Operações de credito e a disciplina do mercado financeiro

AutorRenato M. Buranello
Páginas171-180

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1. O mercado financeiro Noção conceitual

O mercado financeiro é o mercado da intermediação bancária ou intermediação financeira. Caracteriza-se pela interposição da entidade financeira entre aqueles que têm recursos disponíveis e aqueles que necessitam de crédito. A instituição financeira aparece como captadora de dinheiro junto ao público, para posterior cessão desses valores àqueles que precisam de financiamento.

As instituições financeiras cumprem justamente a função económica de viabilizar esse trânsito (mobilização) entre poupança popular e financiamento. É no mercado financeiro que se desenvolve a ativi-dade bancária por excelência, consistente na intermediariedade na circulação do dinheiro.

Em suma, podemos definir o mercado financeiro como o conjunto de operações realizadas entre as instituições financeiras, bancos e demais entidades financeiras e o público em geral, consistentes, dentre outras atividades acessórias, na captação de recursos financeiros junto à economia popular, para posterior concessão de crédito a terceiros. Este mercado é norteado por princípios protecionistas da economia popular e da estabilidade da comunidade financeira e sob regime do direito do mercado financeiro1.

As regras que disciplinam o mercado financeiro brasileiro estão dispostas de forma hierarquizada e tendo como norma superior fundamental a Constituição Republicana de 1988, seguido por: emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias e medidas provisórias (decretos-leis), resoluções do Conselho Monetário Nacional, circulares do Banco Central do Brasil, pareceres, notas explicativas, portarias e atos declaratórios da Comissão de Valores Mobiliários.

Como conjunto de instrumentos que recebe e remunera a poupança e também no atendimento das regras de política monetária e cambial, o sistema financeiro estará adstrito a uma regulação e fiscalização específica da atividade.

Dentro do regime jurídico da livre iniciativa, aos agentes do mercado caberá a

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execução das atividades do sistema. Assim, há de haver segurança e solidez no mercado financeiro e de capitais, promovendo práticas transparentes, eficiência do setor, proteção aos depositantes e investidores, na manutenção da estabilidade económica do sistema financeiro.

A liberdade de iniciativa pressupõe também a existência de uma liberdade de contratar. Vale dizer que o compromisso formado entre agentes económicos normalmente é realizado por contratos. São seus elementos a faculdade de contratar ou a escolha com qual fazê-lo e que negócio estipular e qual seu conteúdo; por fim, com o poder de mobilizar o aparelho estatal na solução judicial dos conflitos. Deste modo, caracterizam o regime da livre iniciativa:

- liberdade de empreendimento e gestão;

- livre concorrência;

- autonomia da vontade;

- apropriação do lucro;

- propriedade privada.

A atividade financeira está inserida em sua integralidade na livre iniciativa, no livre acesso ao mercado financeiro e de capitais. Coloca-se totalmente fora do regime de monopólio e não se confunde com a concessão de serviço público. A função económica da captação da poupança pública no livre acesso ao mercado não significa concessão de serviço público.

Destaca-se dentre os segmentos da livre iniciativa nas características de acesso exclusivo à poupança popular, atendimento a regras de política monetária e cambial, permissão para iniciar e manter operação e fiscalização da atividade.

Assim é que, em nome da defesa da poupança pública, na afetação da propriedade privada que a norma regula, há a inserção de requisitos próprios da atividade financeira e de crédito, numa regulação específica. Há um maior grau de intervenção em relação às demais atividades económicas, em função do acesso à poupança pública e da criação da moeda.

