Organismos Geneticamente Modificados e Relações de Consumo

AutorAna Paula Liberato
CargoAdvogada, mestre em Direito Socioambiental pela PUC/PR. Professora de Especialização em Direito Contratual da Unicemp
Páginas16-20

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Introdução

A partir do século XVIII, com o surgimento da terceira geração de direitos, qual seja os direitos coletivos e difusos, houve uma alteração na concepção de meio ambiente, partindo-se de uma visão antropocêntrica para uma visão ecocêntrica.

A alteração da forma de tutela do meio ambiente - para uma concepção ecocêntrica e/ou biocêntrica - fez com que o homem deixasse de ser o centro do universo para ser apenas um dos elementos componentes do ecossistema. Dessa forma, o ser humano passou a interagir na busca de um equilíbrio ambiental e, acima de tudo, de um desenvolvimento sustentável.

Mencionada modificação é decorrência direta dos efeitos da Revolução Verde, surgida após a Revolução Industrial, que, na busca de produtividade a qualquer custo, introduziu componentes químicos alienígenas no ambiente, causando uma vasta degradação ambiental, o que gerou a alteração de concepção sobre o papel do homem no meio ambiente.

Nessa perspectiva, o art. 225 da Constituição Federal determina que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. Neste dispositivo houve a elevação do meio ambiente a categoria de direito fundamental do homem; portanto, um prolongamento dos direitos humanos.

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Tendo em vista a nova concepção do meio ambiente, fez-se necessária a introdução de novos institutos jurídicos capazes de coibir as práticas atentatórias ao meio ambiente.

O princípio da precaução caracteriza a maior conquista em matéria de proteção ao meio ambiente, na medida em que determina que, ante a incerteza técnico-científica, o Poder Público e a coletividade devem determinar a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) das atividades lesivas ao meio ambiente, consoante Resolução 237 do CONAMA, estando adstritos a eventuais responsabilidades sem comprovação de culpa no caso de superveniência de dano.

O EIA/RIMA possui o objetivo de evitar que um projeto (obra ou atividade), justificável sob o prisma econômico ou em relação aos interesses imediatos de seu proponente, se revele posteriormente nefasto ou catastrófico para o meio ambiente. Valoriza-se, na plenitude, a vocação essencialmente preventiva do Direito Ambiental, expressa no conhecido apotegma: é melhor prevenir que remediar.

Os Organismos Geneticamente

Modificados (OGMs) são entes biológicos alterados via engenharia genética, que acarretam um grave desequilíbrio ambiental, na medida em que alteram a estrutura dos ecossistemas e não vislumbram efeitos imediatos de sua utilização no organismo ou liberação ao meio ambiente.

Dessa forma, o princípio da precaução, e a conseqüente exigência de EIA/RIMA, constituem uma hipótese viável de controle da liberação dos OGMs no ambiente, uma vez que antes da sua utilização deverão ser avaliados e testados.

Os consumidores devem ser protegidos em todas as situações, a fim de que obtenham informações precisas sobre os produtos que estão consumindo, haja vista que o ordenamento jurídico brasileiro determina a informação sobre o produto (Art. 31 do CDC) e não sobre o processo de elaboração de uma das matérias-primas do alimento.

Para a perfeita manutenção do equilíbrio ambiental, faz-se mister a exigência do EIA/RIMA dos OGMs, em decorrência do princípio da precaução, de modo que os consumidores tenham acesso a informações precisas sobre o processo de fabricação dos elementos do produto e não apenas do produto final, para que se consiga alcançar o desenvolvimento sustentável.

Biodiversidade e biotecnologia

As alterações orgânicas são resultado direto das modificações feitas pelo homem em plantas e animais, com o objetivo de criar um novo organismo diferenciado dos já existentes. Mencionadas diversificações possibilitam-se através da biotecnologia e da engenharia genética, uma vez que estes qualificam-se como instrumentos hábeis para as modificações.

A biotecnologia, em breves palavras, é o conjunto de técnicas que permitem aos seres humanos a realização de mudanças específicas no ácido desoxirribonucléico (DNA), no ácido ribonucléico (ARN), ou no material genético de plantas, animais e sistemas microbianos, conducentes a produtos e tecnologias úteis.

Nas considerações de Mariella Bussolati e Sabina Morandi, biotecnologia caracteriza-se como:

"O complexo das aplicações das técnicas de biologia molecular e da engenharia genética concluídas ao desenvolvimento de produtos ou processos químicos de interesse industrial, principalmente no campo da medicina, da farmacologia e da agricultura".1

Em matéria normativa, a biotecnologia é prevista como um procedimento capaz de propiciar o desenvolvimento e o melhor atendimento das questões relacionadas à saúde, maior segurança alimentar e práticas agrícolas sustentáveis, consoante previsão da Agenda 21, especificamente da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto 2.519, de 16.03.1998.

No ordenamento jurídico brasileiro encontra-se a previsão da biotecnologia na Lei 8.974/95; contudo, de maneira um pouco superficial, na medida em que há somente a recomendação sobre os organismos modificados e sua liberação no ambiente, sem levar em consideração os objetivos e fatores de sua criação.

Pode-se afirmar, categoricamente, que a biotecnologia não constitui apenas o conjunto de elementos capazes de determinar uma alteração genética, mas, acima de tudo, significa a modificação do meio ambiente natural e a criação de organismos anômalos ao equilíbrio ecológico e sustentável.

Dessa forma, a biotecnologia deve ser analisada com cautela, uma vez que o equilíbrio do meio ambiente depende de um desenvolvimento sustentável e esse, via de conseqüência correlaciona-se com a verificação da finalidade e do interesse da coletividade.

A biotecnologia e a engenharia genética, atualmente, apesar dos objetivos técnicos definidos, vêm assumindo uma conotação deveras deturpada, na medida em que transformam-se em biopirataria com o intuito da apropriação indevida de conhecimentos tradicionais necessários à manutenção da biodiversidade e do desenvolvimento sustentável.

Biodiversidade é o termo utilizado para se referir a uma diversidade biológica, ou seja, a simbiose entre vários ecossistemas e a diversificação dos elementos bióticos e abióticos de cada sistema separadamente.

Nas palavras de Marcelo Dias Varella: "A biodiversidade pode ser definida como a variação biológica de determinado lugar, ou, em termos mais genéricos, como o conjunto de diferentes espécies de seres vivos de todo o planeta. De forma mais ampla, define-se biodiversidade como o total de organismos existentes, a sua variação genética e os complexos...

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