Reorganização operacional e societária. Ação declaratória de nulidade de deliberações de conselho de administração de S/A. Suposto conflito de interesses

AutorMauro Rodrigues Penteado
Páginas237-268

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"Os administradores da empresa ‘A' têm, a nosso ver, inclusive a obrigação legal de aprovar a reorganização operacional e societária da empresa 'B', pois se não o fizessem estariam violando o disposto no art. 158, inc. I, da Lei das S/A, e assim sujeitando-se à ação de responsabilidade civil a que se refere o art. 159 da lei acionária."1

Consulta
  1. Consultam-nos os eminentes advogados da companhia doravante designada simplesmente empresa "A", da empresa "B" e dos Conselheiros eleitos na primeira pela empresa "C", acerca de questões

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    jurídicas específicas suscitadas em Ação Declaratória de Nulidade de Deliberação de Conselho de Administração, recém-proposta pela empresa "D" e pela empresa "E" (ou "Autoras" ou "D-E", pois atuam concertadamente) - o mais novo procedimento judicial iniciado pelo Grupo norte-americano "X", que juntamente com o Grupo norueguês "Y" vêm questionando a reorganização operacional e societária da sociedade "B", e de suas controladas, as sociedades "F" e "G".

  2. Desta feita as Autoras renovam, com outro fundamento jurídico, pedido de declaração de nulidade das deliberações adotadas pelo Conselho de Administração da sociedade "A", que aprovou a operação, pedindo que sejam declarados nulos os votos dos oito membros eleitos pela empresa "C", e, como decorrência, que "seja reconhecida a reprovação da matéria pela empresa 'A', de acordo com o voto contrário de um único conselheiro de confiança dos Grupos 'X' e ‘Y'" (sic!). Na seqüência deste inusitado pleito, formulam as Autoras, "sucessivamente, em caráter eventual, (que) seja julgada inválida a deliberação do Conselho (...) devendo a matéria ser novamente submetida a deliberação quer da Assembléia de Acionistas, quer do Conselho de Administração da empresa 'A’, antes da realização de eventual Assembléia Geral Extraordinária da sociedade 'B' para o fim de aprovar a referida reorganização". Por derradeiro, pedem a condenação dos Réus ("A", "B" e os Conselheiros da primeira) "ao pagamento das custas processuais e dos honorários da sucumbência".

  3. Registre-se que outra acionista da sociedade "A", integrante do Grupo "Y", a empresa "H", já propusera anteriormente Ação Cautelar inominada contra a as sociedades "A" e "B", visando impedir a realização da mencionada Reunião do

    Conselho de Administração, que cuidou da definição das declarações de voto dos representantes da primeira na Assembléia Geral Extraordinária da segunda, e, sucessiva e alternativamente, a suspensão de quaisquer conclaves das Requeridas que tenham por objeto a discussão e a deliberação sobre a operação, inclusive a vedação da convocação de Assembléia Geral. Na aludida ação a sociedade "H" alegou, em resumo, que falece competência ao Conselho de Administração da empresa "A" para aprovar o voto a ser dado pelos representantes da Companhia na Assembléia Geral da companhia "B", sustentando que essa definição somente poderia ser deliberada pela Assembléia Geral Extraordinária da própria empresa "A".

    A referida Ação Cautelar foi extinta sem julgamento de mérito, em função da perda de seu objeto, uma vez que já haviam sido realizadas as reuniões dos Conselhos de Administração das empresas "A" e "B" que ela visava impedir e suspender, havendo o MM. Juízo registrado, em sua decisão, que o processo cautelar não é meio idôneo para discutir a "legalidade" de operações societárias, em face dos dispositivos do Estatuto.

  4. Também as empresas "D-E" pleitearam medida liminar, pedindo antecipação de tutela em Ação Ordinária intentada contra as sociedades "A" e "C" (que tem outro objeto, a saber, a suspensão dos efeitos da Assembléia Geral Extraordinária da Companhia, há muito tempo realizada), invocando, para tanto, a ocorrência de "fato novo", consistente na divulgação da proposta de reorganização operacional e societária da sociedade "B". Ao contrário dos mais de sete (7) pedidos liminares adredemente apresentados, o último deles foi parcialmente concedido, o que levou a sociedade "B" a providenciar publicação de novo Fato Relevante, comunicando ao mercado ter tomado ciência de decisão do Tribunal, concedendo parcialmente tutela antecipada requerida pelas empresas "D-

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    E", para o efeito de "suspender até o julgamento do mérito recursal" a deliberação relativa à incorporação.

