Occupation of Brazillian schools: a critical legal analysis/Ocupacao das escolas paulistas: uma analise juridica critica.

Autorde Oliveira, Ligia Ziggiotti

Introducao: entre violencias e resistencias

No Brasil, apos as eleicoes de 2014 para a Presidencia da Republica, bem como para os cargos de governador(a), deputada(o) federal e estadual, e senador(a) (1), desenhouse, no cenario legislativo, um quadro sugestivo quanto a futura tratativa dos direitos humanos. O Congresso Nacional apresenta-se em sua versao mais conservadora desde o ano ditatorial de 1964, por conta do aumento substancial das bancadas fundamentalista religiosa, militar e ruralista (MARTINS, 2015), cujas atuacoes expressam projetos de restricao da liberdade sexual, de aumento do encarceramento--inclusive juvenil--e de expansao dos latifundios.

Os influxos de retrocesso, porem, nao se concentram exclusivamente na insignia destes grupos politicos, tampouco na esfera legislativa, e nem se podem qualificar como subitos. No cenario executivo, reelegeram-se a Presidenta da Republica, Dilma Rousseff (2), pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em apertado segundo turno, e pouco mais da metade dos governadores que se candidataram a continuidade em seus cargos obtiveram exito.

Dentre estes ultimos esta o governador do influente estado de Sao Paulo, Geraldo Alckmin, reeleito pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), em cujo mandato se expuseram propostas de reestruturacao das escolas publicas estaduais contra as quais reagiu o corpo discente a partir da ocupacao (3) de centenas de escolas paulistas a partir da segunda metade do ano de 2015.

No contexto de resistencia protagonizada pelas(os) jovens, marcada pela violencia policial, a possibilidade de atuarem diretamente na construcao das atividades escolares e de se responsabilizarem pela estruturacao daquele espaco, pelo qual desenvolveram a sensacao de pertencimento, significou importantes ruidos na concepcao sobre o ensino.

O choque entre violencias e resistencias pode oferecer licoes relevantes a respeito de uma serie de paradoxos contemporaneos dos direitos humanos. Coleta-se, portanto, esta experiencia da atmosfera politica brasileira atual para se desenvolverem reflexoes acerca de uma concepcao que os compreende a partir de uma perspectiva critica.

As premissas esculpidas partem da nocao de processos de lutas sociais como fundantes dos direitos humanos--neste estudo relacionados, em uma escala imediata, a educacao inclusiva e transformadora, todavia, em maior medida, no protagonismo da juventude em galgar a posicao de sujeitos, e nao de sujeicao, nas escolas e em sociedade.

A partir de tal situacao, desenvolve-se a problematizacao sobre as expectativas depositadas em referidos processos de lutas sociais. Conforme observa Costa Douzinas, o paradoxo consiste em "enquadrar a luta e a resistencia em termos de paliativos legais e individuais que, se bem sucedidos, levam a pequenas melhorias de individuos e a um rearranjo insignificante do edificio social"(DOUZINAS, 2011, p.11).

Conforme o autor, a percepcao dos direitos humanos se tornou um marco da modernidade e das grandes civilizacoes (DOUZINAS, 2013). Para ser valido, portanto, precisa de fundamentacao resistente ao particularismo e ao relativismo radicais (KERSTING, 2003, p.101). Ora, os direitos humanos, apesar da aparencia de solucao de todos os problemas, sao, acima de tudo, um paradoxo e por isso a importancia da presente analise, mormente no que toca aos estudantes de Sao Paulo e todos os seus semelhantes nacionais.

Apesar, portanto, da aparencia de os direitos humanos terem triunfado, unindo inimigos, culturas, "a esquerda e a direita, o norte e o sul, a igreja e o estado, o ministro de governo e o rebelde" (DOUZINAS, 2011), o que se percebe materialmente e a fragilidade das relacoes e dos governos democraticos, transformando-os em um ideal abstrato a ser seguido, nao em uma realidade--uma orientacao moral as populacoes (DOUZINAS, 2003, p.89), relembrando-as de sua capacidade de alteridade, que deve ser trabalhada e incentivada, diariamente reafirmada. O sucesso e a aplicabilidade dos direitos humanos sao, nesse sentido, limitados.

Tal percepcao expressa a insuficiencia da compreensao formalista dos direitos humanos, que consiste em ata-los a mera responsividade estatal--que, segundo se cogita no presente artigo, tem se respaldado com frequencia em interesses do mercado. Relevase, com isso, o potencial emancipatorio dos proprios individuos e coletividades em dirigirem, solidariamente, destinos comuns e avessos a logica dominante.

No mesmo sentido, vale o alerta do esloveno Slavoj Zizek (ZIZEK, 2011). Segundo o autor, ha que se tomar cuidado para que os direitos humanos nao se tornem um "fetiche reificado" nas maos das grandes potencias, para que nao se use um veu de protecao para que interesses politicos sejam alcancados e imposicao de ideias ocorram de modo a prejudicar culturas e individualidades das(os) cidadas(os).

