Perspectivas da história econômica global da baixa idade média

AutorFelipe Mendes Erra
CargoGraduado. Mestrando, Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História, São Paulo, SP, Brasil
Páginas18-37
Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 44, p. 17-37, jan./abr. 2020.
ISSN 2175-7976 DOI https://doi.org/10.5007/2175-7976.2020.e66839 18/156
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar as linhas gerais de um modelo teórico capaz de conduzir
uma abordagem econômica da Baixa Idade Média a partir de uma perspectiva global. Para tanto,
começaremos reconhecendo as diculdades inerentes a esse desao. Na primeira seção, passaremos
em revista diferentes estratégias adotadas pela historiograa diante do desao de conduzir uma
investigação utilizando, como unidade de observação geográca, a macroescala. Na segunda seção,
apresentaremos brevemente algumas propostas de História Global, chegando a uma situação
historiográca radicada na oposição de dois modelos constrangedores para o pesquisador em História
Medieval: uma teoria que vê o início de relações globais apenas a partir do século XVI, e uma teoria
que identica relações globais a partir da Revolução Neolítica, concedendo pequena importância,
quando não um juízo desfavorável, ao período medieval. Na terceira seção, a partir da análise dos
uxos comerciais existentes entre o mar Negro, a Itália e o noroeste da Europa durante o século XIV,
teremos oportunidade de elencar algumas características do comércio transcontinental do período.
Terminaremos com uma breve reexão sobre a possibilidade de construir um modelo teórico capaz de
investigar o emaranhado de conexões econômicas de longo alcance geográco que existiam em um
mundo essencialmente fragmentado, evitando teoremas gerais abstratos em favor da observação das
singularidades locais.
PALAVRAS-CHAVE
História Econômica Medieval. Sistema-Mundo. História Global.
ABSTRACT
This article aims to present the general lines of a theoretical model capable of conducting an economic
approach of the Late Middle Ages from a global perspective. So to, we will start by analyzing the
diculties inherent to this project. In the rst section, we review dierent strategies adopted by the
best historiography considering the challenge of conducting an investigation using Macro Scale as a
geographic unit of observation. In the second section, we will briey present some proposals from the
Global History, presenting a historiographical situation rooted in the opposition of two embarrassing
models for the researcher in Medieval History: a theory that sees the beginning of global relations in
the 16th century, and a theory that identies global relations in the Neolithic Revolution, granting small
importance, when not an unfavorable judgment, for the medieval period. In the third section, from the
analysis of the existing trade ows between the Black Sea, Italy and northwest Europe, during the 14th
century, we will have the opportunity to clarify some features of the transcontinental trade in the period.
Finally, we will end with a brief reection about the possibility of building a theoretical model capable of
investigating the long-distance economic connections that existed in an essentially fragmented world,
avoiding abstract general theorems in favor of the observation of local singularities.
KEYWORDS
Medieval Economic History. World-System. Global History.
Esboços, Florianópolis, v. 27, n. 44, p. 17-37, jan./abr. 2020.
ISSN 2175-7976 DOI https://doi.org/10.5007/2175-7976.2020.e66839
Perspectivas da história econômica global da Baixa Idade Média
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“As Tentações de Santo Antão”, tríptico realizado por Hieronymus Bosch,
apresenta uma complexidade tão numerosa de elementos pictóricos que
dicilmente não causará, na primeira tentativa de observação, um efeito
desorientador. Como primeira etapa do processo de compreensão, Wihelm Fraenger
(2007) realiza a descrição analítica seccionando o tríptico em diversas “microzonas”
narrativas; apenas a asa esquerda é observada a partir de quatro espaços diferentes
(o céu, a procissão dos feiticeiros, Santo Antão sobre a ponte socorrido por monges, e
a zona infernal do córrego). Nessa primeira etapa, cada “microzona” narrativa guarda
pouca ligação com as demais (o incêndio, na zona superior da pintura central, não afeta
o festim na parte inferior da asa direita), e exige uma observação particular (constatar
o incêndio não auxilia na compreensão das três guras que compõem o festim)
(FRAENGER, 2007). A impressão inicial de uma narrativa constituída de elementos
desconexos e desconectados não é rejeitada, mas sim absorvida e subsumida
pelo instrumental teórico do investigador. Não obstante, as pinturas compõem uma
totalidade, manifesta na moldura do tríptico; e a própria presença de Santo Antão, em
diversas cenas, funciona como uma espécie de espinha dorsal que unica a narrativa
repleta de eventos, mensagens e signicados conectados e interdependentes (a
ligação do festim com o incêndio). O processo de compreensão da totalidade coerente
do quadro, nessa metodologia, surge como etapa nal de interpretação do tríptico de
Bosch. Acaso essa metodologia tem algo a ensinar aos investigadores em História
Econômica interessados em uma abordagem global? É possível observar a multidão
fragmentada e desorientadora (às vezes infernal) das fontes primárias à procura
de um Santo Antão capaz de tornar visível qualquer articulação entre elementos
aparentemente desconectados?
Com o objetivo de aplicar uma abordagem inspirada na História Global a
um pequeno corpo documental, realizaremos um breve percurso sobre diferentes
construções teóricas, sem a pretensão de apresentar um catálogo extensivo. Na
primeira seção, apresentarei algumas estratégias formuladas pela historiograa
diante do desao de trabalhar com uma delimitação espacial em macroescala. Na
segunda seção, sempre de forma breve, comentarei tentativas recentes de estudo
da História Global a partir do conceito de “globalização”. Na seção nal, partindo da
atuação comercial das grandes companhias orentinas do século XIV, um possível
modelo teórico será elaborado, com o único intuito de defender poucos preceitos
fundamentais da investigação em história econômica das sociedades europeias da
Baixa Idade Média inspirados em uma abordagem global.
USOS DA MACROESCALA COMO UNIDADE DE OBSERVAÇÃO
Dois problemas iniciais se colocam para toda investigação historiográca: a
delimitação dos marcos temporais e a delimitação dos marcos espaciais. Civilização
material, economia e capitalismo (BRAUDEL, 1979) trata de forma diferente esses
dois desaos. A delimitação dos marcos temporais segue um princípio de maior
rigidez, tratando como conjunto os séculos XV a XVIII. Já na delimitação dos marcos
espaciais, Braudel opera com quatro escalas diferentes. Tendo a Europa como objeto
de investigação, os dois primeiros capítulos procuram denir o espaço desse continente
na história da ocupação do planeta pela espécie humana, partindo de uma tipologia
de sociedades assentadas em cinco diferentes formas de exploração dos recursos

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