Notas sobre as implicações psicossociais da violência na baixa prostituição feminina na cidade de Fortaleza/Ce

AutorLorena Brito Silva - Verônica Morais Ximenes
CargoMestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará, Fortaleza - Doutora em Psicologia pela Universidad de Barcelona, Espanha
Páginas176-194
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2017v14n1p176
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.14, n.1, p.176-194 Jan.-Abr. 2017
NOTAS SOBRE AS IMPLICAÇÕES PSICOSSOCIAIS DA VIOLÊNCIA NA BAIXA
PROSTITUIÇÃO FEMININA NA CIDADE DE FORTALEZA/CE
Lorena Brito Silva
1
Verônica Morais Ximenes2
Resumo
Este artigo visa problematizar as implicações psicossociais da violência na baixa
prostituição na cidade de Fortaleza/CE, buscando analisar as dinâmicas da violência
e identificar suas expressões psicossociais no cotidiano das prostitutas. As
violências contra prostitutas encontram-se veladas no universo da violência de
gênero, reproduzindo a lógica de silenciamento que envolve a violência contra a
mulher mesmo ocorrendo comumente no espaço público. A pesquisa teve uma
perspectiva etnográfica, contou com a participação de 7 interlocutoras formais e
utilizou a Análise de Conteúdo como referência. As análises apontam que a
dinâmica da baixa prostituição é atravessada pelos arranjos territoriais, estando os
códigos e regras da zona de prostituição em constante disputa com o território. A
violência articula-se como uma teia relacional que acaba por impedir o
reconhecimento do outro (classe, gênero ou raça/etnia) mediante o uso da força
física e/ou simbólica, minando as possibilidades de diálogo, por um lado, e criando
outros códigos, formas de interação e performances sociais, por outro.
Palavras-chave: Prostituição Feminina. Violência. Psicologia Social. Pobreza.
Gênero.
1 INTRODUÇÃO
A expressão “a profissão mais antiga do mundo” comumente é utilizada para
definir a prostituição. Contudo, todas as vezes que a escuto tenho a sensação de
que, quase que compulsoriamente, ela associa uma mulher ao exercício de tal
atividade, e mais que isso, uma mulher pobre (SILVA, 2014). A simbiose
prostituição-prostituta é alimentada por relações desiguais de gênero e pela
culpabilização da mulher por sua sexualidade, que camufla perfomances e formas
diversas de organização (BARRETO, 2008). Piscitelli (2005) ao utilizar o termo
“mercado do sexo”, intencionalmente amplia o olhar para a lógica mercantil dos
intercâmbios sexuais e econômicos da complexa rede de pessoas e instituições.
1 Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE. Psicóloga e educadora.
Docência e pesquisa em Psicologia com ênfase em Psicologia Social, Psicologia Comunitária,
Psicologia e Feminismo e Atenção Psicossocial em Sobral, CE, Brasil. E-mail:
lorena.nessin@gmail.com
2 Doutora em Psicologia pela Universidad de Barcelona, Espanha. Pós-Doutorado em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora do CNPq. Professora da Un iversidade
Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil E-mail: vemorais@yahoo.com.br
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Exercer a prostituição não é crime no código penal brasileiro, sendo proibido
organizar comercialmente ou explorar pessoas, em concordância com o Tratado
Abolicionista Internacional da ONU (1951). Uma das grandes problemáticas que
cercam o debate sobre a prostituição no movimento feminista gira em torno da
capacidade de exercer o direito sobre os próprios corpos (PISCITELLI, 2012).
Sobre isso, Wijeres (2004) aponta 4 regimes conceituais-jurídicos sobre a
prostituição. Nas correntes proibicionistas e abolicionistas a prostituição é entendida
como exploração, sendo no proibicionismo uma prática criminosa, devendo haver
repressão e penalização aos envolvidos, e no abolicionismo a penalização seria
apenas das situações de exploração. O regulamentarismo defende a organização e
o controle sanitário e territorial por meio de ação policial, judicial e administrativa. No
laboral quem exerce a prostituição é afirmado como trabalhador e busca-se a
garantia de direitos sociais e trabalhistas. Os 3 primeiros eixos vitimam quem presta
o serviço sexual ao não reconhecer sua capacidade de decidir sobre o corpo e a
autonomia, e negam a prostituição como um trabalho sexual (PISCITELLI, 2005).
A partir de 2010, as vozes abolicionistas ganham maior visibilidade no
feminismo do Brasil, principalmente com a institucionalização junto ao Estado, a
presença de setores feministas em partidos políticos, a aproximação de movimentos
transnacionais e o fortalecimento das “radfems”. Se os argumentos estavam
vinculados ao pecado e moralidade, agora associam a prostituição a violência
sexista e a exploração sexual. Tal concepção vincula de modo perigoso, visto a
imprecisão conceitual e legal, a prostituição com o turismo sexual e o tráfico
internacional de pessoas (PISCITELLI, 2014), alimentando a repressão e
criminalização de quem exerce a prostituição.
A prostituição neste trabalho não é considerada sinônimo de violência. Ao
problematizar as expressões da violência na prática prostitucional, busca-se
visibilizar e ampliar os diálogos sobre as vulnerabilidades e as naturalizações,
apontando a urgência do reconhecimento da prostituição como um trabalho, da
garantia de direitos e de invenções de formas de cuidado. A violência contra
prostituta se encontra velada no universo da violência de gênero, não existindo
dados representativos no país. Mesmo quando ocorre em espaços públicos,
reproduz a lógica de silenciamento que envolve a violência contra a mulher.

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