Evolução Histórico-Normativa da Tutela Jurídica do Meio Ambiente do Trabalho e Instrumentos de Proteção

AutorRonaldo Lima dos Santos
Páginas220-237

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1. Escorço histórico da tutela da saúde do trabalhador

O conceito holístico de meio ambiente do trabalho é relativamente recente, pois se delineou, praticamente, a partir de meados do século XX. Por sua vez, a concepção de tutela da saúde e da segurança do trabalhador, como algo distinto da noção de saúde pública, iniciou-se com o advento da Revolução Industrial do século XVIII.

Em seus primórdios, a tutela da saúde do trabalhador estava inserida dentro do conceito genérico de saúde ou de saúde pública, embora na Antiguidade o trabalho já fosse concebido como um fator gerador de doenças e modificador das condições de vida dos trabalhadores.

Em Roma, há relatos de diversos estudos sobre saúde e segurança de trabalhadores, v. g., Plínio já descrevia as doenças mais comuns entre os escravos como também o emprego pelos refinadores de mínio de membranas de pele de bexiga como máscaras de proteção; Marcial constatou a existência de doenças peculiares aos que laboravam com enxofre; Galeno de Pérgamo discorreu sobre os riscos à segurança dos mineiros.1

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Ao término da Idade Média, já são encontradas obras sobre saúde e segurança dos trabalhadores. As atividades dos mineiros e dos metalúrgicos foram as primeiras a ser objeto de estudos sobre doenças ocupacionais, como o desenvolvido no tratado sobre mineração (De re metallica), de 1556, elaborado pelo médico alemão Georgius Agrícola. Em 1567, Paracelso publicou uma monografia sobre a tísica dos mineiros e outras doenças das montanhas.2

Em 1700, o médico italiano Bernardino Ramazzini impulsionou o nascimento da Medicina do Trabalho, com a obra De Morbis Artificium Diatriba, comumente traduzida com o título As Doenças Ocupacionais dos Trabalhadores, sendo considerado o pai da Medicina do Trabalho.3 Ramazzini foi um dos primeiros estudiosos médicos a vincular o trabalho à produção de doenças, apregoando que todo médico deveria verificar qual a profissão de cada um de seus pacientes para observar a vinculação da atividade exercida por eles com o condicionamento de seus quadros mórbidos.4 Em sua obra, ele já fazia menção às peneumoconioses, ao estresse, às neuroses, às lesões por esforços repetitivos, dentre outras doenças cuja presença é frequente nas relações de trabalho atual.5

A partir do século XVIII, com o incremento da produção industrial e o surgimento da sociedade de massas, desenvolveu-se uma preocupação com a preservação do meio ambiente genericamente considerado. O acentuado crescimento econômico-industrial e a expansão das atividades do próprio Estado intensificaram a degradação do meio ambiente de um modo geral, e do meio ambiente do trabalho, insuflando as ações dos movimentos de trabalhadores pelas melhorias das condições de trabalho.6 Foi, assim, a partir do crescimento da indústria e dos grandes centros urbanos, que se despertou o interesse com a preservação de ideais condições ambientais de trabalho.

Embora já fossem encontradas ações dos trabalhadores pela melhoria das condições de trabalho, a intervenção legislativa no campo da proteção social dos trabalhadores iniciou-se, principalmente, pela influência de diversos pensadores e reformadores sociais, inclusive grandes empregadores (Robert Peel, Robert Owen), doutrinadores ideológicos (Marx e Engels - 1848), políticos liberais (Robert Owen - 1771-1858; Michael Sadler - 1780-1835), escritores (Charles Dickens) ação de médicos humanistas e da Igreja (Papa Leão XIII e a Encíclica Rerum Novarum - 1891).

No quadro da questão social, principalmente da exploração da mão de obra infantojuvenil, em 1802, o parlamento inglês, sob o protagonismo de Robert Peell, aprovou a primeira lei de proteção aos trabalhadores, Moral and Health Act (Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes), que proibia o trabalho infantil por mais de 12 horas diárias, entre outras disposições sobre condições de salubridade do trabalho, como as referentes à higienização local e dos dormitórios dos estabelecimentos que empregavam menores aprendizes.

O Moral and Health Act é considerado o primeiro diploma da era industrial a versar sobre proteção dos trabalhadores. Embora venha sendo bastante contemplado na doutrina juslaboral, esse estatuto jurídico não obteve resultados práticos, em virtude da ausência de instrumentos para a sua efetivação. A sua limitação aos menores aprendizes deixava de fora do seu âmbito de aplicação todas as demais crianças trabalhadoras não aprendizes. Esta Lei, entretanto, já continha um embrião da inspeção do trabalho, pois previa a figura do inspetor do trabalho, isto é, de um sistema local de inspeção voluntária das fábricas e oficinas, composto por clérigos e magistrados (the visitors).