A Lei 4.595/1964 veio dispor sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e de crédito, criando o Conselho Monetário Nacional e estruturando e regulando o Sistema Financeiro Nacional, constituído pelos seguintes órgãos: (i) Conselho Monetário Nacional; (ii) Banco Central da República do país; (iii) Banco do Brasil; (iv) Banco Nacional do Desenvolvimento Económico; e (v) instituições financeiras públicas e privadas. Deste modo, estava se configurando como é hoje o Sistema Financeiro Nacional.2

A função de controle atribuída pelo Conselho Monetário Nacional ao Banco Central da República do Brasil sobre o Sistema Financeiro Nacional, e especificamente sobre as instituições financeiras, exigia uma caracterização do que se entenderia legalmente por "instituições financeiras", consideradas as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, interme-diação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. São equiparadas às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer dessas atividades de forma permanente ou eventual.

Por excelência, o Banco Central do Brasil é a entidade encarregada de tutelar a atividade financeira, fiscalizando-a, ditando regras de controle e administração e até liquidando-a, quando as condições assim exigirem.

Como órgão fiscalizador do sistema financeiro, deve zelar pela estabilidade das

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instituições financeiras. É o garantidor do sistema enquanto autoridade monetária que assegura a liquidez do sistema. Tutela a ati-vidade financeira, fiscalizando-a, ditando regras de controle e administração e até mesmo liquidando instituições, quando as condições assim exigirem.

Competem ao B ACEN a expressa autorização para constituição e o funcionamento de qualquer instituição financeira bem como os atos de transferência de sede, instalação, transferência ou encerramento de atividades de dependências, inclusive no exterior; alteração do valor do capital social; transformação do tipo jurídico, fusão, incorporação e cisão; investidura de administradores, responsáveis ou prepostos, conselheiros, fiscais e membros de quaisquer outros órgãos estatutários; alienação do controle societário; participação estrangeira no capital social e sua liquidação ou dissolução.

Dente os poderes de fiscalização do BACEN, como órgão de fiscalização do sistema bancário, na quebra de sigilo bancário, estão relacionados as informações oriundas das instituições financeiras ou das pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as que atuem como instituição financeira a cerca das operações. De ativo, de passivo e de quaisquer outros dados que possam auxiliá-lo no exercício de suas atribuições.

2. Agiotagem ou usura nos contratos

Fundamento contratual das operações de crédito na forma de empréstimo, o mútuo vem conceituado no art. 586 do CC: "é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo género, qualidade e quantidade".

O mútuo civil opõe-se ao mútuo bancário, que, dados o caráter empresarial e a qualificação do mutuante como instituição financeira, tem caráter mercantil. Esta distinção tem grande relevância, à medida que determina o regime jurídico dos juros nos contratos.

O CC anterior determinava, em seu art. 1.062, que os juros devidos por força de lei, quando não convencionados, seriam de 6% ao ano, inexistindo tal limitação nos casos em que as partes mencionassem no contrato a taxa de juros a ser utilizada. Por sua vez, o art. l2 do Decreto 22.626, de 7.4.1933 (Lei de Usura), dispunha que era vedada a cobrança de juros superiores ao dobro da taxa legal, deste modo, 12% ao ano. Essa sistemática foi alterada pelo Código Civil de 2002, que disciplinou a matéria em seu art. 406: "Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".

Em razão de o art. 406 do CC de 2002 prever sua regulamentação por norma relativa ao "pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional" leva-nos a analisar o disposto no Código Tributário Nacional. Nesse sentido, o § Ia do art. 161 do citado diploma estabelece que o crédito não pago no vencimento será acrescido de juros de mora, calculados à taxa de 1% ao mês, nos casos em que a lei não dispuser de modo diverso. Diante disso, a questão restou aparentemente solucionada no sentido de que a taxa de juros deveria ser aplicada à razão de 12% ao ano.

Posteriormente, com a edição do art. 13 da Lei 9.065, de 20.6.1995, e reedições do dispositivo que culminou no art. 30 da Medida Provisória 2.176-79, de 23.8.2001 (posteriormente convertida na Lei 10.522, de 19.7.2002), a taxa de juros moratórios dos tributos devidos à Fazenda Nacional passou a ser equivalente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente.

Muito se discutiu a...

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