O novo CPC e o processo do trabalho

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas57-67

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1. Introdução

Sancionado recentemente pela Presidência da República, o novo Código de Processo Civil de 2015 revolucionou toda a teoria geral do processo brasileira, lançando luzes também sobre o processo do trabalho, na medida em que este, embora considerado como um ramo autônomo pela maioria dos autores trabalhistas, recebe da sua matriz original múltiplas influências, principalmente quanto ao tema dos métodos de inter-pretação e aplicação do direito.

Na introdução do Anteprojeto, o Senador José Sarney explicitou a fórmula política que inspirou os juristas da Comissão responsável pela sua elaboração, decomposta nas diretrizes de simplicidade da linguagem e da ação processual, celeridade do processo e efetividade do resultado da ação, além do estímulo à inovação e modernização de procedimentos, garantindo o respeito ao devido processo legal.

E também são essas matrizes que inspiram a ativi-dade do intérprete e do aplicador, mais ainda do processual trabalhista, cujo direito material a ser efetivado também reclama um sistema procedimental ágil, simples e eficaz, de modo que as inovações processuais civis ser-lhe-ão muito úteis.

Os objetivos do texto são definir quais os critérios para a interpretação e aplicação do novo CPC ao processo do trabalho e quais as alterações em nível da teoria geral do direito e do processo influenciarão o ramo especializado.

2. Aplicação do novo CPC ao processo do trabalho

A redação final do art. 15 do novo CPC1 representa a última estação de um itinerário histórico-evolutivo que teve início com a tentativa de reconhecimento da autonomia do direito e do processo do trabalho, sob os influxos do pensamento moderno e emancipatório, representado pela edição da CLT, mas que a partir dos movimentos pós-modernos de globalização, universalismo e centralidade das constituições, houve uma miscigenação entre os compartimentos jurídicos, um maior diálogo entre as fontes normativas de direito material2 e, como mecanismo adequado a dar-lhe efetividade, ocorreu o acoplamento do direito processual do trabalho com o processual civil e, de ambos, com o constitucional e as normas internacionais, resultando no que conceituamos de o novo microssistema processual trabalhista individual.

Observamos o passado para constatar que a modernidade foi conduzida pelo Renascimento, com a retomada da autonomia dos indivíduos, com a liberdade de pesquisa e crença (nascimento do protestantismo), a racionalidade trazida pelo Iluminismo e a chegada dos europeus na América, fatos difusos, mas conectados historicamente, que contribuíram para a consolidação da economia monetarizada e mercantil. A ascensão da burguesia refletiu no campo político com a consolidação de Estados nacionais soberanos, na medida em que interessava àqueles a criação de um ente estatal com

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administração centralizada e a consequente extinção das barreiras fiscais e alfandegárias, assim como a unificação da moeda, de modo a desenvolver-se livremente a mercancia.

O reflexo no direito europeu foi o prestígio da codificação e a adoção do método exegético de interpretação – posteriormente substituído pelo juspositivismo, para emprestar previsibilidade e estabilidade contratual. Dentro desse quadro, a diretriz consolidou-se pelo modelo legislativo de codificação estanque para cada ramo do fenômeno jurídico, sem zonas de intersecção entre eles, tanto é que as Constituições regulavam apenas a organização política do Estado, sem aplicar-se ao direito privado, que estava livre da incidência dos direitos fundamentais.

O modernismo foi recepcionado na América La-tina no final do século XIX, por ocasião das independências das ex-colônias, as quais, visando romper com a dependência política e cultural europeia, reafirmaram sua soberania, constituíram Estados nacionais centralizados, refletindo nas artes e na ciência com uma busca de identidade própria e de pureza. O direito nacional, então, expandiu-se com a adoção do modelo modernista de codificação, não sendo por outra razão que as antigas ordenações portuguesas e as legislações estaduais foram substituídas pelo Código de Processo Civil de 1939 e, posteriormente, o processo do trabalho ganhou certa autonomia com a edição da CLT, sendo por isso que a legislação trabalhista pátria seguiu a diretriz moderna centralizadora e consolidou em único veículo normativo todos os regramentos independentes, uniformizando o tratamento, tanto de direito material quanto de direito processual. Influenciado pelo paradigma da modernidade, o processo do trabalho original buscava emancipação e independência.3

Como consequência do isolamento dos vários ramos jurídicos, a doutrina especializou-se e cada compartimento ganhou autonomia didática e científica. E o direito processual do trabalho também se isolou do direito processual civil e mesmo dos direitos constitucionais e da teoria geral do processo4, chegando ao ponto de muitos autores interpretarem o art. 769 da CLT como uma cláusula de contenção do processo trabalhista, como uma defesa dele contra a contaminação pelas normas do processo civil5, quando, segundo pretendemos defender, atualmente a filosofia pós-moderna recomenda a interpretação do art. 769 da CLT como uma cláusula de abertura do sistema, possibilitando o seu acoplamento com o processo comum. O art. 15 do novo CPC apenas reforça a interpretação multifacetada e complexa.

