Past, present and context in the light of the historiography of International Law/Passado, presente e contexto a luz da historiografia do Direito Internacional.

AutorAfonso, Henrique Weil
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

O objetivo desse estudo e fornecer substratos para a analise de certos desdobramentos metodologicos relacionados ao giro historiografico que perpassa os dominios do Direito Internacional, e assim iluminar pontos pouco explorados do tambem referido giro contextualista.

Em uma leitura preliminar, as razoes pelas quais os intemacionalistas vem voltando suas atencoes para o passado sao de natureza exclusivamente pragmatica: buscar, no passado, licoes para os problemas do presente. Entretanto, a insistencia de posturas criticas comprometidas com a desconstrucao de processos historicos de exclusao e subalternizacao--tal qual o colonialismo, imperialismo e dependencia economica--tem, dentre outros, o efeito de questionar a crenca de progresso historico da disciplina, assim como a integridade de seus designios cientificos.

Recentemente, Emmanuelle Tourme Jouannet e Anne Peters, ao assumirem vaga no corpo editorial do Journal of the History of International Law, assinalaram que "esse retorno a historia significa precisamente que os historiadores do direito internacional de hoje nao mais se contentam com relatos anteriores, mas, ao contrario, vislumbram retrabalhar um dominio que eles consideram altamente fertil" (JOUANNET e PETERS, 2014, p. 3, traducao nossa).

Isso significa que, paralelamente ao registro da multiplicidade de abordagens teoricas que vem tomando forma nas ultimas decadas--por exemplo, estudos criticos do Terceiro Mundo, feminismo, pos-modernismo, estruturalismo, pos-estruturalismo, culturalismo, pragmatismo, law and economics, para citar apenas algumas--, o estudo da historia do Direito Internacional atravessa um periodo de renovacao: metodos, sujeitos, eventos e processos atuam no labor historiografico compondo uma paisagem mais diversa e plural da disciplina. A primeira secao almeja fornecer um quadro geral desses pontos.

Para os proponentes da vocacao critica do saber historico, a denuncia de provaveis pontos cegos da historiografia convencional acarreta um comprometimento com os processos de exclusao, hierarquizacao das diferencas e expansao desigual da sociedade internacional, conforme ver-se-a na secao seguinte. Marco conceitual desse trabalho, a metodologia poscolonial concentra um conjunto de inflexoes sobre o papel do colonialismo e imperialismo na consolidacao da violencia da Modernidade. Muitas aproximacoes vem sendo feitas entre esta vertente critica e a historiografia do Direito Internacional, revelando nao somente rupturas e contradicoes das narrativas consagradas, mas, tambem, o papel do pensamento autocritico (ANGHIE, 2004, 2006; TROUILLOT, 1995; TULLY, 2008).

Em desafio a linearidade temporal do conhecimento historico convencional, insere-se a proposta de revisitar pensadores como Francisco de Vitoria no intuito de compreender o papel das doutrinas juridicas na legitimacao do colonialismo. Seu legado humanista revela-se, entao, controverso sob a otica critica. Todavia, em nivel metodologico, e proficuo afastar-se tanto das biografias apologeticas a justificacao das violencias no Descobrimento, quanto daquelas comprometidas com a denuncia do projeto colonial de Vitoria no seculo XVI e do Direito Internacional moderno desde entao. Cabe, entao, o registro do recente engajamento com eventos e passagens canonicas da disciplina que, antes de qualquer celebracao dos legados universais, procura identificar as conexoes entre a idealizada visao de certo pensador--ou ideia ou instituto--e sua atualidade na compreensao do contexto contemporaneo.

Nas duas ultimas secoes o foco convergira para o metodo historico, mais precisamente sobre um antigo debate da disciplina historiografica: se devemos interpretar o passado nos termos em que este se apresentava para quem o vivenciou--diacronismo--ou, ao contrario, se a leitura do passado demandaria um julgamento a partir dos valores do tempo do interprete--anacronismo.

Todavia, e a despeito dos movimentos teoricos jusinternacionalistas aderentes ao denominado metodo contextualista, anteve-se a necessidade de dialogo com dimensoes anacronicas das historias que contamos, seja na reflexao sobre a infiltracao colonizadora das ideias no proprio contexto de nosso presente producao do saber, seja no poder desestabilizador que a propria complexidade do registro historico termina por impor a tarefa do historiador do direito.

  1. Do marco da Historia oficial ao esforco por historias plurais

    Em 1927, o Capitao do Exercito Norte Americano Elbridge Colby escreveu um artigo academico intitulado How to Fight Savage Tribes, publicado no entao recentemente criado American Journal of International Law. Na condicao de especialista militar, Colby se prestou a tecer consideracoes sobre a aplicabilidade das leis da guerra--Direito Humanitario--na regulacao da conduta do que denominou "Estados civilizados" em confronto com "povos nao civilizados" ou "selvagens". Disposto a defender a tese de que, no ambito do Direito Internacional, as leis da guerra nao se aplicam para conflitos entre povos civilizados e nao civilizados, Colby baseou seu argumento em questoes de fato e de direito.