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Em 1819, por obra de Robert Peel e Robert Owen, foi aprovado o 1º (primeiro) Factory Act, que deu início ao alargamento da proteção da mão de obra infantil, embora só fosse aplicável ao setor algodoeiro.

O marco mundial da criação do serviço de medicina do trabalho ocorreu no ano de 1830, quando Robert Dernham, proprietário de uma indústria têxtil na Inglaterra, procurou o médico Robert Baker para resolver questões relacionadas com as péssimas condições de saúde dos trabalhadores, sendo que foi orientado a inserir no interior de sua fábrica o seu médico particular, para realizar a intermediação entre ele e os seus trabalhadores. Em 1833, foi baixado outro Factory Act, que foi considerado a primeira legislação eficiente no campo da proteção ao trabalho, sendo aplicado a todas as indústrias têxteis inglesas.7

Sua elaboração foi obra de Michael Sadler (1780-1835), deputado e participante do movimento para a reforma do trabalho fabril. Nele previa-se a figura do Factory Inspectorate, com vistas a assegurar o controle da idade de admissão. Em 1855, foi criada a função do industrial medical officers, considerado o embrião dos médicos do trabalho, que ficou encarregado da análise dos acidentes de trabalho e dos exames de admissão.

Na esteira da legislação inglesa, diversos países elaboraram normas de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores, dando início ao aparecimento das primeiras leis sobre acidentes do trabalho na Alemanha, em 1884, que se estenderam para todos os países da Europa; sendo implementadas no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 3.274, de 15.01.1919.8 Em 1890, na França,

foram criados os delegados de segurança nas minas. Em 1893, neste mesmo país, foi promulgada a lei sobre higiene e segurança do trabalho na indústria; e em 1893 surgiram as leis sobre acidentes de trabalho e sua indenização.9

As normas de proteção à saúde e à segurança do trabalhador adquiriram foro constitucional com o advento do Constitucionalismo Social em todo o mundo, que elevou ao âmbito constitucio- nal a tutela da saúde e da segurança dos trabalhadores. A Constituição Mexicana de 1917, v.g., previu, entre outras normas de tutela do trabalhador, a obrigatoriedade de toda empresa proporcionar habitações cômodas e higiênicas, escolas e serviços de enfermagem aos trabalhadores (art. 123, XII), a indenização por acidentes do trabalho (art. 123, XIV) e a adoção de medidas de higiene, saúde, segurança e de prevenção de acidentes (art. 123, XV).

No âmbito internacional a proteção universal da saúde e da segurança dos trabalhadores, e do meio ambiente do trabalho como um todo, incrementou-se a partir da criação da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, que, por meio do denominado Código Internacional do Trabalho, composto por suas convenções, recomendações e resoluções, consolidou a universalização da tutela do meio ambiente do trabalho.

2. Dimensão atual do conceito de meio ambiente do trabalho

Na hodierna fase do desenvolvimento da doutrina ambiental do trabalho, a concepção de meio ambiente do trabalho não mais se restringe à proteção da saúde e da segurança do trabalhador subordinado, uma vez que abrange todos aqueles que participam das relações laborais,

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independentemente da natureza do vínculo jurídico que possuam no âmbito da organização empresarial.10

A atual dimensão do meio ambiente do trabalho, por sua vez, não se restringe à fixação de normas de saúde e segurança do trabalho; direcionamento este que norteara as principais normas nacionais e internacionais em relação à tutela do direito do trabalho ao longo da sua história.

O enfoque predominantemente somático, fulcrado na relação mecanicista homem/máquina, expandiu-se para abranger todas as dimensões da saúde e da segurança no local do trabalho, com a inclusão das doenças decorrentes das próprias relações interpessoais de trabalho, como a depressão, o estresse por pressão e as neuropatias originárias de situações como os assédios moral e sexual. A concepção hodierna do meio ambiente do trabalho enfatiza a dimensão psicossomática do trabalhador e demais sujeitos que ativam no referido ambiente.

Hodiernamente, o meio ambiente do trabalho possui uma dimensão holística do homem- -trabalhador, muito mais abrangente que o reducionismo científico que aquela que havia marcado a medicina e a segurança do trabalho ao longo do seu desenvolvimento, sempre centrados nos fatores individuais e biológicos do corpo físico do trabalhador, e estruturados em torno do médico do trabalho como principal agente preventivo e fiscalizador, cujo trabalho restringia-se ao microambiente do trabalho e à análise da ação patogênica de determinados agentes na insalubridade das condições materiais de trabalho, bem como às condições físico-mecânicas de segurança.

O conceito moderno de meio ambiente...

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