A partir do final da segunda grande guerra, marcada pela prosperidade econômica, fim da divisão de classes e declínio das elites estabelecidas, houve, em movimento inverso, um rompimento do nacionalismo, enfraquecimento da soberania, com o primado da tecnologia e da comunicação, formando-se uma sociedade pós-industrial que acena para uma civilização universal, com autoridade política global, universalista e regime jurídico transconstitucional.6

Perry Anderson inventaria as características do período pós-moderno ao indicar que teve início um

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projeto de tolerância pluralística entre as nações, uma oferta de opções superabundantes, tornando sem sentido antigas polaridades – como esquerda e direita, capitalistas e classe operária –, importando mais para a sociedade o domínio da informação do que a produção industrial. Segue disso que o pós-modernismo é o éter cultural de um sistema global que rejeita todas as divisões geográficas, pois o universo pós-moderno não é de delimitação, mas de mistura, de celebração do cruzamento, do híbrido, do pout-pourri.7

O mesmo autor, tratando do conceito de pós-moderno na literatura, nas artes e na arquitetura, locus originário do conceito, ensina que ele conecta-se com a ideia de ecletismo enquanto um estilo de “codificação dupla”, uma modalidade de manifestação cultural que adotava um híbrido da sintaxe moderna e da historicista, com apelo tanto para o gosto mais refinado e educado quanto para a sensibilidade popular. “Era essa mistura libertadora do novo e do velho, do elevado e do vulgar que definia o pós-modernismo como um movimento e lhe assegurava o futuro.”8

Também J. F. Lyotard, ao reconhecer que a cultura contemporânea pós-moderna é reflexo da sociedade pós-industrial, adverte que as suas influências também alcançaram o ramo das ciências, na medida em que desde o último século há sinais de uma crise do saber científico outrora estruturado no caráter estanque entre as disciplinas e a sua pretensão enciclopédica. Contemporaneamente há necessidade de se afrouxar a trama enciclopédica na qual cada ciência deveria encontrar seu lugar, deixando-as emanciparem. Disso resulta para ele que:

As delimitações clássicas dos diversos campos científicos passam ao mesmo tempo por um requestionamento: disciplinas desaparecem, invasões se produzem nas fronteiras das ciências, de onde nascem novos campos. A hierarquia especulativa dos conhecimentos dá lugar a uma rede imanente e, por assim dizer, “rasa”, de in-vestigações cujas respectivas fronteiras não cessam de se deslocar.9

De sua parte, Fredric Jamenson constata que a era pós-moderna marca todos os ramos da experiência cultural, inclusive a ciência, com as características de imediatidade, empirismo, caoticidade e heterogeneidade.10

Na transição da modernidade para a pós-modernidade, enxergamos com nitidez que a CLT é resultado da influência modernista, buscando emancipação e reafirmando soberania, enquanto as legislações pós-modernas, em sentido inverso, acenam ao universalismo, complexidade e diálogo, respectivamente no Direito do Trabalho, centralidade da Constituição, incidência dos direitos internacionais, divisão legislativa em micros-sistemas e diálogo entre as fontes normativas, resolvendo as antinomias entre regras pelo princípio pro homine (norma mais favorável no direito material e norma mais efetiva para o direito processual) e a colisão entre princípios jurídicos pelo princípio da proporcionalidade.11

Observamos que o legislador substitui paulatinamente a regulamentação estanque por meio dos códigos para cada compartimento jurídico, com sua doutrina especializada e seus métodos próprios de interpretação/ aplicação, pela pulverização em diversos microssistemas legislativos12, mais adaptáveis às relações sociais que visam regrar, bem como dialogando entre si em busca da solução de direito material que mais fomente a dignidade da pessoa humana.

Por essa razão que tencionamos sugerir em nível doutrinário que o futuro do Direito do Trabalho, para recolher adequadamente cada uma das modalidades contratuais, respeitando-se as diferenças fático-jurídicas entre as variadas espécies de empregados e empregadores, deveria decompor-se em diversos microssistemas, cada qual adequado à uma realidade, substituindo-se a CLT, uniforme e inflexível, por legislações específicas para cada espécie de relação jurídica trabalhista.13

Por isso que para nossa tese o ordenamento jurídico material trabalhista é...

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