Operators of law in attendance of trans people/ Operadores do direito no atendimento as pessoas trans.

Autorde Jesus, Jaqueline Gomes

Introducao

Como psicologa social, eu gosto de comecar debates sobre papeis sociais refletindo sobre questoes relativas a identidade. Tomemos as pessoas trans como um objeto de estudo: quais conhecimentos e experiencias elas trazem para os demais seres humanos, para toda a sociedade?

A personalidade e a forma dinamica como nos interagimos com o mundo, com os nossos corpos e com os de outros seres (ALLPORT, 1937). Cada individuo tem uma forma unica de lidar com o ambiente que o cerca. Na Psicologia Social buscamos compreender a resposta que os sujeitos dao a pergunta: "Quem e voce"?

Quem nos somos depende da cultura, do tempo, do lugar. A gente tem diferentes definicoes para quem nos somos, as quais tem muito a ver com a cultura na qual vivemos. Esse e um dialogo intenso com o conceito de identidade social, que e a maneira como voce se define enquanto parte de um grupo. E um auto-construto, um construto de si com relacao a sociedade.

Eu sou mulher. Considerar-se mulher e sentir-se como parte de um grupo. E uma identidade social, ou seja, nao e apenas um conceito, nao e apenas uma cognicao, nao e apenas uma informacao. Ela contem, alem de uma informacao, um valor simbolico e afetivo (TAJFEL, 1982).

O que significa ser mulher nesta sociedade sexista, machista? O que significa ser homem nessa mesma sociedade? Nos temos grandes desafios, quando pensamos na nossa sociedade, porque nos vivemos um processo que esta em curso ha milhares de anos e ainda nao terminou, que e o de sermos humanos; ou melhor, sermos mais humanos.

Humanidade como projeto

Quando falo de humanidade eu me refiro a um projeto que, dependendo da epoca, tem significados por vezes opostos. O que e ser humano ou nao? Nossa resposta a essa questao e respondida em tudo que nos reproduzimos nas varias organizacoes em que a gente vive, como familia, escola, os diferentes espacos sociais. Mesmo depois de tantas evolucoes que nos passamos na historia da humanidade, nos ainda nao tratamos todas as pessoas como plenamente humanas ou nao reconhecemos a humanidade de alguns.

Nossa luta e para que, um dia, reconhecamos todas e todos como plenamente humanos. Isso parte da discussao sobre os direitos humanos.

Pensemos em nossa sociedade, a brasileira. Nos nao reconhecemos todos os grupos como plenamente humanos, e eu posso destacar pelo menos dois que se configuram adequadamente na categoria de castas, sem nenhum problema com a sociologia, que sao considerados o lixo e a escoria a margem da sociedade (ou seja, nao estao fora dela, mas em um lugar de total desprivilegio), que sao assassinados sem espanto publico, ocupam as mais degradantes posicoes e papeis: as travestis e a populacao em situacao de rua.

Eis pessoas nas quais se pode "botar fogo", bater, inclusive matar, e isso nao sera considerado um ato de barbarie por uma parcela da sociedade. Geralmente e ate tomado como uma consequencia inerente a existencia desses seres.

No dia-a-dia se ouve falar sobre homofobia, e em geral os profissionais do Direito ja devem ter lido algo a respeito. Porem, muito provavelmente, pouco ou nada ouviram ou leram sobre transfobia, e nao tiveram acesso a informacoes um pouco mais aprofundadas sobre essa forma de violacao. Lacuna essa que, em parte e mui brevemente, tentar-se-a sanar.

Aprendemos que homens e mulheres sao diferentes--ou parecidos--, nas suas formas de pensar e de agir, por causa da "natureza", da "masculinidade" ou da "feminilidade" que lhes seriam "inerentes, e que essas diferencas e semelhancas sao um fato decorrente da biologia. Entretanto, o modo como nos comportamos em sociedade, sejamos meninas e meninos, nao e decorrente de "instintos basicos", ou de nossa genetica, ele e construido socialmente, desde o nascimento, quando nos ensinam a agir de acordo com o genero com que somos identificados, somos ensinados a ter determinados papeis e expressoes de acordo com o fato de sermos considerados homens ou mulheres.

