A passagem para o deserto do real

AutorMônica Sette Lopes
Páginas154-162
A Passagem Para o
Deserto do Real
O rádio ligado no carro anuncia, num intervalo entre mú-
sicas: “- Se você tem um problema que não consegue resolver, o Tri-
bunal de Justiça tem um juizado especializado em conciliação que
pode ajudar. Procure-o.
A reação imediata, visceral, é mudar a estação. Cortar a
mensagem antes que a propaganda acabe. Mas isto é inútil: a propa-
ganda está no ar. O conito foi parar na prateleira do supermercado.
O acesso à justiça deixa de ser um instrumento de controle formal-
mente engendrado e se instala no varejo. A funcionalidade do direi-
to também adere ao consumo.
O direito e a música são produtos da indústria cultural e
se encontram à venda. O que importa não é a sua substância, mas
o retorno nanceiro que podem representar como mercadorias que
enfeitam as telas das televisões, as bancas de revista. Eles são estrata-
gemas da publicidade encomendada388.
“O uso que se faz da música não é um uso musical, passan-
do a ser ora pose de “consumo de cultura, ora relax, dis-
tração fantasiosa, exercício muscular técnico-ginástico”389.
O povo transforma-se em consumidor. O público é apenas
a contraface das expectativas de venda. Ele consome a música390 e o
direito. E o faz sem conhecer ou sem entender: vive-se o “mito da
caverna acústico”391.
Ele não tem o domínio das operações secretas. Desconhece
388 Sobre a evolução da ideia de mercado e sua apropriação pelo direito, cf.
HESPANHA, 1972, p. 3-22.
389 WISNIK, José Miguel. O minuto e o milênio ou Por favor, professor, uma década
de cada vez. In: WISNIK, 2004, p. 176.
390 Cf. CANDÉ, 2001, v. 1, p. 20, 28-9.
391 CANDÉ, 2001, v. 2, p. 404. A referência parte da metáfora composta por Platão
n’A república, vinculada ao conhecimento.

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