica relevante tratava da compensação entre reincidência e confissão espontânea. Embora houvesse divergência quanto à possibilidade da atenuante da confissão compensar a agravante da reincidência7, a questão foi

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resolvida pela terceira seção em 20128, pacificando a tese de que a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência são igualmente preponderantes e se compensam.

A categoria "outras questões jurídicas" inclui ocorrências de pequena recorrência (necessidade da posse pacífica do bem após o emprego de ameaça e subtração da coisa, fixação da pena abaixo do mínimo legal e situações em que o emprego de arma de fogo no roubo aparecia associado a outros crimes, como tráfico de drogas, o que impediu o agrupamento, dada a diferenciação das hipóteses fáticas), bem como as impetrações em que, não obstante se julgasse o crime de roubo com o tema erro na dosimetria, o resultado do julgamento estivesse pendente ou tivesse sido julgado prejudicado.

4. 2 Crime de roubo e erro na fixação do regime inicial de cumprimento da pena

Na maioria dos casos levados aos Tribunais Superiores acerca dessa combinação "crime" + "tema", as decisões contestadas em sede de HC condenavam o réu ao cumprimento inicial de pena em regime fechado com base na periculosidade do

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agente ou na gravidade abstrata do delito de roubo, a despeito da regra do art. 33, § 2º autorizar, pelo critério da pena definitiva, que se inicie em regime semiaberto.

Essa questão jurídica aparecia associada, por vezes, aos casos em que não existiam outras circunstâncias desfavoráveis que acentuassem a culpabilidade do réu, senão a violência inerente ao próprio tipo penal. Essa matéria, contudo, já fora sumulada pelo STF em 2003 (Súmulas 718 e 719 do STF) e ainda pelo STJ em 2010, no Enunciado nº 4409.

Dessa forma, o altíssimo percentual de concessão desses HCs e RHCs foi facilmente identificado: a resistência dos tribunais inferiores de aplicarem os enunciados 718 e 719, da súmula do STF, posteriormente reafirmado pelo verbete nº 440, da súmula do STJ. Portanto, não obstante já fosse entendimento sumulado que a gravidade abstrata do delito não é fundamentação idônea para imposição de regime inicial de cumprimento de pena mais gravoso, por diversas vezes os Tribunais Superiores se viram obrigados a julgar HCs e RHCs apenas para reafirmar sua jurisprudência.

A tese repudiada pelos Tribunais Superiores (e recorrente nas fundamentações dos tribunais de segunda instância) é a de que o regime fechado é o único compatível com a gravidade do delito de roubo e da periculosidade presumida dos autores desse tipo de crime. No entanto, as discussões que antecederam as súmulas nos Tribunais Superiores já apontavam que as circunstâncias invocadas pelas instâncias ordinárias são próprias ao delito de roubo em concurso de agentes e com o emprego de arma.

Infere-se que o juízo acerca da periculosidade do agente - previsto na Lei nº 6.416/77, expurgada do ordenamento na Reforma Penal realizada pela Lei nº 7.209/1984 - ainda é largamente empregado por magistrados de primeiro e segundo graus de jurisdição.

A solução, entretanto, parece simples. Uma vez que se identifica altíssima carga de repetição de casos em que as instâncias ordinárias utilizam fundamentação sem amparo legal, contrária às súmulas dos Tribunais Superiores, para estabelecer um regime

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inicial de pena mais gravoso, parece ser o caso de se reforçar o entendimento pacificado pelo STJ e STF, transformando esse tema em objeto de súmula vinculante.

4. 3 Crime de furto e princípio da insignificância

Esta análise busca identificar os parâmetros que estão sendo utilizados na aplicação do princípio da insignificância pelos Tribunais Superiores em casos de furto, tendo em conta julgados de HCs e RHCs nos...

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