A Convenção n. 189 da OIT, a Emenda Constitucional n. 72/2013 e o Trabalho Doméstico no Brasil ? Análise Socioeconomica

AutorAlessandra Barichello Boskovic/Marco Antônio César Villatore
Ocupação do AutorMestre e Doutoranda em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)/Pós-Doutorando em Direito pela Universidade de Roma II, 'Tor Vergata', Doutor pela Universidade de Roma I, 'La Sapienza' e revalidado pela Universidade Federal de Stanta Catarina (UFSC) e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica...
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1. O trabalho doméstico no Brasil

Historicamente o tratamento jurídico conferido aos empregados domésticos1 pelo ordenamento jurídico brasileiro é diferenciado daquele dado aos demais trabalhadores empregados2.

Datado de 06 de outubro de 1886, o Código de Posturas do Município de São Paulo foi a primeira norma jurídica relativa aos trabalhos domésticos. Tal diploma determinou, dentre outros pontos, as regras para as atividades dos então chamados criados e amas-de-leite3. Dentre as disposições contidas em referido documento estavam, quando da rescisão do contrato de trabalho a prazo indeterminado, o direito a aviso-prévio de cinco dias, pelo empregador, ou de oito dias, pelo empregado. Além disso, era hipótese de dispensa por justa causa a ocorrência de doença que impossibilitasse a prestação de serviços pelo empregado. Em caso de inadimplemento do contrato, por qualquer das partes, estabeleciam-se multas que, caso não quitadas, poderiam ser convertidas em prisão simples.

No âmbito do Distrito Federal, o Decreto n.
16.107, de 30 de julho de 1923, também regulamentou o trabalho doméstico. Estabelecia, referido diploma, que sempre que deixasse o emprego, o trabalhador doméstico deveria apresentar à delegacia do respectivo distrito policial, em quarenta e oito horas, sua carteira de identificação profissional. O

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trabalhador que tivesse maus antecedentes ou que estivesse respondendo a processo criminal inafiançável poderia ter negado seu pedido de emissão da carteira profissional. Ademais, o trabalhador que fosse dispensado por falta grave poderia ser detido.

Em 27 de fevereiro de 1941 foi editado o Decreto-lei n. 3.078, que considerava domésticos “todos aqueles que, de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou a benefício destas”. De acordo com este Decreto-lei, os empregados domésticos possuíam direito a um aviso-prévio de oito dias, após um período probatório de seis meses. Exigia-se de todos os empregados domésticos Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), e para sua expedição faziam-se necessários, dentre outros documentos, atestado de boa conduta emitido pela autoridade policial e atestado de vacina e de saúde. Um avanço esculpido neste dispositivo normativo foi a possibilidade conferida ao empregado para rescindir o contrato em caso de atraso salarial, descumprimento da obrigação patronal de lhe proporcionar ambiente adequado para alimentação e habitação, ou afronta a sua honra ou integridade física, tendo direito, em qualquer das hipóteses, à indenização de oito dias.

Datada de 01 de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-lei n. 5.452) expressamente afastou os empregados domésticos do manto de sua proteção4. Com isso, os trabalhadores domésticos se tornaram marginalizados no que tange à proteção trabalhista.

Foi com a Lei n. 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que o trabalho doméstico encontrou razoável regulamentação. Tratou-se, contudo, de bastante modesto diploma normativo, na medida em que criou apenas um restrito leque de direitos a tais empregados, a saber: anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), férias anuais de vinte dias úteis e proteção pela Previdência Social.

O grande marco na consolidação de direitos sociais em nosso ordenamento jurídico foi, certamente, a Constituição de 1988. Paulo Bonavides (2009.
p. 374) resume muito bem, no seguinte argumento:

Tocante aos direitos sociais básicos, a Constituição define princípios fundamentais, como os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa; estabelece objetivos fundamentais para a república como o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais e, de ultimo, em capítulo próprio, enuncia os direitos sociais, abrangendo genericamente a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desempregados. […] Como se vê, o novo texto constitucional imprime uma latitude sem precedentes aos direitos sociais básicos, dotados agora de uma substantividade nunca antes conhecida nas Constituições anteriores, a partir de 1934.

O art. 7º da Constituição de 1988 apresenta um rol de trinta e quatro direitos assegurados aos trabalhadores urbanos e rurais, sem prejuízo de outros que visem à melhoria de suas condições sociais5.

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No que tange aos empregados domésticos, contudo, seguiu-se aos incisos do referido art. 7º um peculiar parágrafo único: “São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, xV, xVII, xVIII, xIx, xxI e xxIV, bem como sua integração à previdência social”6.

Não se pode deixar de reconhecer o grande avanço perpetrado pela Constituição Cidadã7, que ampliou o restrito leque de três direitos previstos na Lei n. 5.859/1972 para conferir aos domésticos as seguintes garantias: direito à percepção de, ao menos, um salário mínimo, garantindo inclusive a irredutibilidade salarial (art. 7º, incisos IV e VI); décimo terceiro salário (inciso VIII); repouso semanal remunerado (inciso xV); férias anuais remuneradas com um terço a mais do que o salário normal (inciso xVII); licença maternidade e licença paternidade (incisos xVIII e xIx, respectivamente); aviso-prévio (inciso xxI); e aposentadoria (inciso xxIV).

Por outro lado, a proteção oferecida pela Constituição de 1988 aos empregados domésticos ainda não pode ser considerada isonômica, se comparada aos empregados em geral. Amauri Mascaro Nascimento (1991.
p. 76) comenta que o objetivo inicial da Assembleia Nacional Constituinte seria equiparar integralmente os direitos conferidos aos trabalhadores domésticos e aos demais, mas que ao longo dos trabalhos constataram-se ‘incompatibilidades’, razão pela qual se restringiu a gama de garantias dos domésticos. Observe-se:

Desde o início dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, através das primeiras propostas, notou-se uma tendência no sentido da inclusão do empregado doméstico dentre aqueles que mereciam uma atenção especial, e, nos primeiros projetos que foram apresentados, pretendia-se a total equiparação de direitos entre domésticos, trabalhadores de empresas rurais, urbanos e funcionários públicos.

Na medida em que as discussões parlamentares se desenvolveram nas diversas comissões, foram modificadas as propostas, com a exclusão de direitos que realmente eram incompatíveis com a natureza desse trabalho, até que se chegou a uma formula aprovada pela Comissão de Sistematização e que assegurou ao doméstico alguns dos direitos previstos na Constituição para o trabalhador urbano em geral e que são os indicados no art. 7º., § 2º. […]. (NASCIMENTO, 1991. p. 76).

Concorde-se ou não com as tais incompatibilidades alegadas pelo Constituinte, fato é que o cenário jurídico que acomodou a realidade dos empregados domésticos até o início do ano de 2013 pode ser classificado como precário, especialmente se comparado com os empregados em geral – os chamados celetistas. Se, de um lado, a Constituição de 1988 ampliou consideravelmente a proteção conferida aos domésticos, de outro vértice muitos dos direitos atribuídos aos empregados em geral foram a eles denegados por quase vinte e cinco anos.

2. A convenção n 189 Da organização internacional do trabalho e a emenda constitucional n. 72/2013

Não é recente a atenção despendida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para com

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os trabalhadores domésticos. Verônica Altef...

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