nova caracterização da sucessão trabalhista: elementos para a concretude do direito fundamental e universal ao trabalho digno no contexto do transpasse empresarial

AutorAdriana Goulart de Sena Orsini
Páginas240-246

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Direito, transformação e vida .... Intercomunicantes e inter-relacionados ... Como deve ser, o direito atuando rente à transformação da sociedade. Doutrina e jurisprudência em especial capilaridade e ressonância indistinta em prol da efetividade do direito fundamental do trabalho.

Gabriela Neves Delgado nos ensina com especial maestria:

A partir de sua posição de centralidade no ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1988 direciona o intérprete a compreendê-la como a base de unidade das relações de trabalho no Brasil, ao mesmo tempo em que exige dos juslaboralistas que decidam os casos concretos e fundamentem suas decisões a partir da sólida relação entre o Direito Constitucional e o Direito do Trabalho. Somente assim o Direito do Trabalho, refletido eticamente, poderá se afirmar como um dos mais sólidos e democráticos instrumentos para a concretização e vivência da dignidade do ser humano.1

O fenômeno jurídico denominado de "sucessão" tem merecido por parte da doutrina muitos estudos ante as suas peculiaridades, fundamentos e, principalmente, seus efeitos às partes envolvidas no transpasse. O debruçar dos doutos sobre o tema sempre esteve acompanhado de muitas indagações, algumas perplexidades e posicionamentos exponenciais no Direito do Trabalho.

Imprescindível o exercício interpretativo, o lançar luz sobre a própria realidade do direito. As palavras de Aroldo Plínio Gonçalves nos orientam:

Longe, também, de sugerir postura conservadora, a tarefa que se constitui não apenas no ‘repensar o que já uma vez foi pensado’, mas principalmente ‘em pensar até ao fim o já pensado uma vez, - expressão utilizada por RADBRUCH para definir o próprio labor interpretativo - é, ainda, a alternativa de se projetar alguma luz sobre a própria realidade do Direito que tem vínculos diretos com o fator humano. Assim, embora não seja certo, porque intrincados fatores não autorizam tal previsão, sempre será possível que o resultado dessa tarefa contribua para que as transformações sociais possam se fazer não de modo caótico, mas com o mínimo de sofrimento possível, com a racionalidade que a época alcança.2

A relativa imprecisão e generalidade observada nos arts. 10 e 448 da CLT tem o condão de permitir um contínuo e ágil processo de adequação das normas acerca da sucessão diante das mutações ocorridas na realidade concreta, com preservação dos objetivos teleológicos do Direito do Trabalho, da higidez do contrato e créditos decorrentes do trabalho. A interpretação contemporânea do fenômeno sucessório trabalhista, expansiva e responsabilizadora, trata-se de elemento voltado à concretude do direito fundamental e universal ao trabalho digno.

1. Empresa: conteúdo normativo valorado para acontinuidade do contrato e espaço para a promoção do trabalho digno

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 2º, elegeu o termo "empresa" para designar a figura do empregador. Nos preceitos que caracterizam o fenômeno sucessório trabalhista (arts. 10 e 448), "empresa" é utilizado como sendo o "vetor do transpasse".

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A eleição do termo "empresa" para designar a figura do empregador - e não pessoa física ou jurídica (como no caput do art. 3º da Lei n. 5.889, de 1973) - tem merecido críticas, todavia, injustas, pois apenas exponencia o contexto histórico de elaboração da CLT, influenciado pelas teorias da relação de trabalho e institucionalista3.

A chamada "falha técnica" do texto consolidado evidencia um aspecto positivo, que se consubstancia em sua funcionalidade, pois permite enfatizar a importância do fenômeno da despersonalização do empregador na temática juslaboral. Assim, a eventual alteração do "titular" da empresa não terá grande relevância, considerando a continuidade do contrato, "...dado que à ordem justrabalhista interessaria mais a continuidade da situação objetiva da prestação de trabalho empregatício ao empreendimento enfocado, independentemente da alteração de seu titular"4 (DELGADO, 1999).

Assim, a utilização do termo "empresa" pode ser vista como uma obliquidade diante da doutrina, como também pode ser entendida como um artifício "carregado de conteúdo normativo, enfatizando aspecto que a ordem jurídica trabalhista quer, de fato, realçar"5.

