A nova lei do estágio. Estágio na administração pública. Atuação do ministério público do trabalho

AutorHenrique Correia
CargoProcurador do Trabalho da 15ª Região (Ministério Público do Trabalho em Araraquara, SP)
Páginas120-139

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1. Introdução

Estágio tem por finalidade complementar a formação do estu-dante por meio de atividades práticas. Desse modo, o estudante tem a possibilidade de concretizar os ensinamentos teóricos recebidos na instituição de ensino, preparando-se para o ingresso no mercado de trabalho.

A relação jurídica entre parte concedente e estagiário representa verdadeira relação de trabalho1, porque há prestação de serviços executados por pessoa natural.

O contrato de estágio possui todos os requisitos para formação da relação empregatícia, pois nele há pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. Entretanto, o legislador excluiu2 o

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estagiário da proteção celetista, para incentivar a formação de novos profissionais. Diante disso, não se aplica ao estagiário as normas protetivas da CLT (férias, 13º, hora extra, etc.).

Importante diferenciar, ainda, o contrato de estágio do contrato de aprendizagem, uma vez que na aprendizagem há verdadeiro vínculo empregatício, previsto na CLT (arts. 424 até 433). Ademais, o aprendiz possui limitação na idade, entre 14 e 24 anos. Por fim, o aprendiz possuirá todo o sistema protetivo trabalhista e previdenciário.

2. Alterações da nova lei do estágio

A Lei n. 11.788/083 revogou a anterior, Lei n. 6.494/77. A partir da publicação desse novo sistema, a relação jurídica do estágio, bem como as obrigações das instituições de ensino e da parte concedente são reguladas inteiramente por essa nova Lei.

Há tempos setores da sociedade reivindicavam a edição de lei que tratasse de forma mais detalhada a relação do estágio, em razão das mudanças no mercado de trabalho, das frequentes práticas de exploração da mão-de-obra barata dos estagiários, e também em consequência da omissão4 da antiga norma em vários pontos importantes.

Segue abaixo algumas observações sobre as inovações promovidas pela nova Lei do Estágio, e também breve comentário sobre o estágio em órgãos da administração pública.

2.1. Conceito de estágio

A definição de estágio está prevista no art. 1º:

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“estágio é o ato educativo escolar supervisionado desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições:

— de educação superior;

— de educação profissional;

— de ensino médio;

— da educação especial; e

— dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.” (negrito acrescido)

A Lei trouxe, ainda, duas formas de estágio: obrigatório e não obrigatório. Em ambos os casos, repita-se, não há falar em vínculo empregatício. O primeiro é aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma (art. 2º, § 1º). No caso de estágio obrigatório, a remuneração é facultativa.

O estágio não obrigatório é aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória (art. 2º, § 2º). Neste caso a contraprestação é obrigatória.

Deve-se ressaltar que há discussão sobre o estágio em ensino médio (não profissionalizante), tendo em vista a dificuldade em desempenhar atividades ligadas à complementação desses cursos5.

Verifica-se, ainda, que o estágio para adolescentes do ensino médio está em colisão com o princípio da proteção integral, ou seja, ignora a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Além disso, as atividades desenvolvidas por esses jovens são meramente rotineiras, como empacotadores de supermercados, office-boys, telefonistas, etc., representando verdadeira precarização do trabalho adolescente.

Diante desses argumentos, são inconstitucionais os artigos da nova Lei que preveem estágio para estudantes de nível médio, pois

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afrontam diretamente o texto da Constituição Federal, em especial art. 1º, III (dignidade da pessoa humana); art. 3º, IV, (promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação); e principalmente o art. 227 que prevê o princípio da proteção integral.

Importante frisar que o estágio em ensino médio profissionalizante há verdadeira formação profissional do estagiário, ou seja, existe ligação entre as atividades desenvolvidas no estágio e as matérias ministradas no curso.

O posicionamento dominante, entretanto, defende a possibili-dade de estágio de estudantes de ensino médio em geral, ligados a projetos de interesse social, como forma de incentivar a formação de novos profissionais e ainda na formação do cidadão6.

