Neutralidade da rede, o zero-rating e o Marco Civil da Internet

AutorLuca Belli
Páginas207-235
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Neutralidade da rede, zero-rating e o Marco Civil da Internet
10 Neutralidade da rede, zero-rating e o
Marco Civil da Internet
Luca Belli
Nota: Este capítulo é uma atualização do artigo publicado, com o mesmo
título, em Del Campo A. (Ed.) (2017). Hacia una Internet libre de censura II.
Perspectivas en América Latina. CELE, Universidad de Palermo.
Resumo
Este capítulo explora a evolução do debate sobre a neutra-
lidade da rede a partir de uma perspectiva internacional,
passando pelo caso brasileiro e chegando a análise das prá-
ticas denominadas de zero rating, baseadas no patrocínio
de aplicativos. As discussões sobre esses temas se intensi-
ficaram consideravelmente nos últimos anos, cobrindo toda
a América Latina e, mais especificamente, o Brasil, onde a
Lei 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet, e seu
regulamento, Decreto 8.771 de 2016, abordam a proteção de
vários direitos fundamentais no ambiente online e regulam
a neutralidade da rede no Brasil. As práticas de discrimina-
ção no tráfego na Internet, a difusão dos chamados modelos
de zero rating e, consequentemente, as discussões sobre o
princípio da não-discriminação, chamado de neutralidade da
rede, assumiram proporções consideráveis na região. Essa
popularização do debate sobre a neutralidade da rede deve-
-se à conscientização de um número cada vez maior de in-
divíduos de que a possibilidade de acesso à Internet de for-
ma não discriminatória impacta diretamente sua capacidade
de usufruir de seus direitos fundamentais, comunicando,
inovando e empreendendo livremente no ambiente online.
Após uma análise sobre a neutralidade da rede, este capítulo
oferece uma exposição crítica das práticas de zero rating e
analisa como essas questões são reguladas no Marco Civil
da Internet. Por fim, explora os possíveis efeitos negativos
dessas práticas e aponta caminhos futuros para enfrentar as
questões de acesso de maneira sustentável.
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Governança e regulações da Internet na América Latina
Análise sobre infraestrutura, privacidade, cibersegurança e evoluções tecnológicas em
homenagem aos dez anos da South School on Internet Governance
10.1 Introdução
Durante a última década, a neutralidade da rede (NR) tem sido
um assunto profundamente analisado em todo o mundo, envol-
vendo múltiplos atores tanto no Brasil quanto em diversos fóruns
internacionais. A NR é definida como o princípio de não-discrimi-
nação, cujo objetivo é preservar a abertura da Internet e facilitar
ao usuário final o pleno gozo de seus direitos. Por estas razões,
a neutralidade foi consagrada em vários instrumentos regulató-
rios nacionais e internacionais. No Brasil, a NR é explicitamente
protegida pela Lei 12.965 de 2014, mais conhecida como Marco
Civil da Internet (MCI), que é a lei federal que estabelece os prin-
cípios e normas fundamentais que regulam o uso da Internet no
Brasil. A evolução do debate sobre a NR influenciou fortemente
a elaboração do MCI e do decreto presidencial que estabeleceu
algumas disposições do MCI. Deve-se notar que, as consultas
públicas que levaram ao desenvolvimento do decreto revelaram
que o Zero Rating (ZR) – também conhecido como “taxa zero”
ou “aplicativos patrocinados” – e sua compatibilidade com a NR
foi uma das questões mais complexas e mais debatidas. O ZR é a
prática de patrocinar o acesso a determinados aplicativos que não
afetam a franquia de dados mensais do usuário. A análise dessas
práticas tem estado fortemente presente em quase todos os deba-
tes sobre neutralidade da rede nos últimos anos. O objetivo deste
artigo é contextualizar a NR e o ZR para explicar o desenvolvi-
mento recente nesses âmbitos ao nível brasileiro e extrair lições
que possam ser úteis em outros contextos.
A primeira seção deste capítulo examina os fundamentos da NR,
fornece uma visão geral dos debates realizados sobre o assunto
e destaca o papel fundamental do princípio da neutralidade para
permitir o pleno gozo dos direitos fundamentais dos usuários da
Internet. Consequentemente, a análise da segunda seção gira em
torno do MCI e sua função-chave como promotor dos direitos
humanos e, particularmente, o pleno exercício da cidadania e do
acesso universal e inovação. Será destacado que o mesmo MCI
considera a NR como um dos princípios fundamentais que permite
o gozo da cidadania e do acesso universal e inovação, ao mesmo
tempo em que orienta a disciplina e o uso da Internet no Brasil.

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