No Estado Democrático de Direito, como nos ensina Gabriela Neves Delgado, "os valores jurídicos revelar-se-ão em torno da pessoa humana, o que significa, em outra medida, que o homem é tido como o centro convergente de direitos. Dessa forma, todos os direitos fundamentais deverão orientar-se pelo valor-fonte da dignidade"6. Portanto, no Estado Democrático de Direito, o trabalho há de ser promovido pelo direito fundamental e universal ao trabalho digno.

2. Sucessão e os fundamentos jurídicos ampliados

Sabe-se que a palavra sucessão no Direito Civil possui várias acepções. Em sentido amplo, é o ato pelo qual uma pessoa toma o lugar da outra, investindo-se, no todo ou em parte, nos direitos que lhe competiam. No seu sentido civilista restrito, é "transferência de herança".

Seja forma de "aquisição derivada de direitos" (porque o direito que se adquire, via sucessão, antes pertencera a outrem, integrando-se no atual titular mediante sub-rogação de faculdades), seja "modificação subjetiva de direitos" (porque o direito se modifica em razão da alteração do sujeito, não obstante subsistir a relação jurídica primitiva), é de se realçar que a sucessão tem normatividade e conteúdo próprios.

Na seara trabalhista, a sucessão se caracteriza pelo trans-passe de titularidade de empresa ou de estabelecimento, operando uma completa transmissão de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre os envolvidos.

Regulam a temática, como já se salientou, os arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho: - "qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados"; - "a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados".

Dos dispositivos legais afere-se certa imprecisão e gene-ralidade: "qualquer alteração", "qualquer dessas alterações ou mudanças não afetará os contratos de trabalho", expressando o conteúdo generalista do instituto trabalhista. Essa imprecisão é detectada por Delgado (2015), que, todavia, consigna que a abertura celetista é que tem permitido novas interpretações aos clássicos institutos:

Tal imprecisão e generalidade é que têm permitido à jurisprudência, hoje, alargar o sentido original do instituto da sucessão trabalhista, de modo a abarcar situações anteriormente tidas como estranhas à regência dos arts. 10 e 448 da CLT. Tais novas situações (tornadas comuns, no último lustro do milênio, pela política oficial de restruturação do sistema financeiro e pela política oficial de privatizações, por exemplo) conduziram a jurisprudência a reler os dois preceitos celetistas, encontrando neles um tipo legal mais amplo do que o originalmente concebido pela doutrina e jurisprudência dominantes.7

3. Requisitos da sucessão trabalhista na visão clássica
3.1. Transferência de uma unidade econômico- -jurídica de um para outro titular

A doutrina, na expressão do jurista Délio Maranhãoe cuja posição pode ser denominada de clássica8, declina como requisitos para a caracterização da hipótese sucessória na esfera trabalhista a observância de dois requisitos indissociáveis: a transferência de uma unidade econômico-jurídica de um para outro titular e que inexista ruptura na prestação de serviços pelo empregado.

O primeiro requisito diz respeito a transpasse objetivado pela ordem justrabalhista que é da "unidade econômico-jurídica". E, "unidade econômico-jurídica" tem sido entendida tanto quanto "controle da sociedade" ou o "conjunto desta sociedade", como também a um ou alguns de seus estabelecimentos específicos (filial, agência, sucursais etc.).

Portanto, ocorre sucessão trabalhista tanto na transferência de toda organização, como também na transferência de apenas um ou alguns de seus estabelecimentos. Nestas duas hipóteses, o polo passivo subjetivo do contrato empregatício resta alterado, ingressando novo titular.

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Por outro lado, não se pode olvidar que a Consolidação insere na configuração jurídica da sucessão trabalhista, a hipótese de simples alteração na estrutura jurídico-formal da pessoa jurídica (por exemplo, transformação de uma Socie-dade Limitada - simples ou empresarial - para Sociedade Anônima).

Haverá, portanto, a sucessão trabalhista nas hipóteses de transferência de "unidades econômico-jurídicas", ou seja, de universalidades. Todavia, os efeitos sucessórios celetistas (arts. 10 e 448) não se operam com a simples transferência de coisas singulares.

Para a doutrina clássica, não há falar em fenômeno sucessório, se houver alienação apenas de parte de um negócio, parte esta que não possa ser considerada uma "organização econômico-produtiva".

3.2. A inexistência de ruptura na prestação de serviços pelo empregado

O segundo requisito, nesta visão tradicional, é o da permanência da relação de emprego em face do sucessor. O empregado há de ter...

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