2.2. Requisitos para existência do estágio regular

Para a existência do contrato de estágio válido há necessidade de preencher requisitos formais e materiais. Os requisitos formais são:

  1. matrícula e frequência escolar atestados pela instituição de ensino;

  2. termo de compromisso entre estagiário (educando), parte concedente e instituição de ensino.

    Verifica-se assim que o contrato de estágio é solene7, ou seja, exige-se forma especial; deve ser escrito.

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    Os requisitos materiais estão ligados à essência do estágio, isto é, a conexão da parte teórica com as atividades desenvolvidas pelo estagiário. Os requisitos previstos na lei são:

  3. compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso8;

  4. acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente.

    Em havendo o descumprimento de quaisquer dos requisitos formais ou materiais, acarretará em formação de vínculo empregatício, bem como de todos os demais direitos trabalhistas (férias+1/3, 13º salário, FGTS, horas extras, adicional noturno, etc.). A título de exemplo, o estudante de direito que presta serviços no escritório de advocacia, mas apenas atende telefone, serve café, faz a limpeza, será empregado e não estagiário, pois não há compatibilidade entre o estudo teórico e as atividades por ele desenvolvidas.

2.3. Agentes de integração

Há previsão na Lei do Estágio das agências de integração pública ou privada9. Esses serviços de integração estão ligados, por exemplo, ao cadastro de estudantes, indicação de oportunidades de estágio, etc. (art. 5º). Deve-se destacar que esses serviços não podem ser cobrados do estagiário e ainda, que não há obrigatoriedade em sua utilização para que o contrato de estágio seja formalizado.

2.4. Partes envolvidas no estágio

A relação jurídica desenvolvida é triangular10, ou seja, há presença de três pessoas: estagiário, instituição de ensino e parte

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concedente. Seguem abaixo, algumas observações sobre as partes envolvidas no estágio.

2.4.1. Instituição de ensino

A instituição de ensino intermedeia a relação de estágio. Dentre suas atribuições, há necessidade de avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do educando (art. 7º). Verifica-se assim a responsabilidade da instituição de ensino em constatar as condições do meio ambiente de trabalho nas quais o estagiário prestará suas atividades.

Outra inovação da lei foi atribuir à instituição de ensino a necessidade de indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estágio, requisito material para validade do estágio.

Por fim, outra novidade interessante foi exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório de atividades. Essa medida possibilitará a fiscalização e o aproveitamento do estagiário, e permitirá à Instituição de Ensino excluir a parte concedente que se utilize do contrato de estágio apenas como exploração de mão-de-obra barata.

2.4.2. Parte concedente

A parte concedente é a responsável pela concessão de estágio. De acordo com a lei, podem oferecer estágio:

1. pessoas jurídicas de direito privado (empresas, associações civis, etc.);

2. órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

3. profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional.

Dentre as obrigações da parte concedente previstas no art. 9º, está a necessidade de indicar funcionário de seu quadro pessoal,

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com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente. Ademais deverá contratar seguro contra acidentes pessoais, tanto para estágio obrigatório quanto para o não obrigatório11. E ainda, a parte concedente deverá enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de 6 (seis) meses, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário.

2.4.3. Estagiário

Inicialmente, cabe destacar que a nova Lei de Estágio não prevê idade mínima para o estagiário, basta que esteja frequentando uma das instituições de ensino citadas inicialmente. Assim sendo, deve-se aplicar o art. 7º, XXXIII, da CF/88 para o limite de idade do estagiário.

A primeira interpretação possível do dispositivo constitucional acima, defende o estágio a partir dos 14 anos, pois trata-se de uma forma de aprendizagem (interpretação ampliativa do dispositivo constitucional). Entretanto, o art. 7º, XXXXIII, é direcionado apenas para aprendizes, regidos pela CLT, e somente a partir dos 16 anos há possibilidade de contrato de estágio.

Seguem abaixo, alguns direitos previstos para os...

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