    As questoes de fato envolvem as diferencas de graus, ou estagios, de desenvolvimento civilizacional. Escreve o capitao que, "de fato, entre os selvagens, a guerra envolve a todos [...] nao ha distincao entre combatentes e nao combatentes" (COLBY, 1927, p. 281, traducao nossa). Diferentemente, entre os povos civilizados, "[...] o moderno e entao conhecido metodo 'civilizado' tenta fazer uma distincao entre combatentes e nao combatentes" (COLBY, 1927, p. 281, traducao nossa).

    No que concerne as questoes de direito, os povos "nao civilizados" nao desfrutam do status de pessoa juridica de Direito Internacional. Carecendo do reconhecimento enquanto Estados, nao usufruem das provisoes legais aplicaveis aos sujeitos soberanos ja reconhecidos:

    [...] em puro sentido legal, ele [o comandante Ocidental] nao esta vinculado a obedecer os preceitos do direito internacional contra qualquer nacao que nao e parte nas convencoes relativas a qualquer ponto particular em questao (COLBY, 1927, p. 287, traducao nossa).

    E possivel afirmar, com elevado grau de conviccao, que pareceres como o do Capitao Colby seriam recebidos, em nossos dias, em tons de assombro. De um modo geral e tambem panoramico, para o estudo convencional da historia da disciplina, dizer-se-ia que este tipo de discriminacao nao tem qualquer cabimento a luz dos principios e valores que vinculam a sociedade internacional contemporanea. Seguiria a contencao de que, se no contexto da decada de 1920, o Direito Internacional compactuou com posturas como as descritas por Colby (1927), tal fato deve ser interpretado como uma etapa na transformacao do direito que rege a sociedade internacional. Nada menos que a igualdade perante o direito, independentemente de qualquer forma de distincao cultural, consubstanciaria, em nossos dias, o produto final da evolucao do Direito Internacional em prol do progresso dos povos e da defesa dos direitos da pessoa humana.

    A referida alusao a compreensao da historia do Direito Internacional a partir da exaltacao do progresso esta presente em Lassa Oppenheim, e vem exercendo fascinio entre os internacionalistas de variadas matizes. Escrevendo quase duas decadas antes de Colby (1927), em Oppenheim (1908) a relevancia do estudo da historia da disciplina reside na celebracao dos feitos--o triunfo da ordem sobre a anarquia--e na instrucao dos internacionalistas do presente. A tarefa do jurista e reconciliar, de forma harmoniosa, o passado e presente da disciplina, na qual:

    [...] devera, em especial, trazer a luz o papel que certos Estados desempenharam no desenvolvimento vitorioso de certas regras e quais foram os interesses economicos, politicos, humanitarios, religiosos ou outros que ajudaram a estabelecer as presentes regras do direito internacional (OPPENHEIM, 1908, p. 317, traducao nossa).

    Conceber a historia em termos de progresso, isto e, o Direito Internacional compreendido sob a premissa de sua evolucao temporal e linear, partindo dos antecedentes da antiguidade, superando as prisoes epistemicas da Idade Media e culminando na moderna sociedade internacional de Estados, representa a primeira de duas tradicoes gerais (1) que dominaram a historiografia da disciplina na maior parte do seculo XX (FASSBENDER e PETERS, 2012, p. 20).

    Em adicao a essa primeira inclinacao metodologica, jaz a percepcao idealizada dos institutos ao longo e atraves do tempo. Alcunhada de historicismo, esta segunda vertente historiografica foi descrita por David Kennedy como uma autentica profissao de fe, pois presta-se a "[...] reforcar a fantasia de que aquele algo chamado 'direito internacional' teve e vem tendo uma presenca continua atraves das diferencas no tempo e lugar" (KENNEDY, 1990, p. 90, traducao nossa). E, consoante anotacao de Michel-Rolph Trouillot (1995), a matriz positivista do historicismo responde pela pretensao de cientificidade do conhecimento historico, uma vez que predomina a diferenciacao entre o universo historico e a cognicao do mesmo.

    Ambas as vertentes frequentemente combinam-se para "proporcionar a historia do direito internacional um claro substrato de proposito e direcao e, portanto, conferindo-lhe uma estrutura abrangente", assinalam Anne Peters e Bardo Fassbender (2012, p. 2, traducao nossa).

    Interessante notar que a pretensao de escrever a historia universal tradicionalmente norteou o labor historiografico dos internacionalistas. E o que sublinha, por exemplo, Martti Koskenniemi, quando examinou a tradicao jusinternacionalista da segunda metade do seculo XIX. Pontua o autor que o referido periodo registrou a ascensao de uma sensibilidade historica de cunho universalista, marcada pela celebracao da razao sobre a barbarie e, sobretudo, pela crenca no progresso do Direito Internacional. A disciplina, imersa em um imaginario liberal progressista, possuia uma origem--a Antiguidade--, e viria construir-se...

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