Neurociências e o conceito de culpabilidade no direito penal

AutorKlaus Gunther
CargoÉ professor catedrático de Direito Penal, Processo Penal e Teoria do Direito na Universidade Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main
Páginas226-249
Rev. direitos fundam. democ., v. 24, n. 3, p. 226-249, set./dez. 2019.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v24i31760
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
NEUROCIÊNCIAS E O CONCEITO DE CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL
1
NEUROSCIENCE AND THE CRIMINAL CONCEPT OF CULPABILITY
HIRNFORSCHUNG UND STRAFRECHTLICHER SCHULDBEGRIFF
__________________________________________________________________________
Klaus Günther
É professor catedrático de Direito Penal, Processo Penal e Teoria do Direito na
Universidade Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main.
Resumo
O autor analisa quais consequências as descobertas das neurociências
trazem para o Direito penal, especialmente para o seu conceito de
culpabilidade e, também, em última análise, para a própria concepção
de Direito, que temos atualmente. Nesse sentido, aborda o conceito
penal de culpabilidade, como ele é compreendido a partir da perspectiva
de livre arbítrio e das concepções normativas, examinando também as
opções que os penalistas podem adotar para enfrentar as teses
neurocientíficos.
Palavras-chave: Direito Penal - Neurociências Livre arbítrio
Culpabilidade – Determinismo
Abstract
The author analyzes what are the consequences that the discoveries
from the neuroscience bring to criminal law, especially to its concept of
culpability and, ultimately, to the very conception of Law, that we have
today. In this sense, it addresses the criminal concept of culpability, as it
is understood from the perspective of free will and from the normative
conceptions. The author also studies the options that criminal scholars
can adopt to face neuroscientists theses.
Key-word: Criminal Law - Neuroscience – Free Will – Culpability –
Determinism
1
Publicado orginalmente como: “Hirnforschung und strafrechtlicher Schuldbegriff”, em Kritische Justiz Vol.
39, n. 2 (2006), pp. 116-133. Tradução do original em alemão por Rodrigo Leite Ferreira Cabral, Paulo
César Busato e Letícia da Lozzo.
NEUROCIÊNCIAS E O CONCEITO DE CULPABILIDADE
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Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 24, n. 3, p. 226-249, set./dez., de 2019.
1. POR QUE APENAS O DIREITO PENAL?
No atual debate sobre as possíveis consequências das novas descobertas das
neurociências, o Direito penal tem um inegável papel de destaque, especificamente em
relação ao conceito penal de culpabilidade. Renomados cientistas alemães, tais como
Wolf Singer, Gerhard Roth ou Hans Markowitsch criticam o conceito de culpabilidade
apresentado pelo Direito penal, sobretudo o conceito de pena culpável (Schuldstrafe),
adotando, para tanto, um determinismo forte. Eles defendem que, se nossas escolhas
e ações são absolutamente pré-determinadas por processos causais neurológicos, não
sobra espaço para a liberdade de vontade e quando a vontade não é livre, não é
possível responsabilizar-se o agente pela prática de um delito; pelo menos não no
sentido usual de que ele, em virtude de sua vontade, poderia ter, na mesma situação,
agido de outro modo, de forma a ter evitado a prática criminosa. Com base nessas
concepções, os cientistas fundamentam a rejeição da culpabilidade penal e da
reprovação pela culpabilidade, substituindo-as pela ideia de medida de segurança ou,
até onde permitam os conhecimentos médicos, por intervenções e terapias da neuro-
medicina. Wolf Singer, entretanto, recomenda apenas o uso de uma nova terminologia
para o Direito penal, propondo o uso da palavra “responsabilidade”. Sem embargo, o
que ele realmente quer dizer é “periculosidade”
2
.
Os neurocientistas, ao colocarem em dúvida, de forma tão radical, a liberdade
da pessoa, acabam por questionar não apenas o conceito de culpabilidade e de pena,
mas sim o próprio conceito de Direito, como um todo. Isso pode ser demonstrado por
um simples exemplo. A partir dessa concepção, não é apenas o delinquente que não
escolhe suas ações, mas também não escolhem os juízes que decidem sobre elas. De
tal maneira, o seu julgamento não seria mais o resultado de uma decisão livre apesar
de juridicamente vinculada - e, nesse sentido, responsável. Decorria, isso sim, uma vez
mais, de um curso causal, sobre o qual o juiz não teria responsabilidade alguma. Esse
exemplo deixa claro que antes de qualquer discussão a respeito da liberdade de
vontade, como um requisito necessário ou desnecessário para determinadas áreas do
Direito ou institutos legais existe uma premissa jurídica fundamental que é colocada
em questão: o Direito pressupõe que os destinatários de uma norma possam, por si
2
Wolf Singer, Grenzen der Intuition: Determinismus oder Freiheit, in: Rainer Maria
Kiesow/ReginaOgorek/Spiros Simitis (Org.), Summa. Festschrift fr Dieter Simon zum 70. Geburtstag,
Frankfurt am Main 2005, p. 529 e ss (p. 537).

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