Torna-se, assim, possivel oxigenar a critica doutrinaria acerca dos fundamentos epistemologicos dos direitos humanos a partir da ocupacao das escolas paulistas. Atraves da observacao dos eventos fornecida pela midia contra-majoritaria, a qual oferece enquadramentos alternativos deste contexto (BUTLER, 2015), apresenta-se uma abordagem politico-juridica sobre como uma experiencia de resistencia as violencias estatais pode nao so desafiar a concepcao mais disseminada sobre o significado dos direitos humanos como reinventa-los e amplia-los.

  1. Algumas licoes de certa juventude paulista--ou pelo que reclamam os processos de lutas sociais

    Interpretar contextos contemporaneos consiste em oferecer entendimentos que nao traduzem consensualidade, tampouco prevalencia, sobre uma sequencia de acontecimentos concomitantemente narrados pelos mais diversos meios--sejam midiaticos ou academicos.

    Neste diapasao, na percepcao que se apresenta, parece razoavel o diagnostico de que as movimentacoes politicas estatais do Ocidente, em geral, tem sentido espasmos de contradicoes que nao encerram questoes meramente locais (BAUMAN, 2004, p.73).

    O espectro da crise economica se alastra no discurso das(os) representantes eleitas(os), e, a mesma medida, desmantela-se a moldura normativa garantista de direitos, os quais se passaram a considerar excessivamente custosos, consolidando-se na atualidade um modelo reconhecido, ilustrativamente, por Antonio Manuel Hespanha e Antonio Jose Avelas Nunes, como neoliberal.

    Com isso, o Estado parece regredir em sua participacao preconizada pelo Welfare e parece possibilitar o reforco da intervencao privada. No cenario brasileiro, observam-se, desde a Constituicao Cidada de 1988, na dinamica das politicas publicas, contradicoes entre a adocao deste Estado minimo e o comprometimento pleno com o campo social (SORJ, 2014, p.463).

    Consequentemente, tais oscilacoes tem maior potencial lesivo a uma parcela desfavorecida da populacao. E, cumprida a orientacao proveniente do pensamento critico, se efetivamente desvelado o sujeito concreto de quem mais se distancia, no cotidiano, da proclamada dignidade, ainda se faz necessario concluir que, no pais, "ser mulher e quase sinonimo de ser pobre, sobretudo se for preta ou parda" (DE MELO, 2002, p.10). Portanto, a exclusao deste contingente de face feminina e negra nao respondem a contento Estado muito menos mercado, classicamente apresentados em condicao de oposicao.

    Em conferencia intitulada "Teoria e practica de derechos humanos: paradojas y contradicciones", proferida na Universidade Federal do Parana, em 25 de novembro de 2015, David Sanchez Rubio destacou, contudo, a inconsistencia da tradicional dicotomia entre Estado e mercado ao afirmar que tais entes nao mais se opoem, mas, sim, cooperam para o incremento de engrenagens afeitas a logica do capital.

    A contaminacao das mais diversas esferas por referida logica pode se expressar na propria concepcao de ensino, publico ou privado, que toma feicoes puramente profissionalizantes, ao incorporar hierarquizacoes e mecanicismo entre criancas e jovens desde muito cedo, moldando habilidades meramente uteis a insercao deste publico em formacao ao mercado de trabalho.

    Trata-se do ensino bancario combatido por Paulo Freire. Sintonizado plenamente ao fatalismo neoliberal, referido modo de ensinar consiste, apenas, em "adaptar o educando a esta realidade que nao pode ser mudada" (FREIRE, 2002, p.10). Nesta esteira, inserem-se as escolas publicas de ensino fundamental e medio. Ainda, e sabida a diferenca brutal da qualidade de ensino entre estas e as privadas (MENEZES-FILHO, 2007), acessiveis apenas a uma parcela privilegiada da populacao infanto-juvenil.

    Condensam-se, no diagnostico, as seguintes disparidades: i) as escolas publicas, como as privadas, visam, em geral, a um perfil tecnicista e meramente profissionalizante do corpo discente em seus cotidianos; ii) falham, porem, mesmo no cumprimento deste objetivo reducionista, como sugere o desnivel em relacao a massa proveniente das escolas privadas; iii) por fim, reforca-se, entre as(os) alunas(os) da rede publica de ensino, a condicao de vitimas, porque a educacao que nao oferece a potencia da transformacao daquelas realidades converte-se em reprodutora de desigualdades profundamente enraizadas no cenario brasileiro.

    Os direitos humanos lidos segundo uma concepcao critica, analogamente, servem para ampliar as possibilidades de atuacao do sujeito no mundo (FLORES, 2008, p.69). Nao por menos, referenciais como David Sanchez Rubio centralizam a relevancia do pensamento de Paulo Freire ao desenvolver...

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