Novas Perspectivas sobre a Inconstitucionalidade de Leis Municipais: O Vício de Origem e o Chefe do Executivo

AutorGiovani da Silva Corralo
CargoMestre e doutor em Direito do Estado (UFPR)
Páginas6-9

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Refletir sobre o processo legislativo e as leis municipais, especialmente diante de emendas parlamentares inconstitucionais cujo veto obstacu-lizaria o projeto aprovado na sua essência, constitui o mote deste artigo. Discorre-se sobre o processo legislativo municipal, analisa-se a sanção e o veto de emendas, e finaliza-se com o estudo sobre a não execução de emendas inconstitucionais e o controle de constitucionalidade.

I - O processo legislativo municipal

O processo legislativo municipal se encontra no cerne da autonomia dos municípios brasileiros. É através do processo de elaboração de normas jurídicas que integram o sistema normativo local que os municípios conformam a sua autonomia auto-organizatória, política, administrativa, legislativa e financeira.

Aliás, refletir sobre a autonomia municipal requer a compreensão da repartição de competências operada pela Constituição Federal, cuja lo-gicidade repousa nos arts. 21 a 30 da Carta Magna brasileira1. A Federação brasileira - sintetizadora de um federalismo cooperativo e assimétrico - definiu competências expressas à União e aos municípios, restando a competência residual aos estados. A fim de fomentar a cooperação federativa, complexizou-se a relação entre os respectivos entes, a elencar um rol de competências comuns e concorrentes, que se encontram nos arts. 23 e 24 do texto constitucional.

O ponto crucial é a centralidade conferida pela Constituição às municipalidades em tudo o que disser respeito ao interesse local, expressão que sintetiza o plexo de poderes desfrutados pelos entes locais e que permeia todas as questões do interesse hegemônico da população que vive em cada município. Trata-se de uma áscua que orienta a hermenêutica constitucional para dirimir eventuais conflitos de competências entre as pessoas políticas e que alicerça os poderes municipais2

Este arcabouço constitucional sustenta a autonomia municipal, compreendida em cinco dimensões, complementares e interdependentes, mas com um núcleo normativo e conceitual próprio3:

  1. autonomia auto-organizatória: refere-se ao poder de elaboração da lei orgânica municipal, que ocupa o vértice maior na hierarquia das normas jurídicas municipais, a orientar a hermenêutica das demais espécies legislativas produzidas;

  2. autonomia política: denota o empoderamento dos cidadãos residentes no município para eleger os seus governantes - vereadores, prefeito e vice-prefeito -, além da possibilidade de cassação dos seus mandatos pela câmara municipal nos casos previstos na legislação;

  3. autonomia legislativa: reflete a capacidade de elaboração de todas as espécies legislativas previstas no art. 59 da Constituição Federal para a construção do sistema normativo municipal;

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  4. autonomia administrativa: fundamenta a organização autônoma da administração pública, tanto em órgãos públicos ou entes da administração indireta, quanto das respectivas atividades que justificam a sua existência - serviços públicos, polícia administrativa, fomento e intervenção. Cada município, alicerçado no seu direito municipal, se organiza administrativamente;

  5. autonomia financeira: talvez a mais crítica das autonomias, por refletir uma desigual repartição de receitas públicas, porém, de extremo relevo. Denota a instituição dos tributos municipais, bem como a aplicação autônoma das suas receitas e das transferências constitucionais obrigatórias.

    É através do processo legislativo que cada ente municipal define os contornos da sua autonomia, até mesmo porque são as leis municipais que fixam os limites de atuação dos poderes constituídos localmente - legislativo e executivo. Nesta perspectiva conceitua-se processo legislativo como o "conjunto ordenado e sucessivo de atos que visam à produção de normas jurídicas pelo parlamento"4, o que pressupõe a participação de vários atores, seja no parlamento, seja com a coparti-cipação do poder executivo.

II - A sanção e o veto de emendas inconstitucionais

O processo legislativo ordinário municipal transcorre nas seguintes fases: iniciativa, discussão, votação, sanção/veto, promulgação e publicação.

A iniciativa pode ser exclusiva do prefeito, exclusiva da câmara municipal e comum a ambos. É neste último campo que se encontra a iniciativa popular. A iniciativa abarca o encaminhamento inicial da proposição, de acordo com a matéria. A discussão, por sua vez, transcorre em plenário e nas comissões, na busca de um estudo detalhado do que fora proposto. Após a discussão se avança na fase da votação, submetendo-se a matéria ao plenário e sua vontade soberana. De acordo com a espécie proposta, há o encaminhamento para a sanção ou veto do prefeito municipal. As fases finais são a promulgação e a publicação, a primeira caracterizada pela manifestação formal da transformação do projeto em lei; a segunda, por sua vez, ultima a exteriorização da promulga-ção5.

O foco deste estudo é a sanção/veto do prefeito municipal diante de emendas parlamentares. Inicialmente importa ressaltar que uma vez aprovada uma proposição pela câmara de vereadores há o seu encaminhamento para a sanção ou veto do prefeito. A sanção traduz a aquiescência do chefe do executivo, seja quanto à legalidade, seja quanto ao mérito. Pode ser expressa ou tácita. A sanção expressa decorre de manifestação...

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