  5. Na seqüência as Autoras propuseram uma primeira Ação Declaratória de Nulidade da referida Deliberação do Conselho de Administração, sob o fundamento de que a matéria decidida pelos administradores da companhia é de competência privativa da Assembléia Geral de Acionistas da empresa "A".

  6. A peça vestibular da segunda Ação, ora examinada, repousa em outro fundamento e vem amparada em Pareceres jurídicos - repetidamente, citados e transcritos, inclusive lhe servindo de epígrafe introdutória; apesar do novo foco estabelecido pelas Autoras, esta segunda demanda coloca em causa, uma vez mais, todo o processo de reorganização operacional e societária da empresa "B", agora sob a perspectiva de suposto conflito de interesses que estariam a macular os votos dos Conselheiros eleitos pela sociedade "C", que aprovaram a operação em Reunião do Conselho de Administração.

  7. Para que seja possível oferecer subsídios e adminículos ao Julgador,2 mister se faz, portanto, analisar com serenidade e espírito científico os novos argumentos articulados pelas Autoras, o que torna imprescindível - ainda que se torne necessário repetir o que já escrevemos em outro Parecer a respeito, ao estudarmos esta mesma operação - (i) o exame completo da reorganização societária em pauta (Seção I) e dos interesses sociais e extra-societários que gravitam em torno dela, no caso concreto (Seções II e III, abaixo), para aquilatar se houve ou não violação das normas que vedam deliberações em situação de conflito de interesses (Seções IV e V); (ii) a sintética exposição sobre o regime jurídico aplicável à incorporação de sociedades, em geral, e ao procedimento específico de incorporação de ações para a constituição de subsidiária integral, por constituir este último um dos elementos do procedimento, que não constitui negócio indireto em fraude à lei, nem alienação de controle (Capítulos VI e VII); e (iii) a qualificação jurídica do estatuto social das companhias e a identificação das compe-tências do Conselho de Administração e da Assembléia Geral da empresa "A" (Capítulo VIII), visando a definição do órgão social competente da sociedade "A" para deliberar sobre a operação de incorporação de ações de emissão da sociedade "G" ao patrimônio da empresa "B" (Seção IX), seguindo-se, por derradeiro, as Respostas aos Quesitos, que se traduzem na conclusão, que já adiantamos, no sentido de que mesmo em face dos novos argumentos articulados pelas Autoras, são inteiramente válidas e legítimas as deliberações ado-tadas pelo Conselho de Administração da empresa "A ". É o plano lógico em que será desenvolvido o seguinte

Parecer
  1. O exame sereno e desapaixonado dos fundamentos jurídicos em que se apóia a nova Ação Declaratória de Nulidade de Deliberação de Conselho de Administração perderia qualquer sentido se os mesmos não forem escrutinados à luz das bases substanciais da reorganização societária e operacional da companhia "B", eis que o argumento central de que agora se valem as Autoras reside em suposto conflito de interesses dos administradores, mas de conflito de interesses substancial e não meramente formal, como elas mesmas reconhecem na inicial, e é admitido nos Pareceres que apresentou. Vejamos, pois, inicialmente, quais são essas bases.

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I-A reorganização operacional e societária da Companhia "B" Características e peculiaridades das empresas envolvidas
  1. A companhia "B" é uma companhia aberta, que tem como maior acio-nista a holding, sociedade "A", detentora de 81,53% de suas ações ordinárias com direito a voto e 43,25% de ações preferenciais sem direito de voto, que representam 55,98% do capital total. O objeto social da companhia "B" consiste, basicamente, no aproveitamento de jazidas minerais, para a fabricação e comercialização de determinados produtos daí derivados (Estatuto, art. 3).

  2. A sociedade "A", por sua vez, é companhia fechada, cujo capital se acha dividido apenas em ações ordinárias, das quais a (i) a empresa "C" detém, direta ou indiretamente, 52,34%; (ii) as sociedades D e E possuem 33,43%; e a (iii) a empresa "H" é titular de 12,77%.3

    E relevante notar que as empresas D e E integram o Grupo norte-americano X, e a empresa H compõe o Grupo norueguês Y, com forte atuação na área de produção e...

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