A nossa sociedade costuma definir se uma crianca e homem ou mulher a partir da identificacao do orgao genital, comumente antes do nascimento e dela se perceber no mundo e com este se relacionar conscientemente, a partir do uso da linguagem verbal. Vale ressaltar que os estereotipos comecam a ser aprendidos desde a apreensao da comunicacao nao-verbal pela crianca (JESUS, 2011).

As relacoes de genero dependem de como cada cultura interpreta o que sejam caracteristicas ditas "femininas" e "masculinas", e a valoracao dada por cada cultura a cada uma dessas dimensoes (HERDT, 1996). Pessoas de diferentes conjunturas temporais e espaciais entendem diversamente como mulheres e homens sao e se comportam, e inclusive podem considerar que haja mais de um genero, mais do que dois, ou apenas um.

Contrariando o senso comum, ha pessoas que vivenciam papeis de genero e se reconhecem como alguem daquele genero X independentemente da designacao social, decorrente da suposicao de seu sexo a partir da identificacao de um orgao genital "nao-ambiguo". E e o caso das pessoas trans (travestis e transexuais).

Transgeneridade e desumanizacao

Quando falamos dos desafios enfrentados pelas pessoas trans, o conceito de homofobia nao e suficiente. E melhor falar de transfobia, que e o preconceito e/ou a discriminacao em funcao da identidade de genero das pessoas trans (JESUS, 2015).

A populacao trans busca o reconhecimento legal de sua identidade de genero. A vivencia das pessoas trans com seu genero nao tem nada a ver com orientacao sexual, mas com genero: elas lutam para serem reconhecidas pelo genero com o qual se identificam e nao por aquele que lhes atribuiram socialmente (BENTO, 2006, 2008).

Tal qual as demais pessoas, uma pessoa trans pode ser bissexual, heterossexual, homossexual ou ainda assexual, dependendo do genero que adota e do genero com relacao ao qual se atrai afetiva e sexualmente: mulheres trans que se atraem por homens sao heterossexuais, tal como seus parceiros; homens trans que se atraem por mulheres tambem o sao. Ja mulheres trans que se atraem por outras mulheres sao homossexuais, e homens trans que se atraem por outros homens tambem (JESUS, 2012a). Nao se pode esquecer, igualmente, das pessoas bissexuais.

Nem todas as pessoas trans sao gays ou lesbicas. Apesar de serem identificados como membros do mesmo grupo politico, o de Lesbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais--LGBT, nao necessariamente compartilham as mesmas questoes relativas a sexualidade, e demandam pautas identitarias que nao sao almejadas pelos LGB.

Referenciando-nos em nossa sociedade binaria, pode-se definir que heterossexuais se sentem atraidos por pessoas de genero diverso ao seu; homossexuais por pessoas do mesmo genero, bissexuais por pessoas de qualquer ou ambos os generos; assexuais nao sentem atracao sexual, porem podem sentir atracao em termos romanticos por alguem.

Ao contrario do senso comum, orientacao sexual nao decorre da identidade de genero. O fato de alguem ser homem/mulher nao implica que esta pessoa tenha, por definicao, uma orientacao sexual X. No que concerne a lesbicas, gays e bissexuais, eles nao se questionam quanto a sua identidade como homens ou mulheres, tampouco quanto ao genero que lhes foi atribuido quando nasceram, ao contrario do que ocorre com as identidades trans.

Pessoas trans nao sao excluidas e violentadas por causa de sua orientacao sexual, mas devido a leitura preconceituosa quanto a sua identidade de genero. Porque se acredita que o "natural" e que o genero atribuido ao nascimento seja...

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