O ocaso da razão jurídica: a loucura de augusto Teixeira de Freitas e a 'questão religiosa'

AutorHenrique Barahona
Páginas25-42
HENRIQUE BARAHONA • 25
O OCASO DA RAZ ÃO JURÍDICA
A LOUCURA DE AUGUSTO TEIXEIRA DE
FREITAS E A “QUESTÃO RELIGIOSA”
Henrique Barahona
Há um período da vida de Augusto Teixeira de Freitas que
permanece envolto numa espécie de penumbra histórica: o intervalo
entre 1872 e 1875 em que ele teria sido acometido de uma suposta
doença mental. A nebulosidade em torno desta face de Teixeira de
Freitas foi mantida propositadamente pelos seus dois maiores bió-
grafos do século XX, Manuel Álvaro de Souza Sá Vianna e Silvio Au-
gusto de Bastos Meira. Assim o zeram com o intuito de preservar
no lugar mais alto de um pedestal a imagem que ajudaram a cons-
truir do biografado como sendo o “cujácio brasileiro” ou “o maior
jurista das Américas”. E, junto com ele, uma imagem do próprio di-
reito, melhor dizendo, a elevação de um determinado tipo de direito
com ele identicado, de modo a um legitimar o outro. Longe de ser
uma unanimidade, como atestam as inúmeras controvérsias em que
se envolveu ao longo da vida, ele permaneceu no centro das discus-
sões mesmo após a sua morte, inclusive no tocante à existência ou
não da doença mental que lhe fora por muitos atribuída. Revolver
esta dimensão obscurecida da personalidade de Teixeira de Freitas
será, portanto, sempre uma tarefa muito delicada, bastante tormen-
tosa. É mexer numa ferida aberta no próprio pensamento jurídico
brasileiro.
Sá Vianna escreveu a primeira grande biograa tendo como
propósito a apresentação do seu trabalho no “3º Congresso Cientí-
co Latino Americano”, reunido no Rio de Janeiro, vinte e dois anos
depois da morte de Freitas, quando se comemorava o 62º aniversário
do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Na ocasião, o nome
do jurisconsulto foi escolhido para ser homenageado durante os fes-
tejos, que incluía também a inauguração da estátua erigida em sua
memória no antigo largo de São Domingos, no dia 7 de agosto de
26 • TEIXEIRA DE FREITAS E O DIREITO CIVIL
1905, e que na época já era denominada Praça Teixeira de Freitas.1 A
comissão do monumento tinha como presidente ninguém menos do
que Sá Vianna, o biógrafo. Foi esta comissão, composta também por
Alfredo Russell e Soares Brandão, a responsável pela arrecadação da
soma necessária para a fundição do modelo concebido por Rodolfo
Bernardelli em Paris, mediante a venda de retratos de Teixeira de
Freitas a 10$000 cada um.2 Deve-se inclusive a Sá Vianna o emprego
da palavra “occaso”, a mesma que utilizamos no título deste artigo,
referida pela primeira vez à doença mental de Freitas, para ele “uma
intelligencia que, perdendo equilíbrio e vigor, tombava rápida para
o occaso”.3
Já a segunda biograa que levaremos em conta aqui, escrita
por Silvio Meira, de um modo curiosamente parecido com a primei-
ra, saiu vencedora do 1º Prêmio Brasília de Letras Jurídicas,4 conce-
dido também pelo IAB, no ano de 1977. Nela, o biógrafo vai laborar
incessantemente para desfazer essa ideia de que Teixeira de Freitas
havia cado louco, apagando os vestígios desta dolorosa circunstân-
cia que para ele emerge como um sério problema. Apostando numa
orquestração caluniosa de “adversários embuçados”,5 Silvio Meira
envidará todos os seus esforços com o objetivo de esvaziar a doen-
ça mental que todos atribuíam ao seu biografado , transformando-a
num simples desalento ou depressão, originada da rescisão do con-
trato pelo governo imperial “estava profundamente traumatizado e
possuía as suas razões”.6 Para afastar o seu personagem da doença
mental, joga-o noutra teoria psicologizante, na teoria do trauma. A
sua proposta era “desfazer mal-entendidos, restabelecer a verdade e
1
VIANNA, Sá. Teixeira de Freitas: traços biographicos. Rio de Janeiro: Typ o-
graphia Hildebrandt, 1905, p. 385.
2
VIANNA, Sá. Teixeira de Freitas: traços biographicos. Rio de Janeiro: Typ o-
graphia Hildebrandt, 1905, p. 387.
3
VIANNA, Sá. Teixeira de Freitas: traços biographicos. Rio de Janeiro: Typ o-
graphia Hildebrandt, 1905 , p. 188.
4
MEIRA, Sílvio. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Brasília:
Cegraf, 1983, p. XXV.
5
MEIRA, Sílvio. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Brasília:
Cegraf, 1983, p. 368.
6
MEIRA, Sílvio. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Brasília:
Cegraf, 1983, p. 368.

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