A performance na sociedade de História: relações com o documento, com a informação e com a memória

AutorAna Cláudia Lara dos Santos Coelho - Vitor Manoel Marques da Fonseca - Elisabete Gonçalves de Souza
CargoProf. Dr. Departamento de Ciência da Informação, Universidade Federal Fluminense - Profa.Dra. Departamento de Ciência da Informação, Universidade Federal Fluminense - Mestranda em Ciência da Informação, Universidade Federal Fluminense
Páginas1-17
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 24, n. 56, p. 01-17, set./dez.,
2019. Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1518-2924. DOI: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2019.e65042
Artigo
Original
A
PERFORMANCE
NA SOCIEDADE DE HISTÓRIA:
RELAÇÕES COM O DOCUMENTO, COM A INFORMAÇÃO
E COM A MEMÓRIA
Performance in the society of history: relations with document,
information and memory
Ana Cláudia Lara dos Santos Coelho
Mestranda em Ciência da Informação
Universidade Federal Fluminense
anaclaudialaracoelho@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-8436-325X
A lista completa com informações dos autores está no final do artigo
RESUMO
Objetivo: Discutir as aproximações entre os conceitos de performance, documento, informaç ão e memória, a fim de
identificar as possíveis contribuições da ação e dos resultados dos registros para essa forma de arte.
Método: Pesquisa de natureza teórica, pautada nos conceitos apresenta dos por Paul Otlet e Suzanne Briet
(documento), Ana Maria Camargo e Heloísa Bellotto (docum ento de arquivo), Michael Buckland (informação), Renat o
Cohen, Peggy Phelan, Jorge Glusberg e Regina Melim (performance) e Pierre Nora e Ulpian o Meneses (memória).
Resultado: A noção dos documentalistas clássicos, apesar de ampli ada, não abdica da materialidade física/durável dos
documentos. Como a performance não possui tal materialidade, não pode ser considerada documento. No âmbito da
arquivologia, a performance é entendida como a atividade do artis ta, não sendo, portanto, documento. Com relação à
informação, a performance se encaixa no tipo informação-como-conhe cimento, já que é um evento. A respeito da
memória, a pe rformance é confrontada por dois anseios: o de resistir à sociedade de históri a e a necessidade social
pelo conhecimento e pela permanência.
Conclusões: Entende-se que os documentos gerados a partir da perf ormance, ao invés de comprometerem sua
identidade, podem ampl iar as possibilidades de existência e resistência dessa manifest ação artística na sociedade de
história.
PALAVR AS-CHAVE: Performance. Documento. Informação. Memóri a. Sociedade de história.
ABSTRACT
Objective: To discuss the approximations between the concepts of per formance, document, information and memory, in
order to identify possible contributions of the action and result s of recording to this art form.
Methods: Research of theoretical nature, based on the concepts presented by Paul Otlet and Suzanne B riet
(document), Ana Maria Camargo and Heloísa Bellotto (records/archives), Michael Buckland (information), Renato Cohen,
Peggy Phelan, Jorge Glusberg and Regina Melim (performance) and Pi erre Nora and Ulpiano Meneses (memory).
Results: The notion of classical doc umentalists, although enlarged, does not abdicate the physical / durable materiality
of documents. As performance has no such materiality, it cannot be considered doc ument. In the scope of archival
science, the performance is understood as the activity of the artist, not being, theref ore, document. With regard to
information, performance fits into the information-as-kn owledge type, since it is an event. Concerning memory,
performance is confronted by two wishes: that of resisting the his tory society and the social need for knowledge and
permanence.
Conclusions: It is understood that the documents that record the performance, instead of c ompromising the identity of
this artistic manifestation, can broaden its possibilities of e xistence and resistance in the society of history.
KEYWORDS: Performance. Document. Information. Memory. Society of hi story.
Vitor Manoel Marques da Fonseca
Prof. Dr. Departamento de Ciência da Informão
Universidade Federal Fluminense
vitormowlac@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-4551-3945
Elisabete Gonçalves de Souza
Profa.Dra. Departamento de Ciência da Informão
Universidade Federal Fluminense
elisabetes.souza@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-9707-6017
Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 24, n. 56, p. 01-17, set./dez.,
2019. Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1518-2924. DOI: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2019.e65042
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1 INTRODUÇÃO
Em 1917 Marcel Duchamp (1887-1968), sob o pseudônimo “R. Mutt”, enviou uma
peça para uma exposição organizada pela Sociedade dos Artistas Independentes, em
Nova Iorque. A obra foi recusada e desapareceu. Para participar da “Exposição dos
Independentes”, bastava aos interessados enviarem o trabalho e pagarem uma pequena
taxa. A obra de arte enviada era um mictório, colocado em posição invertida, assinado,
datado e intitulado “A Fonte”.
Essa história instiga uma série de questões. Por que ele não escreveu o próprio
nome no trabalho? Por que ele mandou um mictório para a exposição, e não um objeto
mais “aceitável”? Por que ele assinou e datou o objeto se não o produziu? Por que
escolheu como título “A Fonte”?
Para todas essas perguntas existem respostas. Ele inventou um pseudônimo pois
não só conhecia os artistas da Sociedade dos Independentes, como fazia parte do seu
conselho de diretores. Ele escolheu um mictório porque, de acordo com suas palavras,
era o objeto mais desinteressante e menos estético que poderia imaginar. Além disso,
essa estratégia artística já havia sido empregada por Duchamp em anos anteriores (com
obras criadas através de objetos comuns, como roda de bicicleta e banco de cozinha,
pente para pelo de cachorro, pá de tirar neve etc.), trabalhos esses chamados de
readymades.1 Ele assinou, datou o mictório e escolheu aquele título porque gostava de
unir aos objetos que selecionava palavras ou frases que poderiam trazer um duplo
sentido, ampliando a percepção do público sobre os mesmos. Duchamp gostava de
ironias e aliterações.
Se as respostas já são conhecidas, porque descrevê-las aqui? Porque elas ajudam
a esclarecer dois efeitos gerados pelos readymades de Duchamp no campo da arte: o uso
de materiais não convencionais e o fim do conceito de gosto enquanto primordial para
avaliação de obras de arte (DANTO, 2008, p. 21). Diante do mercado da arte e da crítica
especializada da época, com sua teoria de “bom gosto”, “prazer estético”, e “produção
manual”, Duchamp propõe uma forma de valoração radical: o ato criador do artista. Tal
1 “O readymade foi o antídoto proposto por ele para a arte retiniana, pois ‘sempre era a ideia que chegava
na frente e não o exemplo visual’. O que é arte? Era a pergunta que os readymades faziam. E sugeriam, de
modo muito perturbador, que ela podia ser qualquer coisa um readymade, de fato, era ‘uma forma de
negar a possibilidade de definir arte’. [...] De qualquer modo, o conceito de Duchamp sobre readymades
estava sempre mudando e ele, segundo suas próprias palavras, nunca conseguiu achar uma definição que
o satisfizesse plenamente” (TOMKINS, 2004, p. 181).

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